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Maria Carolina Trevisan

Crise em Manaus e atraso na vacinação impulsionam tensão por impeachment

18.dez.2020 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante cerimônia de formatura de soldados da PM, no Rio de Janeiro - Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo
18.dez.2020 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante cerimônia de formatura de soldados da PM, no Rio de Janeiro Imagem: Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo

Colunista de Universa

22/01/2021 14h26

Com a crise sanitária aguda em Manaus e o atraso da vacinação contra a covid-19, o lado mais nefasto da gestão Bolsonaro emergiu. Tornou-se evidente que a defesa da vida não foi uma prioridade para o governo federal e que estamos pagando em vidas perdidas a escolha pelo negacionismo.

Soma-se a isso a incompetência do ministro da Saúde, general Pazuello, que enfrenta coletivas com jornalistas como se estivesse dando ordens à própria tropa, e o prejuízo causado pelo chanceler Ernesto Araújo, que fez do Brasil um pária internacional — único país do mundo cujo presidente lamentou o início da vacinação, com um "apesar da vacina".

A angústia da asfixia em Manaus e da vacina que nunca chega aos brasileiros derrubou a avaliação do governo Bolsonaro. O Datafolha desta sexta (22) mostrou que o presidente é avaliado como ruim/péssimo por 40% da população ante 32% da pesquisa anterior, de dezembro. É a maior queda nominal de aprovação de Bolsonaro desde o começo de seu governo. A tendência é confirmada por outras pesquisas recentes. De acordo com a pesquisa do Instituto Ideia Big Data divulgada na sexta (22), 45% dos entrevistados avalia o governo Bolsonaro como '"ruim/péssimo". Há oito dias, essa avaliação era de 34%, uma diferença de 11 pontos percentuais, uma queda acelerada.

A pesquisa também mostra que a população atribui a chegada do pequeno lote de vacinas aos cientistas (32%) e não aos políticos, revelando que o jogo político em torno de algo tão fundamental prejudica a imagem de políticos que confrontam a ciência ou que se utilizam do imunizante para se sobressair no cenário nacional. O recado é: a vacina é um fator de união. Quem não trabalha por ela, está a favor da doença.

É um cenário semelhante ao que se viu em maio de 2020, reflexo da falta de um auxílio emergencial, quando a desaprovação do governo chegou a 50%. Desta vez, não há perspectiva de melhora na crise econômica. O auxílio emergencial terminou e, com isso, milhões de pessoas vivem abaixo da linha da extrema pobreza novamente.

Não há movimentação aparente dos ministros da Economia (Paulo Guedes) e Cidadania (Onyx Lorenzoni) no sentido de estabelecer uma transferência de renda que diminua o abismo social. O Congresso também está focado na eleição para as presidências da Câmara e do Senado, um xadrez de troca de cargos e interesses que deve determinar o futuro do país em breve.

Com tudo isso, cresce também a pressão pela abertura de um processo de impeachment. Juristas e artistas pediram uma reunião como presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que em 15 de janeiro explicitou em seu Twitter que o presidente da República comete crime de responsabilidade ao "atentar contra a inviolabilidade do direito à vida". A Câmara recebeu quase 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro até o momento.

A pesquisa XP divulgada há quatro dias também mostra que a má gestão da pandemia influencia negativamente o governo. A parcela da população que considera ruim ou péssimo o governo de Jair Bolsonaro subiu de 35% para 40%, percentual semelhante ao do início da pandemia de coronavírus, em abril de 2020.

"Sempre, em algum momento, a negação e a demagogia constantes fazem esses personagens [políticos como Donald Trump e Bolsonaro] implodirem. A pergunta é: quando os brasileiros em sua maioria se darão conta da miséria e da morte genocida que Bolsonaro tem promovido?", questiona o historiador Federico Finchelstein, professor da New School for Social Research e pesquisador do fascismo.

A questão é que o impeachment não resolve o caos em que o Brasil está mergulhado. Por um lado, pode mostrar a necessidade de se prestar contas, de se debater responsabilidades — e que há consequências para quem as negligencia. Por outro lado, a abertura de um processo de impeachment também causa instabilidade política em que os mais pobres ficam mais vulneráveis.

Além disso, levaria ao poder máximo o vice-presidente, general Hamilton Mourão, cujas declarações exaltando o torturador Ustra não inspiram confiança. Ao mesmo tempo, se a saída de Bolsonaro fosse certa, seus filhos também perderiam poder, o que poderia ajudar em um equilíbrio necessário ao Brasil.

No momento, estamos à deriva. Com medo e tristes pelas vidas perdidas. Angustiados pela falta de perspectivas. O que é certo - e isso é positivo — é que a negação da política, a exaltação do antissistema, perde lugar cada vez mais. Não só aqui, mas no mundo inteiro, movimento concretizado pela vitória de Joe Biden nos Estados Unidos. Que venha a recomposição da política responsável.