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Luiza Sahd

Meninas, por que não estamos namorando caras mais novos?

O tempo passa de forma diferente para homens e mulheres? - Icons8 Team/ Unsplash
O tempo passa de forma diferente para homens e mulheres? Imagem: Icons8 Team/ Unsplash

Colunista do UOL

30/09/2020 04h00

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O Brasil é um país obcecado por "novinhas". Em 2013, o termo foi o mais buscado em sites pornôs brasileiros; no resto do mundo, a busca campeã foi "teen sex" (sexo adolescente). Lembrando que abuso infantil é crime e deve ser denunciado no Disque 100.

O fenômeno das "novinhas" é global, e é ele também que explica o fato de que mulheres do mundo todo sejam mais jovens do que seus pares quando se relacionam com homens. A maioria deles prefere as novinhas — e a gente continua se adaptando a essa tradição sem fazer grandes questionamentos.

Um estudo publicado em dezembro de 2019 pelo Pew Research Center, dos Estados Unidos, revelou que homens tendem a ser mais velhos do que suas parceiras em uma média global de quatro anos. Os casais judeus tendem a apresentar as menores diferenças etárias (2,1 anos, em média), enquanto os muçulmanos têm as maiores diferenças (6,6 anos). Em todos os grupos, as lacunas são menores na Europa e na América do Norte (menos de três anos) e maiores na África Subsaariana (8,6 anos). Dos 130 países analisados, não há lugar onde os parceiros homens sejam, na média, mais jovens do que as mulheres — ou tenham a mesma idade que elas.

A raiz dessa lógica é fácil de explicar, mas estamos em um excelente momento histórico para rever esse padrão.

Por que as pessoas se casam?

Num passado não muito distante, as pessoas se casavam com o objetivo claro de crescer e multiplicar (sobretudo, o patrimônio da família); as mulheres, então sem acesso ao mercado de trabalho e a direitos civis básicos, eram escolhidas pelos maridos de forma bastante mercantil, de modo que a preferência era, entre outros fatores, por meninas com uma longa vida fértil pela frente. A vida fértil dos homens é, indiscutivelmente, muito mais extensa do que a nossa — e esse era um ótimo argumento para naturalizar que meninas que mal entraram na puberdade se casassem com senhores que pudessem fazer prosperar a ela e a seus familiares.

Nas últimas décadas, a configuração familiar mudou de forma radical na maioria das sociedades contemporâneas. Nem todo mundo se casa; ter filhos deixou de ser uma excelente ideia quando a meta é "prosperidade"; os matrimônios deixaram de ser um negócio em boa parte do globo e, com os envolvidos efetivamente escolhendo seus parceiros, a quantidade de gente disposta a embarcar nessa empreitada romântica minguou consideravelmente. Estamos todos muito exaustos correndo atrás de sucesso de forma mais individualista. Se tudo isso configura uma forma melhor ou pior de se viver, é assunto para outro post.

O caso é que todos os critérios de relacionamento se transformaram, mas a mulherada continua acatando a norma de namorar homens mais velhos como se vivêssemos no século 19. Talvez seja preguiça de mudar — mudar sempre dá trabalho — ou apenas falta de pulgas atrás da orelha. Vai uma: a mesma pesquisa que identificou a diferença de idade entre casais hétero demonstrou que as mulheres também passam muito mais anos vivendo sozinhas porque seus parceiros morrem mais jovens do que elas.

Alguns indícios de que tá errado isso aí

Dia desses, encontrei com uma amiga solteira que relatou o de sempre: morre de tédio tentando conhecer caras legais da nossa idade. Ela descreveu muito do que foi dito aqui e aqui. Ou seja, a indisponibilidade emocional masculina é a próxima pandemia a ser discutida, já que nem no Brasil a minha colega mora.

Aparentemente, todos os homens da nossa idade já foram traumatizados por algum rompimento difícil, mal marcam um encontro vão logo avisando que não querem nada a sério e parecem consideravelmente apáticos e amargurados — não que a gente não seja, também, um pouco de tudo isso. Só desconfio que dois bicudos não se beijem.

Foi então que fiz a provocação que andava guardando apenas entre mim e as vozes da minha cabeça: "você já tentou sair com caras mais novos? Me parecem mais animados, menos ressentidos afetivamente". É sempre engraçado acompanhar a reação das mulheres a essa pergunta.

Por razões misteriosas, muitas de nós acreditamos que homens mais jovens não serão suficientemente maduros — como se algum homem de qualquer idade fosse; depois, cogitamos que seríamos prontamente trocadas por outra pessoa — como se não corrêssemos esse risco em qualquer relação com pessoas de qualquer idade. Por último, a gente fica com medo de desencontrar o momento certo de ter filhos — como se todo mundo os quisesse ou como se a única alternativa de parentalidade fosse ter filhos biológicos.

O que dói nisso é a associação que a maioria das pessoas faz entre envelhecer e perder a beleza ou o capital erótico. Essa dedução não é tão automática com os homens porque, tradicionalmente, eles precisavam ser apenas provedores — não atraentes. A herança dessa lógica é uma cobrança estética extremamente dolorosa para nós. E falsa: não existe mulher bonita que perca a beleza por envelhecer. Ela se torna, simplesmente, uma mulher bonita com mais idade. O etarismo, aliás, é uma discussão que precisamos desengavetar urgentemente.

Querer não é poder, poder não é querer

Me envolvi pouquíssimas vezes com gente mais nova do que eu. Puxando pela memória, surpresa: nada do que dizem que acontece com namoradas "coroas" aconteceu comigo. Aliás, nem lembro exatamente por que não levei nenhuma dessas relações adiante, mas desconfio que tenha mais a ver com o constrangimento social do que com os problemas que mais tememos nesses casos.

Se algum dos homens mais novos tivesse me sacaneado, eu lembraria, porque sou rancorosa. Quem perdoa é Deus; eu bloqueio no zap. Curiosamente, meus "novinhos" seguem sendo amigos bem queridos.

Nada disso quer dizer que a gente precise, necessariamente, se envolver com homens mais jovens. Tudo isso quer dizer que não é errado — e que podemos parar de internalizar padrões que não têm mais nenhuma função social a não ser limitar nossas já modestas liberdades. Quem quiser manter as normas da tradicional família brasileira mesmo na solteirice: fica à vontade.