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Correria (ainda mais) arriscada: como é ser motoboy de material de laboratório?

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

25/05/2020 04h00

Se perguntarmos sobre o cotidiano para qualquer motoboy que trabalhe na cidade de São Paulo, certamente a palavra "correria" estará nas primeiras frases de sua resposta. Agora a situação em tempos de pandemia ganhou um outro componente: o risco de contaminação. É isso que conta Fabiano Macedo Constante, de 42 anos.

Em seus 25 anos de carreira, ele vive uma situação inédita. Funcionário do Grupo Master, durante o dia ele trabalha com retiradas e entregas de material biológico entre um hospital e um laboratório, ambos na região da Avenida Paulista, em São Paulo.

Já atuo há uns dez anos na área de saúde. Hoje carrego material biológico como coletas de sangue. Então o risco aumentou muito, porque eu acabo frequentando lugares de maior risco, como os hospitais

Imagem: Acervo pessoal

Cuidado redobrado

A função exige agilidade e precisão. Ele transporta amostras de sangue de pacientes com câncer que aguardam a autorização para a realização de quimioterapia.

Enquanto esse tratamento não é liberado, o paciente precisa esperar no hospital. E essas pessoas não só pertencem ao grupo de risco, como estão em um ambiente que traz mais riscos em tempos de pandemia, por mais que sejam tomadas todas as precauções de higiene.

Meu trajeto é bem curto, mas a frequência é alta. Fico nesse bate e volta, com intervalo a cada 30 minutos

Ele conta que os horários são controlados rigorosamente, uma vez que os laboratórios levam de 1h30 a duas horas para analisar as amostras.

Então se acontecer algo no trajeto, os pacientes precisam ficar esperando ainda mais. É uma grande responsabilidade

Em seu "corre" diário, Constante diz que tem feito tudo que é possível em termos de cuidado com a própria saúde.

Como fico indo de um prédio pro outro, meu cuidado maior é dentro dos elevadores. Tem dias que chego a pegar 20 vezes em cada prédio. Sempre tento pegar os elevadores vazios, passo álcool gel toda hora na mão e uso máscara. E também fico distante de outras pessoas

Imagem: Acervo pessoal

Além disso, sempre que chega ao trabalho pela manhã, ele passa pela triagem do hospital onde medem parâmetros como temperatura e pressão arterial.

Se o risco por trabalhar dentro do hospital é maior, fora dele a situação acaba sendo um pouco mais tranquila. "Levava dez minutos no meu trajeto de cerca de um quilômetro quando tudo estava normal. Hoje, levo cinco. O trânsito, pelo menos, melhorou", conta.

Ter menos carros na rua, porém, não é carta branca para acelerar. E deixa um pedido para seus colegas de profissão.

O trânsito tá mais vazio e eu sei que dá para acelerar um pouco a mais, mas não vamos cair nessa. Moto é muito perigoso e a gente tem que lembrar que os hospitais estão sem recursos para atender

Imagem: Acervo pessoal

Jornada dupla e longe da família

A jornada diária de Constante, que começa às 6h30 no hospital, ainda tem um "segundo tempo": das 19h às 23h ele trabalha em uma pizzaria, onde faz uma média de dez entregas por noite.

Ele mora com seus dois filhos, um de 19 e outro de 23 anos. Por conta da pandemia, o contato com os dois diminuiu - e não apenas por trabalhar em um regime de uma folga a cada seis dias de trabalho.

Fico mais no meu quarto sozinho quando estou em casa. Agora mesmo que não dá para sair, prefiro ficar trabalhando

Mesmo nesse cenário mais arriscado, Constante diz que não tem medo nem pensou em fazer outra coisa por conta da pandemia, já que "em todo canto está arriscado, não tem para onde correr".

Apesar de estar acostumado com a correria, ele diz que esse tem sido um dos momentos mais cansativos da sua relação com o trabalho, mas que espera se dedicar por um pouco mais de tempo.

Sempre foi correria e se não for assim, você não tem nada

A expectativa, agora, acaba recaindo sobre a chegada de dias mais tranquilos e, principalmente, melhores.

A idade tá chegando, né? Passando essa fase difícil, pretendo trabalhar menos. Espero que todo mundo se cuide. Vamos nos unir e batalhar para vencer essa guerra. Com certeza a gente vai passar por isso e vai servir de lição para aprendermos a ser mais humanos e melhores com nossos próximos

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