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GPS para bicicletas ajuda a reconstituir acidentes

John Markoff<br>Do New York Times

22/09/2011 07h00

Após quase meio século correndo de bicicleta pelas estradas da península de São Francisco sem nenhum incidente grave, no dia 3 de julho me acidentei enquanto descia uma rampa a mais de 50 km/h. Desmaiei, quebrei o nariz, fiquei com vários ralados e tomei pontos no rosto, além de um corte profundo acima do joelho que ia até a patela.

Mas quando os paramédicos me resgataram e me enviaram para o hospital, descobri que a pior coisa que havia sofrido era um lapso na memória que durava cerca de 20 minutos. Estava pedalando sozinho e não fazia ideia do que havia acontecido para que me acidentasse.

Eu poderia ter caído em um buraco e ter sido jogado para longe da minha bicicleta. Pior, eu poderia ter desmaiado antes de me acidentar, um possível sinal de um problema mais grave.

O que me lembro é: ter pedalado de volta do da costa do Oceano Pacífico, após uma longa escalada em um dia quente, eu comecei a descer a encosta.

Algum tempo depois, eu me recordo de recobrar a consciência, e avistar sequoias canadenses.

De acordo com Brian, um dos paramédicos que me resgatou e me colocou na maca, eu era 'A e O vezes 3’, ou seja, estava alerta e consciente em minhas respostas a três perguntas-padrão: eu sabia quem eu era, onde eu estava e que horas eram. 'A e O vezes 4’ teria sido preferível. A quarta questão, que eu não sabia responder, era como havia chegado lá.

Vários dias depois, enquanto assistia à Volta da França no conforto do meu lar, percebi que eu tinha algo em comum com o ciclista americano Chris Horner – que, após terminar um estágio a despeito de uma concussão, virou para o seu técnico e perguntou: “eu bati? Eu terminei?”.

Enquanto me recuperava, fiquei obcecado com a ideia de descobrir o motivo por que me acidentei. Acertar um buraco escondido pela luz do final da tarde que se esquivava por entre as sequoias canadenses era uma possibilidade. Mas se eu tivesse algum problema atípico ou arritmia cardíaca que pudesse ter me levado a desmaiar, isso teria sido assustador.

O que me perturbava mais era que eu havia ralado as costas de ambas as mãos.

Isso me pareceu incomum. Normalmente, ciclistas estendem uma mão para amortecer a queda (frequentemente quebrando a clavícula no processo).

Aparentemente, eu havia caído com a cara no chão primeiro.

Meu capacete tinha uma marca de um ralado que removeu a proteção quase até a espuma. Minha bicicleta também era um mistério. Tirando as avarias no guidão e as alavancas de freio, ela estava intacta. As rodas estavam inteiras, a forquilha e a estrutura intocadas.

Enfim, foi possível montar o quebra-cabeça com o equivalente para ciclistas à caixa-preta dos aviões: o registro digital da minha velocidade, localização, taxa de pedalada e frequência cardíaca armazenado no ciclômetro Garmin no guidão. Eu também descobri que outros ciclistas envolvidos em acidentes puderam usar dados similares para averiguar o que havia acontecido em suas colisões.

No final do ano passado Ryan Sabga, outro ciclista profissional dos melhores, foi atingido por um carro enquanto passava por um cruzamento em Denver no começo de um treino. A motorista, saindo de um beco, estava olhando por sobre seu ombro direito; ela pisou no acelerador e virou para a esquerda, acertando Sabga direto enquanto ele estava no meio da rua.

“Eu gritei quando ela pisou mais fundo no acelerador e me atropelou em cheio”, ele escreveu no blog que mantém para sua equipe de corrida, a Black Dog Professional Cycling. “Mesmo assim ela não me viu”.

“De certa forma, eu fiz uma manobra de passagem de bastão com o braço estendido pelo capô do carro dela e fiquei preso pela minha perna esquerda conforme fui lançado para fora. Eu fiquei muito desequilibrado e então caí com força sobre meu lado direito na lateral da estrada”.

A motorista contou à polícia que pensava não ter acertado Sabga. Apesar de seu carro ter indicações de ter acertado o ciclista, o policial disse que sem provas de onde o ciclista havia adentrado o cruzamento não seria possível notificar a motorista. Isso significava que Sabga, que estava relativamente ileso, não poderia acionar a companhia de seguros dela para cobrir as despesas de conserto de sua bicicleta, que estava agora em pedaços.

De volta ao lar, ele percebeu que talvez tivesse a prova que faltava nos dados armazenados no dispositivo de GPS da Garmin que ele utilizava nos treinos.

“Claro como o dia, era possível ver onde eu havia parado na placa de parada obrigatória, onde havia sido atingido pelo carro e onde minha bicicleta foi parar”, ele escreveu. “Na marcação de tempo correspondente, você podia visualizar as velocidades, as paradas e até mesmo quando minha frequência cardíaca disparou quando ela me acertou”.

A polícia estava relutante a prosseguir com o caso, mas sugeriram que ele enviasse os dados para a companhia de seguros da motorista. Ele o fez no mesmo dia e a empresa assumiu a responsabilidade por cobrir as despesas decorrentes do acidente.

Advogados especializados em acidentes de bicicleta dizem que os dados de GPS podem ser utilizados por ambos os lados. “É uma faca de dois gumes”, disse James B. Reed, do escritório Ziff Law Firm de Elmira, estado de Nova York, que normalmente representa ciclistas envolvidos em colisões com carros. Ele notou que a tecnologia de GPS estava alterando a forma como eram resolvidos acidentes envolvendo tanto carros como bicicletas.

“É importante que as pessoas que forem representar aqueles que se machucaram nos acidentes ou as companhias de seguros saibam como obter e analisar os dados”, disse ele. “Sinceramente, essa provavelmente será uma nova indústria muito próspera para especialistas”.

Os meus próprios dados de GPS eram reveladores. Por anos eu pedalei com um Garmin 305, computador de ciclo vendido por algumas centenas de dólares que grava sua localização e velocidade, assim como a frequência cardíaca e de pedalada.

Após cada trajeto, um ciclista pode transferir os dados para um dos muitos aplicativos ou para um serviço da internet que irá mapear os trajetos e compará-los com esforços anteriores ou com os de outros ciclistas na mesma rota.

O Strava, serviço que utilizo agora, permite a classificação por faixa etária – o que sempre me dá esperança, uma vez que conforme envelheço meu ranking ainda pode continuar melhorando, mesmo que meu desempenho não.

Meu Garmin estava ileso, e quando acessei os dados eu pude ver que nos exatos 8 segundos antes da batida, minha velocidade havia ido de quase 50 para 15 km/h – e então zerou – enquanto minha frequência cardíaca se manteve constantemente na casa dos 126 batimentos por minuto. Ao inserir os dados de GPS no Google Maps, pude ver exatamente onde eu havia caído.

Percebi que eu tinha, de fato, muitas lembranças desconexas. Uma delas era das minhas mãos sendo atiradas violentamente para fora do guidão, mas eu não tinha noção de onde estava quando isso aconteceu. Com um amigo, Bill Duvall, que muitos anos atrás correu pelo clube Pedali Alpini, retornei ao local.

A estrada La Honda cruza um caminho íngreme e sinuoso pela floresta de sequoias canadenses. Logo acima, onde os dados do GPS dizem que me acidentei, era possível ver uma fenda fina, longa e profunda (era visível mesmo na vista da rua disponível no Google). Se meu pneu passou por ela, poderia facilmente ter me derrubado.

Eu também tinha uma recordação fugaz dos meus óculos escuros estraçalhados, e parei na lateral da estrada para recolher uma de suas lentes, que estava profundamente arranhada.

Da brusca desaceleração, eu deduzi que, quando minhas mãos foram retiradas do guidão, devo ter conseguido alcançar os freios novamente a tempo de brecar antes de cair. Minha mão direita estava sob a alavanca do freio quando eu atingi o chão, causando o ralado desagradável nas costas da mão que mencionei.

Nos últimos anos, meu maior medo enquanto ciclista tem sido motoristas desatentos lendo e-mails ou mandando mensagens de celular nas estradas sinuosas pelas montanhas. E lá se foi esse medo: quando finalmente levei um tombo, foi sozinho.

Mas houve um lado bom. Se você for ciclista, a melhor época para passar se recuperando de uma queda é o começo de julho. Eu pude passar duas semanas acordando cedo todas as manhãs para assistir a uma das Voltas da França mais empolgantes dos últimos anos.