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Neuralink, de Musk, prepara testes para implantar chips em cérebros humanos

Elon Musk, criador da Neuralink e homem mais rico do mundo Imagem: Win McNamee/Getty Images

Simone Machado

Colaboração para Tilt, em São José do Rio Preto (SP)

28/01/2022 17h31Atualizada em 30/01/2022 16h16

Após testes em animais como porcos e macacos, a Neuralink, empresa criada pelo bilionário Elon Musk dedicada a desenvolver chips cerebrais, está se preparando para realizar os primeiros testes em seres humanos neste ano.

O objetivo da startup, de apenas cinco anos de criação, é implantar o chip, do tamanho de uma moeda, nos cérebros de pessoas com deficiências motoras, como tetraplégicos, por exemplo. A ideia não é fazer com que uma pessoa com deficiência ande, mas sim, fazer com que alguém incapaz de se mexer consiga controlar seu computador com a mente.

No entanto, a ideia do homem mais rico do mundo, parece não ter agradado à comunidade científica que vem se posicionando contra o experimento de Musk.

Em entrevista ao site norte-americano "The Daily Beast", diversos especialistas em neurociência disseram estar preocupados com o avanço, na visão deles exageradamente rápido, da tecnologia desenvolvida pela Neuralink - que começou a ser implantada em porcos e já possibilita que macacos joguem videogame.

Ainda segundo eles, talvez a humanidade ainda não esteja preparada para esse salto e o assunto deva ser melhor pesquisado e discutido antes de qualquer ação prática em humanos.

"Não acho que existe um discurso público suficiente no que tange às implicações majoritárias que essa tecnologia pode trazer aos seres humanos. Me preocupo com a possibilidade de haver um 'casamento desconfortável' entre uma empresa focada em seus lucros e essas intervenções médicas que, eu torço, para que estejam aqui para ajudar as pessoas", disse Karola Kreitmair, professora assistente de Bioética na Universidade de Wisconsin-Madison, em entrevista ao portal norte-americano.

Na semana passada, Musk confirmou que sua empresa já contratou um diretor de testes clínicos para ajudar nessa transição da avaliação da tecnologia de animais para os seres humanos. E deixou claro que tem desejos maiores, como "impedir a humanidade de cair no esquecimento" através de "download e upload da consciência" em máquinas.

"Por todos os lados, esses são produtos de um nicho bem fechado — se falamos somente de desenvolvê-los para indivíduos paralisados, então o mercado é pequeno, mas os dispositivos serão muito caros. Agora, se o objetivo for o uso dos dados cerebrais adquiridos para outras atividades — dirigir um Tesla, por exemplo — então existe um mercado muito, muito maior. Mas aí todos esses indivíduos usados na pesquisa, pessoas com necessidades especiais genuínas, estarão sendo explorados em um estudo arriscado, para o ganho comercial de outra pessoa", disse L. Syd Johnson, professora associada do Centro de Bioética e Humanidade da Universidade de Medicina SUNY, em Nova York.

Questões éticas e comerciais

Outros cientistas ouvidos pela publicação norte-americana disseram que, embora tenham esperança de que a Neuralink use os testes humanos para trazer uma nova forma de terapia para esses pacientes, há ainda uma série de preocupações éticas sobre as quais a empresa e o seu fundador ainda não se manifestaram.

"O que eu já vi é que nós somos muito bons em implantar um dispositivo. Mas se algo der errado, nós não temos a tecnologia para explantá-lo sem causar algum tipo de dano ao tecido", acrescentou Laura Cabrera, pesquisadora de Neuroética na Universidade de Penn State.

Outras preocupações colocam o lado comercial do projeto em xeque levantando perguntas ainda não respondidas pela empresa: se a Neuralink vier à falência por qualquer motivo, quem vai controlar os dados coletados pelos chips já implantados nos pacientes? Quem fica com as informações das atividades cerebrais caso a empresa seja comprada por alguma entidade estrangeira? Qual a durabilidade desses chips? A Neuralink cobrirá os custos de upgrades - mesmo para os pacientes em testes?

O cientista James Giordano, da Universidade Georgetown — disse que o uso do chip da Neuralink fora dos testes humanos, para fins comerciais, pode criar o que ele chamou de "mercado de turismo médico". A população vai competir pelo acesso globalizado à tecnologia, o que ampliará, o risco de má fiscalização e controle de qualidade.

Os cientistas ouvidos pelo Daily Beast levantaram ainda diversas preocupações como: e se hackers invadirem os cérebros, os vírus de computador passem a infectar os humanos através do chip ou ainda, se surgirem versões "piratas" do chip atraindo as pessoas quem não puderem pagar pelo produto original?

"O nosso cérebro é a nossa liberdade, o ponto mais primordial da nossa privacidade. Existe o risco de mal uso por corporações, por governos e por hackers. Quando você tem uma empresa como a Neuralink prometendo entrar em testes humanos, eu penso que isso deveria deixar o mundo em um estado de alerta, de que a hora para desenvolvermos conceitos mais robustos de liberdade cognitiva é agora", afirmou Nita Farahany, pesquisadora de tecnologias emergentes na Escola de Direito da Universidade de Duke.

Antes da publicação da reportagem, o "The Daily Beast" afirmou que enviou questionamentos à Neuralink, porém não obtiveram retorno.

Concorrência

Se engana quem pensa que Musk não tem concorrência nessa sua ideia. Empresas como Neurable e Synchron também vêm avançando nas pesquisas sobre a implantação de chips nos cérebros humanos, mas os especialistas notam que a Neuralink é a empresa que apresenta as maiores falhas no que tange aos esclarecimentos éticos do projeto.

"Com essas empresas e líderes de empresas eles meio que são 'apresentadores de um show. Eles fazem todas essas afirmações exageradas, hiperbólicas, e eu acho isso muito perigoso. Por que muita gente vai acreditar neles cegamente. As controvérsias de Musk, especificamente, fazem nós nos preocuparmos com suas outras afirmações. Eu sempre tenho cautela com as coisas que ele diz", disse Cabrera.

Polêmica anterior

O médico pioneiro da neurociência Miguel Nicolelis, que dirige um laboratório BCI na Duke University, recentemente fez duras críticas à Elon Musk e sua empresa Neuralink.

"Musk não entende nenhum pouco de neurociência e o que é o cérebro. Ele mal sabe onde está localizado. "[Musk] vende coisas que foram inventadas antes e tenta dizer que ele fez uma coisa incrível", disse Nicolelis ao Inverse .

"A Neuralink não fez nada que eu considere inovador. Acho um pouco ofensivo que esses caras de tecnologia que se comportam como deuses e saem dizendo: 'Oh, vamos fazer muito melhor'", acrescentou Nicolelis.

Em última análise, Nicolelis diz que a pior ofensa de Musk e Neuralink foi se concentrar em tecnologia e hardware antes de considerar se isso poderia prejudicar as pessoas que vão usar o chip - especialmente devido aos riscos da cirurgia cerebral invasiva necessária para instalá-lo.

"O que vejo é a maioria desses caras da tecnologia, indo lá e falando sobre tecnologia como se não houvesse um ser humano por trás do que será feito", finalizou.

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