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Natalia Pasternak: brasileira do "CSI de Carl Sagan" combaterá anticiência

Natália Pasternak, microbiologista e fundadora do Instituto Questão de Ciência Imagem: Paulo Vitale/ICQ

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

27/10/2020 04h00

Natalia Pasternak leu pela primeira vez, ainda na adolescência, o livro "O mundo assombrado pelos demônios" de Carl Sagan, de 1995. Aquele manifesto cético em defesa da ciência contra a ufologia, a astrologia e outras crenças populares a motivou a percorrer uma carreira na área.

Ela só não imaginava que 25 anos após a publicação do livro seria a primeira brasileira a fazer parte do Comitê para Investigação Cética (Committee for Skeptical Inquiry, ou CSI, na sigla em inglês), um grupo criado pelo próprio Sagan nos Estados Unidos em 1976 e que hoje conta com nomes como Richard Dawkins e Neil deGrasse Tyson.

Se você lembrou da série de TV policial "CSI", a ideia é parecida mas não é sobre crimes, claro. O comitê fundado por Sagan, Isaac Asimov, e outros divulgadores de ciência tem como foco investigar e desvendar mistérios da vida real. Mas nos casos estudados pelo grupo, a resposta quase sempre envolve explicações científicas.

A microbiologista entra para o coletivo com uma missão um pouco mais complicada que a dos membros fundadores. "É muito mais difícil combater pseudociência quando ela é institucionalizada como hoje e vira política pública", diz, em entrevista a Tilt.

Entortando garfos

Pasternak assume o posto no CSI apenas dias após a morte de outro membro fundador, o canadense James Randi. O ex-ilusionista, que largou a carreira nos palcos para desmascarar supostos paranormais como Uri Geller, o israelense que dizia ter o dom de entortar garfos e colheres com o poder da mente, morreu aos 92 anos na última quarta-feira (21).

"Uma coisa é você mostrar que o charlatão está fingindo que entorta garfos com o poder da mente, quando qualquer mágico sabe o que ele está fazendo de verdade. Outra coisa é você brigar com o governo federal e o Ministério da Saúde porque eles estão autorizando o uso de água para curar doenças", afirma Pasternak.

A microbiologista passou a trabalhar lado a lado com o CSI em 2018 na fundação do Instituto Questão de Ciência (IQC) —organização que, como o comitê americano, trabalha em defesa do pensamento científico no Brasil.

O primeiro alvo do IQC foi a homeopatia, terapia alternativa que usa insumos naturais e não tem eficácia comprovada pela ciência. Em 2019, o grupo reuniu cientistas estrangeiros que conseguiram "eliminar" a prática no sistema de saúde de seus países para propor maneiras de fazer o mesmo no Brasil.

Pasternak lamenta que, até hoje, a homeopatia não só seja reconhecida oficialmente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como seja alvo de discussões sobre "quais médicos" podem ou não usar a terapia em seus tratamentos. "Isso não é ciência, é corporativismo", diz.

Após a pandemia de covid-19, Pasternak concentrou seus esforços em combater o movimento antivacina e as campanhas por curas milagrosas sem comprovação científica —muitas delas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, como o uso da hidroxicloroquina contra pacientes afetados pelo coronavírus.

Segundo Pasternak, o combate à "pseudociência institucional" demanda um trabalho de educação da população de longa duração. "Quando vemos que o CSI faz isso há quase 50 anos e ainda tem gente que acredita nesses falsos profetas, vemos como é difícil", comenta.

Tem lado bom?

Mas embora os charlatães e pseudocientistas tenham ampliado suas vozes, a crise da covid-19 trouxe à divulgação científica um novo brilho, principalmente nas redes sociais. É o que indica a adesão de Pasternak ao CSI e o sucesso que o biólogo, pesquisador e youtuber Átila Iamarino faz na internet, por exemplo.

Ela pede cautela com esse oba-oba em cima dos cientistas pop. "As pessoas nunca se interessaram tanto por ciência quanto se interessam agora. O perigo é que isso pode ser facilmente deturpado pela pseudociência", diz ela.

A microbiologista lembra o caso da fosfoetanolamina sintética, substância que ficou conhecida como "pílula do câncer" e que, mesmo sem eficácia comprovada, virou polêmica e ganhou defensores Brasil afora —entre eles o então deputado federal Jair Bolsonaro, autor do projeto de lei que autorizou a venda da substância em 2015.

Outros fiéis defensores da fosfoetanolamina eram pacientes com câncer que diziam ter melhorado graças ao medicamento "descoberto" pelo professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo em São Carlos (SP), Gilberto Orivaldo Chierice, que morreu em 2019 aos 75 anos.

"Eu lembro, na época, que um jornalista me falou que ficou impressionado com como as pessoas da cidade de São Carlos defenderam a 'ciência' e o 'cientista' que 'descobriu a cura do câncer'", diz Pasternak. "É muito fácil as pessoas se interessarem por ciência, o difícil é dar ferramentas para que elas compreendam o que é ciência e o que não é."

O segredo, segundo ela, é combinar um trabalho de popularização da ciência, como feito por Átila e outros influenciadores, com o de defesa do pensamento cético, que é o que ela e o CSI fazem. Mas este é um trabalho de longo prazo. No curto prazo, ela não vê saída para combater a pseudociência institucional que não envolva o fim da era Bolsonaro no poder. "Esse governo não é capaz e não tem vontade política para fazer mudanças", opina.

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