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OPINIÃO

Disaster Report 4 ressuscita a franquia de catástrofes em tempos difíceis

Makson Lima

Colaboração para o START

19/04/2020 04h00

A franquia Disaster Report (Zettai Zetsumei Toshi no original em japonês, algo como "A Cidade em Estado de Desespero", em tradução livre) nunca alcançou a fama merecida. Nascida no PS2, antecede a explosão dos jogos de sobrevivência e coloca suas protagonistas em meio a todo tipo de desastre natural e suas consequências numa cidade grande. Terremotos, maremotos, incêndios, enchentes e a ganância e mesquinharia dos sobreviventes são elementos-chave de todos os jogos, e o quarto, recém-chegado ao PS4, PC e Swith, serve como uma espécie de amalgamado de catástrofes e de diversas características de seus antecessores.

Summer Memories quase não viu a luz do dia: previsto originalmente para chegar ao PS3 em 2011, estava praticamente pronto e foi cancelado após o tsunami provocar o acidente nuclear em Fukushima. A desenvolvedora, Irem, colocou o projeto na geladeira e abandonou o mercado de videogames alguns anos depois, se dedicando ao pachinko. Como sarcasmo pouco é bobagem, Disaster Report 4 chega ao ocidente em meio a uma pandemia de escala global.

Kazuma Kujo, um gênio incompreendido

Disaster Report é daqueles jogos que promovem revoluções tímidas, silenciosas. Assim como aconteceu com Mizzurna Falls ou Clock Tower, antecedeu gêneros inteiros, incompreendido e erroneamente comparado a outros lançamentos de sua época. Kazuma Kujo, o desenvolvedor e criador da franquia, cuja carreira data de tempos de Nazca e seu seminal Metal Slug, sempre esteve disposto a seguir pela contramão. Foi assim com Disaster Report, foi assim com Steambot Chronicles e, agora, com sua própria desenvolvedora, Granzella, Kujo adquire os direitos por sua franquia melhor estabelecida e traz, em parceria com a NIS America, Summer Memories ao ocidente.

Disaster Report (que viu a luz do dia também na Europa, intitulado SOS The Final Escape, com localização da sempre tumultuada Agetec), elencou personagens espelhados em pessoas comuns, com limitações e defeitos. Necessidades fisiológicas, como fome e sede, são devidamente consideradas enquanto arranha-céus despencam e o concreto armado se parte. Na continuação, também de PS2, até hipotermia é levada em consideração, pois lidamos com frio e alagamento.

Disaster alagamento - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Tomadas de decisão permeiam a partida e vão de um extremo a outro: é possível encarnar um verdadeiro crápula imoral, enquanto o contrário também é válido, pois praticar o altruísmo em tempos extremos, mesmo que de forma virtual e fictícia, pode acalentar o coração. Sendo assim, jogar e jogar de novo, interagindo das mais diversas formas com os sobreviventes, faz parte do pacote.

Poucos trilharam o mesmo caminho, e mesmo com a recente popularidade de jogos como Don't Starve, The Forest ou DayZ, não há nada que possa ser comparado efetivamente a Disaster Report. Até mesmo City Shrouded in Shadow, considerado pela própria Granzella como um sucessor de sua outra criação, está mais para Godzilla do que Inferno na Torre.

Era só mais um dia de verão...

Depois de moldar seu personagem, escolhendo dentre diversas características, como sexo e intento na cidade fictícia onde o jogo se passa, algumas pequenas decisões precisam ser tomadas para apontar o seu caráter: o ônibus está lotado e uma senhora está de pé, como você agirá? Tal mundano evento funciona como antecipação a catástrofe iminente: o terremoto de alta magnitude que dá início a Disaster Report 4.

Summer Memories pega emprestada a mecânica mais simplificada do estresse nascida no terceiro jogo (de PSP, e que nunca saiu do Japão). É acertada a decisão de não tornar tão claro o que faz o medidor de organismo subir: em casos mais óbvios, acontece mais rapidamente quando exploramos um prédio tombado em busca de sobreviventes. A barra roxa, de estresse, toma o lugar da verde, de vida, e necessidades básicas, como ir ao banheiro ou beber algo, entram na balança entre ambas.

Pessoas aglomeradas buscam sinal de celular, trocam informações entre si e, de súbito, um novo abalo faz a fachada da loja de conveniência cair

Disaster conversa - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

É impressionante como o jogo consegue assustar, e de forma nada convencional a um videogame. Pessoas aglomeradas buscam sinal de celular, trocam informações entre si e, de súbito, um novo abalo faz a fachada da loja de conveniência cair. Não há espaço para o gráfico e explícito, e raramente há sangue, mas a ideia está toda lá, apesar de checkpoints generosos acabarem com o efeito da catástrofe pessoal a longo prazo.

Estruturalmente, Summer Memories é dividido em dias e é preciso realizar pequenas missões implícitas em cada trecho para seguir adiante. Nem sempre fica claro como dar continuidade a busca da personagem, que, até então, precisaria chegar até uma entrevista de emprego ou a um parque. Após a catástrofe, a prioridade é se manter vivo e fugir da cidade, ajudando, ou não, as pessoas encontradas pelo caminho.

Decisões em meio a ruínas

Summer Memories é bastante estranho e até mesmo exótico, tanto na forma como cria seus personagens (sendo homem ou mulher, é possível flertar com quase todo mundo, e o resultado vai do absolutamente constrangedor ao hilário), como nas situações apresentadas. Num dos momentos mais inspirados da narrativa, o clássico Romeu e Julieta serve de base para colocar duas vizinhanças em guerra, mesmo no coração da catástrofe. O que me leva a questionar o porquê de haver tantas peças de roupa pelo caminho, já que vestir o que e quando não faz a menor diferença - e ocupam lugar valioso na mochila!

O pior do ser humano vem à tona durante momentos de crise: crimes, xenofobia, exploração, humilhação e depravação. Mas é possível servir ao altruísmo, ajudando uma machucada senhora a chegar até o hospital, por exemplo. Ainda no caso da senhora, beira o inacreditável como o jogo consegue introduzir elementos de plataforma enquanto carregamos a mulher nas costas. Ao mesmo tempo que pede para não ser levado a sério, há uma mensagem poderosa ali e que pode soar um tanto artificial, afinal, Summer Memories não é tecnicamente primoroso, muito pelo contrário: trata-se de um jogo de PS3 atualizado para plataformas mais recentes.

Disaster Report 4: Summer Memories não está preocupado com simulação ou realismo, mas sim em estimular e instigar as mais conflitantes emoções em quem segura o controle

Disaster final - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Assim como aconteceu com os primórdios da franquia num distante 2002, Disaster Report 4: Summer Memories não está preocupado com simulação ou realismo, mas sim em estimular e instigar as mais conflitantes emoções em quem segura o controle, posto diante de catástrofes tão comuns em algumas desditosas regiões do planeta. Diante o poder de um terremoto, a pirâmide da desigualdade social rui por completo. O peso de uma decisão pode reverberar para muito além dos domínios do videogame, e em tempos difíceis e de isolamento, é até mesmo capaz de oferecer autodescobrimento ou autoaceitação. E pensar que tudo começou com a escolha de oferecer ou não seu lugar a senhora idosa no transporte público?

Lançamento: 07/04/2020
Plataforma: PS4, PC (via Steam) e Switch
Preço sugerido: R$ 109,99
Classificação indicativa: 18 anos (Violência, Atos Criminosos, Temas Sensíveis, Linguagem Imprópria, Conteúdo Sexual, Drogas Lícitas)
Desenvolvimento: Granzella Inc.
Publicação: NIS America
Jogue também: I Am Alive, City Shrouded in Shadow, Earth Defense Force

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