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'Viver no Brasil é um ato revolucionário', diz Wagner Moura sobre 'Marighella'

Wagner Moura por Bob Wolfenson - Bob Wolfenson/Divulgação
Wagner Moura por Bob Wolfenson Imagem: Bob Wolfenson/Divulgação

Nayara Batschke

Em São Paulo

01/11/2021 21h34

"Viver no Brasil é um ato revolucionário", segundo o ator Wagner Moura, que estreia como diretor em "Marighella", filme que chega aos cinemas em 4 de novembro após dois anos de atraso devido, conforme o artista de 45 anos denunciou, à "censura" do governo do presidente Jair Bolsonaro.

Depois de dar vida a personagens emblemáticos, como o traficante Pablo Escobar, na série "Narcos", e Capitão Nascimento, em "Tropa de Elite", vencedor do Urso de Ouro em 2008, Moura agora dirige a história do político e revolucionário Carlos Marighella, um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.

Mas o caminho para as telonas foi marcado pela censura e ameaças - "tão características do fascismo", segundo o ator e diretor - de militantes radicais e da família presidencial.

"É um filme que foi atacado desde o início. Desde quando surgiu a ideia de fazê-lo, passando pelo financiamento, as filmagens e, depois, no primeiro ano do governo Bolsonaro, porque foi impedido de ser lançado", explicou Moura em São Paulo.

"Marighella" estreou no Festival de Berlim em fevereiro de 2019, e o lançamento no Brasil estava previsto para o final do mesmo ano, mas uma série de divergências com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) causou um atraso de mais de dois anos.

"Não tenho dúvidas de que 'Marighella' foi censurado, foi em um momento em que Bolsonaro falava abertamente em colocar filtros na Ancine. Os filhos de Bolsonaro foram imediatamente ao Twitter para celebrar as negativas da Ancine" sobre a estreia, comentou.

Wagner Moura é categórico ao afirmar que seu filme de estreia como diretor "não é sobre aqueles que resistiram à ditadura militar", mas sobre "aqueles que resistem agora a este governo trágico".

"Você não é obrigado a gostar de Marighella. Pode discordar, argumentar, vamos debater. Mas a interdição é uma característica do fascismo, que é este governo", analisou.

Em mais de duas horas e meia, o filme, com pré-estreias em cinemas de todo o Brasil a partir desta segunda-feira, narra os últimos cinco anos da vida de Marighella, desde 1964, quando os militares tomaram o poder em golpe de Estado, até a sua morte violenta durante uma emboscada em 4 de novembro de 1969.

Para Moura, o paralelo entre o Brasil militar de cinco décadas atrás e o de hoje é "bastante evidente".

"Foi aberta a porta para o autoritarismo, a violência e o racismo. Quando há uma pessoa na presidência da República que é abertamente autoritária, nostálgica da ditadura militar ou que tem torturadores como heróis, é óbvio que a história de Marighella é um problema para eles", argumentou.

Por outro lado, Moura afirma que nunca teve medo. Nem diante da censura, nem em meio campanhas virtuais contra ele, nem quando militantes pró-Bolsonaro ameaçaram invadir o estúdio de gravação.

"Eles são muito frágeis. Em todos os sentidos, intelectualmente, eles são também muito covardes. E a força moral da história de Marighella e da nossa história supera estas pessoas. Portanto, não, não tenho medo", frisou.

Não participar ao confrontar esta política de "destruição" não seria "coerente" com o atual "momento de luta pelos direitos e pela democracia" e, sobretudo, com a própria história de Marighella, segundo o diretor.

"Em meio a tanta violência, também estamos recebendo muito amor", enfatizou.

Para Moura, viver no Brasil, um país afetado pela fome, com histórica perseguição das minorias e mais de 600 mil mortos por causa da covid-19, é "um ato revolucionário".

"Os artistas têm sido atacados de uma forma muito cruel desde o início deste governo, mas isso é característico do fascismo. Assim como os ataques ao jornalismo, a tudo o que se refere ao pensamento crítico, às universidades, à ciência", acusou.

Sobre as controvérsias em torno do personagem que escolheu retratar no cinema, Moura argumenta que Marighella só é "polêmico" para as pessoas que "se opuseram à luta dos brasileiros contra um regime opressor".

"Marighella é um personagem do seu tempo. Quem não faz parte do seu tempo é Bolsonaro. Bolsonaro é um personagem anacrônico", concluiu.