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OPINIÃO

Molejo pôs o suingue na caçamba sem cair na cilada do pagodão romântico

Grupo Molejo na década de 1990 Imagem: Reprodução/Internet

Do UOL, em São Paulo

26/04/2024 16h33

Quando os anos 1980 morriam e uma nova década começava, a fronteira entre o que era novo e velho era confusa. Os bailes das periferias ainda eram abalados pelo balanço negro, agora conectado ao hip hop, mas ainda havia uma lacuna que era ocupada pelos românticos.

O soul se esvaziava no pop diluído de Sullivan e Massadas, e o sertanejo conquistava uma fatia específica de um público que não se aventurava pelas noites blacks brasileiras.

Havia uma necessidade de conexão entre a turma do Partido Alto, quase toda oriunda da conexão Cacique de Ramos/Fundo de Quintal, e as gravações românticas. O samba de rádio era paulistano demais no começo dos anos 1990. Grupos como o Raça Negra equilibravam a química no samba entre a balada chorosa e o balanço, mas cadê a tradição carioca nessa conta?

Os méritos de o pagode romântico paulista encontrar o balanço do Rio são de uma cultura de periferia sedimentada por duas rádios de baixo alcance da região metropolitana de São Paulo, a Transcontinental de Mogi das Cruzes e a 105FM, de Jundiaí, que divulgavam grupos de gravadoras pequenas (como Zimbabwe, de Negritude Jr.) ou que só eram conhecidos das festas das equipes de som.

Foram essas rádios que fizeram do Molejo o elo perdido entre Originais do Samba, Bebeto e a turma suingada da periferia de São Paulo. Com o grupo de Anderson, era possível abraçar o ritmo com irreverência, sem choro. Era possível sambar sem se lamentar novamente.

"Caçamba", o hit de 1993, plantou a semente e estimulou genéricos, como Cravo e Canela (de "Lá Vem o Negão"). Claro que naquele ano já havia uma avalanche de grupos de samba populares o suficiente para lotar a Banheira do Gugu, mas o Molejo tinha um tempero diferente dos que vieram antes (olha o Raça Negra aí de novo), durante (o contemporâneo mineiro Só Pra Contrariar) ou depois (a profusão de bandas de um hit só do final dos 1990).

Anderson Leonardo, vocalista do Molejo, "enfrenta" Solange Gomes na Banheira do Gugu Imagem: Reprodução/SBT

O balanço do Molejo permeou a produção posterior até daqueles que já experimentavam o sucesso. Alexandre Pires certamente teria menos coragem de fazer de "Sai da Minha Aba" o hit de abertura do álbum de 1999. E "Cilada" virou um hino tão universal quanto "Evidências".

Daria para empilhar os filhotes dessa turma do Meier —e não ficaria só restrito ao samba e ao balanço. O bom humor do Molejo, no entanto, fez sobreviver o suingue sem jamais cair na cilada de querer ser o romântico que nunca foi. Pode botar mais isso na caçamba.

Anderson Leonardo, do Molejo, morreu hoje, aos 51 anos, em decorrência de um câncer. "[Ele] será sempre lembrado por toda família, amigos e sua imensa legião de fãs, por sua genialidade, força e pelo amor aos palcos e ao Molejo. Sua presença e alegria era uma luz que iluminava a vida de todos ao seu redor, e sua falta será profundamente sentida e jamais esquecida, nós te amamos", publicou o grupo no Instagram.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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