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Autora foi estuprada e homem inocente acabou preso: o caso Alice Sebold

A escritora Alice Sebold - Reprodução/Youtube
A escritora Alice Sebold Imagem: Reprodução/Youtube

Ane Cristina

De Splash, em São Paulo

27/11/2021 15h12Atualizada em 27/11/2021 16h50

Em "Lucky", livro de estreia da escritora Alice Sebold, ela conta a experiência traumática de ter sido violentamente espancada e estuprada em 1981, aos 17 anos, no campus da Universidade de Syracuse, onde estudava.

Foi anunciada uma adaptação cinematográfica da obra em 2019, que teria como protagonista a atriz Victoria Pedretti, famosa por "A Maldição da Mansão Bly" e "You", ambas da Netflix.

"Com a intenção de colocar seu estuprador atrás das grades, Alice está igualmente determinada a recuperar alguma aparência de uma vida normal. Recusando-se a permitir que seu estuprador tire sua chance de ter educação e um futuro, Alice consegue recuperar sua sexualidade, seu senso de identidade e, finalmente, sua voz", diz a descrição da produção.

Não seria a primeira vez que uma obra de Sebold se tornaria filme. Ela voltou a escrever sobre agressão sexual em "The Lovely Bones" ("Um olhar do Paraíso", no Brasil), que ganhou uma versão cinematográfica estrelada por Saoirse Ronan em 2009.

Susie (Saoirse Ronan), estuprada e morta, observa seus pais de um lugar diferente em ''Um Olhar do Paraíso'' - Reprodução - Reprodução
Susie (Saoirse Ronan), estuprada e morta, observa seus pais de um lugar diferente em ''Um Olhar do Paraíso''
Imagem: Reprodução

No entanto, quando o filme começou a ser produzido no início deste ano, Timothy Mucciante, produtor executivo da adaptação, percebeu discrepâncias entre as memórias de Alice e o roteiro.

"Comecei a ter algumas dúvidas, não sobre a história que Alice contou sobre sua agressão, que foi trágica, mas sobre o julgamento na segunda parte do livro, que não fazia sentido", disse Mucciante em entrevista ao "The New York Times".

Investigação

Em junho, Mucciante acabou deixando a produção devido ao seu ceticismo sobre o caso e como estava sendo retratado. Ele contratou um detetive particular para investigar o caso, que se convenceu que Anthony J. Broadwater, homem condenado pelo estupro de Sebold — que ficou 16 anos na prisão — era inocente.

Broadwater nunca assumiu a culpa pelo estupro de Sebold. No fatídico dia, ninguém foi encontrado nas redondezas do local do crime. Como de praxe, a vítima descreveu as características de seu agressor para a polícia, mas o resultado do retrato falado não se parecia com o do condenado pelo crime.

Broadwater foi preso cinco meses depois, depois que Sebold passou por ele na rua e contatou a polícia, dizendo que ela teria visto seu agressor.

Inocentado

Anthony J. Broadwater em entrevista ao portal "syracuse.com" - Reprodução/Youtube - Reprodução/Youtube
Anthony J. Broadwater em entrevista ao portal "syracuse.com"
Imagem: Reprodução/Youtube

Na última segunda-feira (22), Broadwater foi inocentado pelo juiz da Suprema Corte Estadual, que anulou as condenações de estupro em primeiro grau e cinco acusações relacionadas. Ele não será mais classificado como agressor sexual.

A defesa argumentou que o caso se baseou exclusivamente na identificação de Sebold e de Broadwater no tribunal e em um método ultrapassado de análise microscópica do cabelo.

A moção para anular a condenação foi feita pelo promotor público do condado de Onondaga, William J. Fitzpatrick, que observou que as identificações de testemunhas de estranhos, especialmente aquelas que cruzam as linhas raciais, muitas vezes não são confiáveis. Alice Sebold é branca e o Anthony J. Broadwater é negro.

"Não vou manchar este processo dizendo 'sinto muito'. Isso não resolve. Isso nunca deveria ter acontecido", disse o promotor Fitzpatrick no tribunal na segunda-feira.

Broadwater, hoje com 61 anos, relembrou em entrevista ao "The New York Times" os anos de estigma e isolamento que viveu por ter sido enquadrado como agressor sexual. Ele tinha 20 anos quando foi preso.

"Posso contar nos dedos das mãos as pessoas que me permitiram entrar em suas casas. Isso é muito traumático".

Após sua libertação, em 1998, ele se casou, mas não teve filhos. Broadwater sentiu que as crianças não poderiam lidar com o estigma da sua condenação.

"Só espero e rezo para que a Sra. Sebold venha e diga: 'Ei, cometi um erro grave' e me peça desculpas", disse Broadwater. "Eu simpatizo com ela. Mas ela estava errada".

Ao "The New York Times", o porta-voz da editora de "Lucky" afirmou que Alice Sebold não tinha comentários sobre a decisão. A editora não tem planos de atualizar o livro.