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Perfis de fofoca no Instagram faturam alto com fake news e cancelamento

Perfis de fofoca no Instagram faturam alto cancelando famosos e criando celebridades - Arte UOL
Perfis de fofoca no Instagram faturam alto cancelando famosos e criando celebridades
Imagem: Arte UOL

Daniel Palomares

de Splash, em São Paulo

28/07/2021 04h00

"É uma fábrica da fama." Assim a influenciadora Polly Oliveira define perfis de fofoca no Instagram que, segundo ela, cobram para falar bem dos famosos. "Você paga, e o conteúdo é distribuído em várias páginas, como se fosse algo orgânico. Eles conseguem definir quem vai virar assunto na internet", revela Polly.

Ela afirma que já pagou para ter conteúdos seus veiculados nos tais perfis, mas percebeu que a situação tinha saído do controle quando chegaram a cobrar dela mais de R$ 10 mil por um único post.

De acordo com a influenciadora, os valores variam. O perfil "Gossip do Dia" cobra R$ 950 por um post que permaneça uma semana no feed do Instagram —depois de cumprir o período estipulado com os famosos, é comum que as páginas retirem o conteúdo do ar.

No perfil "Garoto do Blog", o valor é de R$ 750 pelos mesmos sete dias no ar. "O 'Alfinetei' chegou a me cobrar R$ 16 mil para que uma postagem ficasse três dias no perfil. Quem paga mais tem mais visibilidade", afirma Polly.

A máfia dos perfis de fofoca, que acumulam centenas de milhões de seguidores, foi revelada no início do mês pelo jornalista Leo Dias, do site "Metrópoles".

Além de falar bem das celebridades que pagam por seus serviços, esses perfis também recebem para prejudicar pessoas. São pagos para falar mal ou fazer com que um famoso seja cancelado. O funcionamento é o mesmo: por meio de disparos coordenados, divulgam conteúdo —que muitas vezes é falso— alvejando uma mesma celebridade e levando o leitor a acreditar que aquilo é verdade.

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Lívia Andrade acionou advogados contra mentiras espalhadas nos perfis de fofoca
Imagem: Reprodução/Instagram

A apresentadora Livia Andrade foi alvo dos perfis de fofoca. No fim do ano passado, foi acusada por Pétala Barreiros, ex-mulher de seu então namorado, Marcos Araújo, de estar com um par de tênis que pertencia a ela. A confusão foi impulsionada incessantemente pelas páginas no Instagram.

"Fui completamente ignorada em minhas tentativas de ser ouvida, e as postagens continuaram com mais mentiras absurdas. Fui acusada de ter sido amante dele e de ter prejudicado uma mulher com filho recém-nascido. Eu era a pessoa mais odiada do Brasil naquele momento!", lembra.

Ela diz que o assunto virou caso de polícia e que precisou acionar advogados para que os perfis parassem. Conta, ainda, que já recebeu inúmeras propostas dos tais perfis do Instagram para divulgar conteúdo deles em troca de posts elogiosos sobre ela, mas nunca aceitou. Por isso, teria entrado na lista de celebridades boicotadas pelos perfis.

"Acho nojento pagar para tentar destruir a vida ou a carreira de alguém. É monstruoso. Mas acredito que, se eu não fizer nada, vou permitir que façam amanhã com os outros. Destroem pessoas e, se algo acontecer, só desativam o Instagram. Eles não têm o que temer, não tem um responsável por seus atos", reclama ela, já que as postagens são todas anônimas.

Para o leitor que consome as publicações, o prejuízo é igualmente grande. Muita gente segue os perfis acreditando que eles produzem conteúdo jornalístico e confiável. Quando na realidade eles veiculam material vendido e sem avisar isso ao leitor.

"Em tese, essa prática é inaceitável em todos os sentidos", diz Eugênio Bucci, professor titular da ECA -USP. "Isso tapeia as pessoas e é a consagração da tirania do poder econômico no debate público. Não importa quanto dinheiro foi, a informação e a opinião não podem ser compradas. O que eles fazem não é jornalismo, é uma forma rebaixada de propaganda", reforça.

Quem está por trás?

Todos os perfis denunciados à reportagem fazem parte da Banca Digital, iniciativa criada pela Mynd, empresa de marketing de influência. A Banca é liderada por Murilo Henare e reúne cerca de 30 dos maiores perfis de fofoca e entretenimento do Instagram —a princípio, a ideia era que eles se conectassem a marcas e empresas para ações comerciais.

Desde que as denúncias surgiram, Henare sumiu completamente das redes sociais e, procurado por Splash, se pronunciou por meio de nota e informou a criação de um comitê de regulamentação. "O conselho terá papel fundamental nessa implementação de regras de ética e legislação dentro de nossa empresa, para que o mercado entenda essa profissionalização dos perfis como futuros veículos de comunicação".

Aos 24 anos, Henare construiu um império. Hoje, de acordo com reportagem da revista "Piauí", vive em um imóvel de 490 m² avaliado em R$ 6 milhões no coração da avenida Paulista. Antes de abandonar o Instagram, adorava compartilhar suas viagens por Nova York, Los Angeles, Maldivas e Dubai, onde comprava roupas de grifes, como Balenciaga e Versace, e bancava jantares de até R$ 11 mil.

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Murilo Henare, coordenador da Banca Digital, sumiu das redes após denúncias
Imagem: Instagram

Natural de São Mateus, bairro da zona leste de São Paulo, Murilo começou a trabalhar na adolescência. Passou por lanchonetes, lojas de roupas e pelos Correios. Foi graças às redes sociais que transformou sua história.

De um perfil de sucesso no Twitter, migrou para o Instagram. A conta @MigaSuaLoca, administrada por ele, acumulou 1 milhão de seguidores em apenas quatro meses no ar. Chamou a atenção de artistas e empresas que viram a possibilidade de divulgação no perfil, e foi assim que Murilo começou a faturar alto.

Procurou a agência Mynd em 2019 para a criação do que seria a Banca Digital. Marcas e campanhas poderiam contratar os perfis reunidos na Banca para promover produtos e novos trabalhos. Ao mesmo tempo, todas as contas publicariam o tal conteúdo, dando a impressão de que aquele era o tópico do momento.

Ações como essa podem custar de R$ 20 mil até R$ 300 mil, dependendo do alcance dos posts e dos stories. E rendem até R$ 120 mil mensais para cada um dos perfis. Uma fonte que não quis se identificar teve acesso aos valores cobrados pela Banca Digital e revela números ainda maiores. "Para contratar todos os perfis da Banca para uma única ação, é desembolsado R$ 494 mil para um post e três stories", conta.

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Fátima Pissara se tornou referência em ações de marketing de influência e fez a Mynd se tornar famosa no Twitter
Imagem: Divulgação

Enquanto isso, cada vez mais famosos e influenciadores decidem abrir o jogo sobre sua relação com essas páginas. E as acusações de fake news e posts manipulados começaram a se acumular, forçando a Banca Digital a assumir uma nova postura.

Fatima Pissarra, CEO da Mynd ao lado da sócia Preta Gil, afirma que desconhecia as práticas dos perfis da Banca Digital e reforça que a empresa não interfere no conteúdo editorial postado pelas contas. "Não temos relação com qualquer outra coisa que não seja especificamente a venda de publicidade", argumenta.

Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que o dinheiro pago para falar bem ou destruir um famoso não passaria pela agência. Seria depositado em contas pessoais de administradores das contas.

A Mynd —em seu trabalho com agência de marketing digital— conta com um repertório grande de artistas, como a cantora Luísa Sonza e os ex-BBBs Camilla de Lucas e Gil do Vigor. A agência faz a ponte entre famosos e marcas, recebendo uma porcentagem da negociação.

"Não interferimos na criação de seus conteúdos, mas é preciso que todos sigam e respeitem as normas. Estaremos atentos para combater qualquer tipo de injúria, preconceito e, até mesmo, a propagação de fake news nas plataformas digitais", reforça Fatima, que diz ainda estar apurando as denúncias para tomar as medidas cabíveis.

Castelo de mentiras

Com o estouro do "BBB 21", muitos perfis de fofoca conseguiram disparar no número de seguidores apostando na produção de conteúdo ligado ao programa.

Sarah Andrade, eliminada em 12º lugar da disputa, sentiu na pele a perseguição dos perfis de fofoca. Após ter sido cancelada por falas sobre a pandemia e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Sarah teve até uma foto sua editada com teor racista e postada no "Alfinetei".

"Quanto mais informações recebi aqui fora, mais entendi que fui vítima de algo maior. Enquanto estava confinada, rolou disparo de mensagens automáticas contra mim, sofri com fake news, manipulação de vídeos, falas, fotos editadas. Páginas alimentaram esse conteúdo falso, desproporcional e calunioso", revela.

Ao sair do programa, Sarah se retratou sobre as falas que geraram críticas, mas continuou a ser detonada. Perdeu mais de 1 milhão de seguidores. Mas conta que decidiu não seguir adiante com processos judiciais.

"Me calei muitas e muitas vezes, porque o medo daquilo continuar era maior. Quanto mais você se desculpa, mais os ataques aumentam. A ideia que esses portais passam é a de te destruir, te ver triste e reprimida. Você vira a vilã."

Felipe Neto também fala contra os perfis de fofoca. O "Alfinetei" compartilhou uma postagem no início do mês, dando a entender que o youtuber teria festejado ter ultrapassado o número de inscritos de Whindersson Nunes no site. O que não era verdade.

"Minha paciência com essa gente acabou. Eles se protegem, se falam e são poucos donos. Mentem sobre mim, atacam, debocham e jogam o público do Instagram contra mim há anos", reclamou Felipe, nos Stories. "Vocês, perfis de fofoca, vendem opinião. Ganham dinheiro de celebridades para não falar mal de alguém, ocultam coisas ruins que a pessoa faz, criam post enaltecendo, inventando números. Vocês não são corajosos para colocar os posts no ar? Então não tenham vergonha de colocar suas caras no ar", disparou, diretamente ao "Alfinetei".

Somadas, as contas da Banca Digital acumulam 150 milhões de seguidores.

Nos comentários do post de Felipe, a atriz e influenciadora Kéfera também não escondeu o descontentamento, acusando os perfis de fofoca de inventarem mentiras e tentarem difamá-la.

"Já tentaram (e conseguiram) me prejudicar com posts sensacionalistas e com a única e exclusiva finalidade de gerar 'hate' [ódio] para mim. Fiquei sabendo o porquê do dono do perfil me odiar e fazer questão de me difamar através de terceiros. Ele mesmo nunca veio falar comigo. Essa 'opinião' impacta na nossa saúde mental e no que os outros pensam e falam sobre nós", disse a atriz.

Procurados, os administradores do "Alfinetei" não quiseram comentar.

A responsabilidade é de quem?

Polly Oliveira defende que o próprio Instagram deveria prestar mais atenção nos conteúdos que são veiculados na plataforma. O Conar (Conselho Regional de Autorregulamentação Publicitária) exige a identificação de peças publicitárias nas redes sociais. Mas e quando esse conteúdo vem disfarçado de jornalismo?

"É uma rede que fatura milhões. Famosos e marcas precisam se manter em evidência, procuram essas páginas para isso. Eu paguei para falarem de mim, mas poderia pagar para induzir outras opiniões. Essa questão é muito séria. Não me importo com quem paga para ter sua imagem divulgada, o problema é a falta de responsabilidade de filtrar esses conteúdos", pondera Polly.

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Polly Oliveira admite já ter pagado pra aparecer nos perfis de fofoca
Imagem: arquivo pessoal

Segundo apuração, o Instagram não obtém nenhum lucro diante de conteúdos comerciais postados pelos perfis de usuários. A transação acontece diretamente entre celebridades e marcas e deve ser notificada como branded content [conteúdo de marca], de acordo com as regras do Conar.

Quanto à veiculação de notícias falsas ou potencialmente nocivas, a plataforma segue as Diretrizes da Comunidade, que proíbem discurso de ódio e outras formas de discriminação. Além disso, age com relação a conteúdo falso, trabalhando em parceria com agências de checagem e alertando os usuários.

Os milhares de posts dos perfis de fofoca, incluindo os citados nesta reportagem, porém, não receberam nenhuma notificação nem aviso.

"A consequência é a corrosão da credibilidade da comunicação social. Hoje, existe uma campanha orientada pelo governo federal para bombardear a credibilidade da imprensa. No fim, uma opinião que se vende sempre recebe mais do que vale e entrega menos do que promete", alerta Eugênio.

"Precisamos responsabilizar essas pessoas. Isso não é jornalismo. Se a gente não tiver consciência e entender que tudo pode ser manipulado e que não existe a vida perfeita, todos perdem", conclui Polly.