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MG: Festival vê racismo de polícia em investigação sobre mural com pichação

Mural no centro de BH é alvo de investigação - Divulgação/CURA
Mural no centro de BH é alvo de investigação Imagem: Divulgação/CURA

Victoria Bechara

Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/02/2021 13h34

Quem passa próximo ao edifício Itamaraty, na região central de Belo Horizonte, tem a oportunidade de ver um mural de 1.892 m² — a maior empena de arte do país — que retrata uma mulher negra e seus dois filhos. A obra intitulada "Deus é Mãe" foi feita por Robinho Santana, de Diadema, em São Paulo, e está sendo alvo de um inquérito da Polícia Civil. Para o artista, há racismo na investigação.

O mural foi pintado durante a 5ª edição do CURA (Circuito Urbano de Arte), em setembro de 2020. Em dezembro, as curadoras do festival e alguns patrocinadores do evento foram chamados para depor na Delegacia de Crimes Contra o Meio Ambiente. A alegação é de que a obra seria criminosa por conter pichação.

A estética do picho está presente na moldura do painel e foi uma colaboração de outros artistas da cidade, Poter, Lmb, Bani, Tek e Zoto, a convite do CURA e de Robinho.

mural - Divulgação/Cufa - Divulgação/Cufa
Mural no centro de BH é alvo de investigação
Imagem: Divulgação/Cufa

"O festival é feito todo de forma legal, autorizada. Então ficamos bem surpresas, porque não tem crime nem da nossa parte e nem dos artistas", afirmou Priscila Amoni, uma das curadoras do festival. Segundo ela, a obra foi autorizada em várias instâncias, entre elas o condomínio do edifício Itamaraty e a Prefeitura de Belo Horizonte.

"O meu trabalho há anos fala sobre a representatividade negra. Eu consegui me reconhecer assim e acho importante que as pessoas que olham para as minhas obras se reconheçam também", conta Robinho Santana.

Sobre a acusação de racismo, ele pontua: "A pichação é um elemento vindo da periferia e feito majoritariamente por pessoas pretas. Não existe coincidência. Se fosse uma outra obra e a tipografia utilizada fosse outra, essa perseguição não existiria".

"Quem fez essa denúncia está definindo por ele mesmo o que é arte, o que é bonito e o que não é", completou.

Priscila Amoni compartilha da mesma opinião e afirma que a ação criminaliza a cultura periférica. "Não é coincidência que as obras menos aceitas por parte de alguns setores da sociedade sejam feitas por artistas negros ou indígenas. O CURA é um festival que trata de minorias, que é aliado dessas minorias e ajuda a ampliar vozes. Cada vez mais a gente vai atuar nesse sentido."

Na última quinta-feira (28), o advogado do CURA, Felipe Soares, entrou na Justiça para pedir a suspensão do inquérito. Ele afirma que nenhum crime foi cometido, já que havia autorização para que a obra fosse realizada. Segundo o advogado, se forem indiciados, os artistas e as curadoras do projeto poderiam pegar até 4 anos de prisão.

A Polícia Civil de Minas Gerais confirmou que o inquérito tramita na Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente, mas disse que a investigação está sob sigilo e não deu mais detalhes.

Soares, no entanto, diz que a ação menciona a pichação como um crime ambiental, mas que a polícia também fala em apologia ao crime e dano ao patrimônio.

"Há um certo preconceito nessa investigação. Em alguns relatórios que a polícia já produziu analisando a obra, o meio é visto como belo e a estética da pichação é vista como algo que degrada. Então tem um julgamento subjetivo aí sobre essa questão estética".

Não é a primeira vez que uma obra do CURA é alvo de questionamento. Um morador do condomínio Chiquito Lopes, também no centro de BH, entrou na Justiça para pedir o apagamento de um painel feito pela artista Criola em 2018, alegando que a obra tem "gosto duvidoso".

"Existem outras empenas lá, inclusive do festival, que também tem pichação. E as únicas que são perseguidas foram a minha e a da Criola, que tem pessoas pretas estampadas e foram feitas por artistas negros", diz Robinho. "Isso é uma fração do que acontece nas favelas. A galera silencia e criminaliza as pessoas simplesmente por causa da sua existência, então é importante que esse caso faça a gente olhar para o todo."