Thiago Stivaletti

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Opinião

'Justiça 2' mostra guerra do homem branco contra mulheres, pretos e pobres

Não é todo dia que uma série volta para a segunda temporada com um hiato de oito anos em relação à primeira. Mas quando a série em questão é "Justiça", a espera vale a pena. A trama criada por Manuela Dias, em 2016, foi sem dúvida a série mais interessante produzida no Brasil na última década.

Estamos falando de um dos raros roteiros produzidos no Brasil que ganhariam sinal verde até da HBO americana, conhecida por sua exigência de qualidade. "Justiça" trazia um belo conceito: quatro pessoas eram presas no mesmo dia no Recife e condenadas a sete anos de prisão.

A cada dia da semana, conhecíamos a história de um dos presos — Por que ele ou ela foi parar na cadeia? E como seria a sua vida ao sair dali sete anos depois?

Eram histórias fascinantes, como a do rapaz ciumento que matou a noiva (Jesuíta Barbosa), e ao sair da cadeia volta a criar estranhos laços com a mãe dela (Débora Bloch); a empregada doméstica que mata o cachorro do vizinho que mordeu seu filho (Adriana Esteves); e a do rapaz que comete eutanásia (Cauã Reymond) depois que sua noiva bailarina (Marjorie Estiano) é atropelada e perde todos os movimentos.

Há oito anos, o Globoplay acabava de ser lançado, e o público acompanhou "Justiça" sobretudo na TV aberta, na qual cada história ocupava um dia da semana. Mas não eram quatro histórias paralelas; os personagens se cruzavam, sendo que um personagem que brilhava numa das histórias aparecia como total coadjuvante em outra.

Nesta segunda temporada, acompanhamos quatro presos em Ceilândia, cidade do entorno de Brasília. Globoplay estreia quatro novos episódios toda quinta-feira, um de cada história. São três histórias bem fortes e uma de roteiro um pouco mais frágil.

Para contradizer o nome da série, três delas tratam de flagrantes casos de injustiça, em que os presos pegam sete anos de cadeia sem merecer. Em apenas uma, a prisão é mais do que justa.

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Imagem: Arte UOL
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Nos primeiros episódios de cada leva, conhecemos Baltazar (Juan Paiva, o João Pedro de "Renascer"), motoboy que trabalha há anos contratado de um restaurante. Quando o genro do dono assume o negócio, todos os funcionários que recebiam por CLT passam a ser autônomos, ou "empreendedores", na linguagem suave do patrão. Baltazar entra em conflito com o novo chefe e é acusado injustamente de um assalto ao restaurante.

A segunda história acompanha Jayme, poderoso dono de um supermercado que estuprou por dois anos a própria sobrinha, Carolina (Alice Wegmann), quando ela era menor de idade. Depois de muitos anos, ela decide acusar o tio e apresentar provas à polícia. Mas o tio sempre sustentou a família toda, incluindo a mãe de Carolina (Julia Lemmertz), e não vai ser fácil se livrar dele mesmo depois dos sete anos de cadeia.

A terceira trama, a mais fraca desse lote, acompanha o conflito entre uma manicure, Jeiza (Belize Pombal) e um playboy que se muda para a vizinhança botando um som alto ininterrupto. Ela acaba matando-o em legítima defesa e vai presa. Ao sair da cadeia, descobre que a filha, para sobreviver, envolveu-se num esquema de laranjas e corrupção.

Por fim, a última história é de Milena (Nanda Costa), uma arrombadora de cofres que sonha em ser cantora. Ao se envolver num assalto, ela acaba acusada de matar um rapaz que tinha ligações escusas com a poderosa Jordana (Paolla Oliveira), dona de uma gravadora. Ao sair da cadeia, Milena não busca vingança, mas quer se aproveitar do poder de Jordana para conseguir o que quer. Uma inusitada atração começa a rolar entre elas, mas o marido de Jordana, Egisto (Marcello Novaes) não vai deixar barato.

"Justiça 2", como está sendo chamada, não é uma série leve para relaxar depois do trabalho. Todas as histórias envolvem dramas pesados e cenas de violência que demandam um certo preparo emocional do espectador. Mas entrega o que promete: ótimos personagens em grandes atuações, um sentimento de angústia difuso por todas as injustiças cometidas, e acima de tudo uma visão aguda sobre o caldeirão infernal de desigualdades e injustiças sociais do país.

Entre precarização do trabalho, corrupção, relações de violência dentro da família e racismo, muitos dos nossos problemas sociais estão radiografados ali. Por cima de todos eles, há sempre o homem branco, fazendo de tudo para manter o seu poder, aliando-se aos deputados e senadores de Brasília e puxando o tapete de mulheres, pretos e pobres.

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Como antídoto para essa porrada toda, há só o alívio cômico de Kellen (Leandra Leal), a única personagem que retornou da primeira temporada, dona de uma agência de garotas de programa que enfrenta os machos sempre com cabeça erguida e muito humor.

"JUSTIÇA 2"
Novos episódios toda quinta-feira no Globoplay

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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