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Página Cinco

REPORTAGEM

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A vida de Dante Alighieri e os caminhos para encarar 'A Divina Comédia'

Colunista do UOL

04/03/2022 04h00Atualizada em 04/03/2022 10h51

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Na 114ª edição do podcast da Página Cinco:

- Papo sobre Dante Alighieri, autor de "A Divina Comédia", com Hilário Franco Júnior, autor de "Dante - O Poeta do Absoluto" (Ateliê Editorial) e de "Em Busca do Paraíso Perdido: As Utopias Medievais" (Ateliê Editorial/ Mnema).

Destaques do papo com o Hilário:

Dante enciclopédico

Dante é um desses grandes nomes que todo mundo já ouviu falar, de uma maneira ou de outra... Dante é uma presença universal. O curioso nisso é que Dante não é um autor fácil. Era um homem de uma época que tinha uma tendência enciclopédica. Era um momento da história em que estava na moda, digamos assim, as grandes sínteses do conhecimento... O Dante também é um enciclopedista, um homem que vai tocar em diferentes obras e em diferentes pontos do conhecimento da época.

Leitores de hoje e o contexto histórico

Quando ele faz essa grande síntese, pressupõe que está falando com um público que conhece pelo menos parcialmente aquilo que ele está discutindo. Não se pode, evidentemente, exigir que os leitores do Dante hoje conheçam todas as referências, citações, alusões que ele faz.

Florença, mãe injusta

Se Dante tivesse levado uma vida pacata, de um cidadão médio que nasceu, viveu e morreu em Florença, envolvido nas questões políticas que ele aparentemente gostava, possivelmente aquele homem brilhante, inteligente, erudito, teria escrito metade das coisas que ele escreveu ou não teria escrito com o brilhantismo que ele escreveu. É justamente essa situação do florentino que é expulso de Florença, dessa "mãe injusta", como ele vai dizer, que ajuda a explicar muita coisa da obra do Dante.

Utopias

As utopias, independente da época e do local, manifestam necessidades que, mais do que históricas, são necessidades antropológicas, psicológicas, coisas que o ser humano sempre desejou, sempre sonhou, ainda que raramente tivesse condições de concretizá-las.

Choques de utopias

A Utopia, como conceito, é o singular. Mas, historicamente falando, são utopias, no plural. E com as concorrências entre elas, com os choques entre elas. Uma prevalece num momento, outra prevalece em outro momento.

Almas atormentadas

São as almas de alguma maneira atormentadas, inquietas, angustiadas, curiosas, revoltadas, que vão dar nos grandes artistas, filósofos, literatos, políticos, utopistas etc. A Beatriz [Portinari] pode ter sido um elemento para incendiar, para inaugurar esse processo no Dante. Mas não sei, não. Mesmo não tendo existido Beatriz, o perfil global do Dante talvez fosse de alguém suficientemente inquieto e curioso, muito seguro de si, até mesmo soberbo em vários momentos, para produzir muita coisa importante.

Homem de múltiplos conhecimentos

O Dante vai escrever textos sobre a água, sobre a cosmologia, vai discutir questões sobre o que é o tempo. Ele, nessa visão enciclopédica, vai tocar em vários pontos que, hoje em dia, tendemos a manter meio afastados, porque nosso conhecimento cresceu tanto que não dá para ninguém dominar meia dúzia de disciplinas tão diferentes quanto filosofia, história, física ou biologia. Naquela época, como o conjunto de conhecimento era mais limitado, era sim possível. E é o que o Dante vai fazer.

Amor X amor

O Dante amava o Amor com A maiúsculo, o conceito, mais do que o amor com A minúsculo, esse amor humano, carnal, normal que todos nós conhecemos. O Amor, para ele, é o próprio Deus. É esse Amor que move o sol e todas as estrelas, como ele mesmo diz. É uma figura polissêmica, o Dante. Ele tem tantas arestas, tantos ângulos que a gente gostaria de conhecer melhor, mas não conhece, ou conhece mal, que é difícil ter uma resposta clara para a pergunta de quem era o Dante.

Forma ao italiano

O que nós chamamos hoje da língua italiana, na verdade é a língua florentina, ou, ampliando um pouco, toscana, devidamente refinada, desenvolvida e divulgada pelo Dante. O Dante escreve um texto famoso em latim para defender a importância da língua vulgar, do dia a dia, das ruas, porque o latim já era uma língua só literária ou da igreja, dos grandes textos clássicos. Ninguém mais no século 13 fala latim como língua materna.

Ele escreve esse texto para mostrar como essa língua do dia a dia é o futuro, e vai analisando e discutindo alguns dos dialetos italianos, do sul da França. Tudo isso para concluir que a língua toscana é a mais bonita, a mais pura e deve se tornar a língua de todos os italianos. Aquilo, naquele momento, é outra forma utópica... Em grande parte pelo peso literário, pelo peso cultural, pelo renome que o Dante foi ganhando ao longo dos séculos, é isso o que acaba acontecendo.

Distância de Dante

Os modelos das obras do Dante são de tal sofisticação, já era para a época e agora são mais ainda, que não têm seguidores, não podem ter seguidores... Então há sempre uma distância entre o Dante e o nosso tempo, mesmo na Itália.

Dica para leitura

É importante começar a leitura com humildade, sabendo que vai ter passagens difíceis, que não vai ficar claro exatamente o que está lendo... É um texto em poesia em que você para muitas vezes para saber quem foi um indivíduo, o que foi um acontecimento, então acaba sendo uma leitura lenta... No final dessa peregrinação por centenas de páginas virá um grande prazer, mas não é só abrir e já começar a usufruir e a curtir a "Divina Comédia".

Caminho possível

Para um leitor mais paciente e constante, ler uma tradução em prosa para ter um panorama e depois atacar uma tradução em verso pode ser um caminho. E lá no final, agora eu que vou ser utópico, quem sabe o nosso leitor vá ler a "Divina Comédia" do único jeito que ela deve e merece ser lida, que é no original.

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Livros citados nesta coluna:

"A Divina Comédia" - Dante Alighieri

"Dante - O Poeta do Absoluto" - Hilário Franco Júnior

"Em Busca do Paraíso Perdido: As Utopias Medievais" - Hilário Franco Júnior

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