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Marrom e com cheiro de podre, ovo milenar virou hit e tem fãs apaixonados

Imagem: Getty Images

Cintia Oliveira

Colaboração para o UOL

22/02/2024 04h00

Um ovo com cheiro pungente, que lembra enxofre, composto por uma uma clara de coloração amarronzada e translúcida, que envolve uma gema acinzentada e de textura cremosa. Embora a descrição do ovo milenar não seja das mais apetitosas, esse clássico da cozinha chinesa, que também conhecido como peedan, ou ovo centenário, foi tema de uma trend recente nas redes sociais.

Nos últimos tempos, se multiplicaram vídeos de usuários provando a receita elaborada com ovo de pata, entre caras e bocas. Embora cause certo estranhamento, para muitos o ovo milenar tem sabor único.

Ovo milenar Imagem: Cintia Oliveira/UOL
Ovo milenar descascado Imagem: Cintia Oliveira/UOL

A clara tem consistência de gelatina e a gema tem uma cremosidade que preenche a boca. É muito saboroso e tem muito umami, define o chef Caio Yokota, que divide com o chef Victor Valadão a cozinha dos restaurantes taiwaneses Mapu e Aiô, ambos na capital paulista.

100 dias de produção

O peedan é produzido a partir da combinação de duas técnicas de conservação: fermentação e cura. "Tradicionalmente, os ovos são envolvidos por uma mistura de argila, cinzas de madeiras, uma substância alcalinizante com alto índice de pH, que ajuda a preservá-lo", explica o coordenador acadêmico da Le Cordon Bleu São Paulo, Rodrigo Canto, que também dá aulas de cozinha asiática no curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi.

Ovos milenares à venda em rua de Hong Kong Imagem: tracyhunter/Flickr

Além da argila e das cinzas, também podem ser utilizados outros produtos na mistura como cal virgem, sal e bicarbonato de sódio. "Também podem ser usadas folhas de chá, para conferir sabor, e palhas de cereais, para que eles não batam um no outro", explica o chef consultor Eiji Tomimatsu, da capital paulista.

Depois de envolvidos por essas misturas, os ovos são acomodados em potes de cerâmica pelo período de cem dias - milenar é força de expressão.

Lendas e estrelas Michelin

Não se sabe ao certo a sua origem, mas o ovo milenar vem desde a dinastia Ming (1368 a 1644), na China.

"Existem algumas lendas em torno da origem da receita. Uma diz que foram encontrados ovos de pato entremeados na mistura de terra e cal utilizados na construção de uma casa. Outra lenda menciona um criador de patos que, na tentativa de impressionar uma mulher por quem se apaixonou, deixou alguns ovos no quintal de sua casa. Ela não correspondeu às investidas, mas os ovos envoltos em terra e cinzas foram preservados e, posteriormente, descobriu-se que eles poderiam ser consumidos", explica Tomimatsu, de São Paulo.

Embora seja muito apreciado no país asiático, o ovo milenar não está vinculado a nenhuma data especial do calendário chinês, nem faz parte da mesa do dia a dia.

Ovo milenar servido com molho apimentado em Hong Kong Imagem: Jonathan Wong/South China Morning Post via Getty Images

"Costuma ser servido em eventos comemorativos como aniversário, por exemplo, e em restaurantes sofisticados", explica o chef Thompson Lee, que comanda há duas décadas o Yoshi Culinária Asiática, restaurante localizado no distrito de São Francisco Xavier, em São José dos Campos, no interior paulista.

Para ele, a melhor forma de servi-lo é na forma de aperitivo, na companhia de shoyu, lâminas de gengibre fresco, cebolinha e tofu. "O que fascina é o sabor amadeirado, caramelado e terroso, que lembra quase uma trufa", comenta Lee, que tem ascendência chinesa de Taiwan.

Além de aperitivo, o ovo milenar pode ser protagonista de algumas receitas asiáticas.

Em um restaurante local, eu tive a chance de experimentá-lo na forma de omelete, com o ovo picado no meio. E no restaurante Raw, duas estrelas Michelin, eu provei um peedan feito de ovo de codorna. As duas experiências foram fantásticas, conta o chef do Mapu e do Aiô.

Outro preparo no qual ele marca presença é no congee. "É uma espécie de um mingau de arroz cozido em um caldo, que pode ser de porco, que é um clássico da China e de outros países do Sudeste Asiático. O ovo pode ser picado e incorporado nesse preparo", explica Tomimatsu.

Ficou curioso?

Por aqui, o ovo milenar não se encontra com tanta facilidade no cardápio dos restaurantes chineses. Quem tiver curiosidade de prová-lo, pode recorrer às gôndolas dos empórios asiáticos do bairro da Liberdade (no Towa, por exemplo, custa R$ 37 a caixa com seis unidades).

Embalagem do ovo milenar Imagem: Cintia Oliveira/UOL
Ovo milenar na embalagem Imagem: Cintia Oliveira/UOL

Importado da China, pode vir revestido pela massa de argila ou lavado. Chegando em casa, é só descascá-lo como se fosse um ovo cozido. "Caso encontre umas manchas esbranquiçadas em formato de floco de neve na clara, não se preocupe: isso é sinônimo de qualidade", orienta Lee.

Outras características são que a clara deve ter uma textura gelatinosa e a gema deve ser levemente cremosa no meio. O negócio é vencer a barreira do cheiro (convenhamos) desagradável e dar uma chance ao produto.

O ovo milenar tem uma complexidade que não se encontra em outro ingrediente. Vale a experiência, comenta Lee.

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