"Vestido e saia de renda criaram memórias de avô que não conheci"

Meu avô paterno era fiscal da alfândega em Rio Grande, uma cidade portuária no Rio Grande do Sul quase no finzinho do Brasil. Não tenho memória das poucas vezes que nos vimos, pois eu ainda era bebê, mas cresci ouvindo centenas de histórias sobre ele. Uma das minhas favoritas era a do baú de rendas francesas.

Volta e meia, a Receita Federal apreendia baús com mercadorias que não passavam na fiscalização. E esses baús — que não tinham o conteúdo divulgado — iam a leilão. Meu avô, mesmo sem saber o que tinha dentro das caixas, supunha ser "coisa boa" com base na procedência e corria para arrematar. Um desses baús que ele arrematou estava cheio de rendas francesas com cores e padronagens diversas.

Cada um dos quatro filhos ficou com uma porção de tecido. Meu pai deu a porção dele para minha mãe, que nunca quis fazer nada para ela. Até que, em 2012, quando eu tinha 21 anos, minha host sister (irmã de intercâmbio de ensino médio) italiana decidiu casar.

No dilema de "o que vestir para um casamento italiano", minha mãe se lembrou das rendas.

Eu me encantei por uma branca com fios prateados e outra com um tom rosado. Escolhi fazer uma saia com a branca para usar em uma das festas pós-casamento e um vestido com a rosa. Ficaram lindos.

Quando voltei para o Brasil, levei o vestido a uma lavanderia para não correr o risco de estragar. Na hora de buscar, pânico. A renda estava toda rasgada, a seda com manchas de alta temperatura. Meu pai tentou brincar me dizendo que parecia o vestido da gata borralheira. Mas eu só chorava, inconsolada com o fato de que havia assinado um termo que supostamente isentava a lavanderia de qualquer responsabilidade, porque o vestido não tinha etiqueta com instruções de lavagem.

Contei para uma amiga estudante de direito, que me explicou que aquele termo não tinha validade, pois uma prestadora de serviço que se diz especializada não pode simplesmente se isentar de prestar o serviço de forma adequada. Voltei à lavanderia munida das informações que ela tinha me passado para ameaçar processá-los, e saí com um cheque de R$ 500.

O suficiente para fazer outro vestido, igualzinho ao primeiro — por sorte, tinha sobrado renda. Usei o novo vestido no ano seguinte na formatura de uma amiga, e não revelarei se está limpo ou não."

Já a saia ficou intacta, porque acabei não usando na festa. Ela teve sua grande estreia anos depois, em 2019, no festival Coachella, na Califórnia. Eu queria um lookinho bem girly para o dia do show da Ariana Grande, então apostei na saia com uma hot pant lilás e uma blusinha branca de tricô. Finalizei com tênis de corrida, uma combinação que só o Coachella permite.

Desde então, ambas as peças continuam guardadas. Não pretendo me desfazer delas nunca — e olhem que sou bem desapegada. Acho que teria guardado até o vestido destruído se a lavanderia não tivesse exigido ficar com ele. Ao arrematar aquele baú de rendas, além de ter me acompanhado em viagens pelo mundo, meu avô encontrou um jeito de criar novas histórias mesmo depois de já não estar mais conosco.