Peixe na folha bananeira direto em grelha ou forno celebra sabores locais
Gabrielli Menezes
De Nossa
09/06/2021 04h00
Por que usar papel alumínio quando se tem folha de bananeira pertinho de casa? Foi seguindo essa lógica que Deborah Santos Martins, 26, criou a receita da sarda assada na folha de bananeira com creme de aroeira.
Envolvido no "protetor natural", o peixe, também conhecido como serra, assa no vapor dele mesmo e puxa o sabor da pasta da pimentinha típica brasileira, que nasce principalmente na beira de rios.
Em Alcobaça, onde Deborah mora no Sul da Bahia, a árvore da aroeira frutifica do fim de abril ao início de julho. "A gente colhe nesta época e usa o resto do ano", conta. O ingrediente é usado na cultura pataxó tanto na gastronomia quanto na medicina natural.
O chá das folhas de aroeira é ótimo para mal-estar gastrointestinal, diarreias e dores nas articulações."
Na receita, a pimenta fresca — e não seca como costumamos encontrar nos supermercados — é batida com sal, cebola, alho, manjericão e azeite.
A mistura serve para lambuzar a posta do peixe que, por sua vez, também vem das imediações. Ele chega à cozinha de Deborah pelas mãos dos tios. "Nasci numa casa na beira do rio. Meus tios pescavam e minhas tias e avós preparavam o que a gente comia", conta.
Aqueles que não têm acesso a um peixe fresquíssimo e querem reproduzir a receita podem apostar em atum, guaricema (carapau), carapeba e dourado. "Sempre dá para substituir sem perder a essência".
Veja a receita completa clicando no link abaixo:
Consumo local e sazonal: um princípio indígena
A sarda na folha de bananeira é um dos pratos que Deborah ensinou a fazer no Alecrim Baiano, página aberta no Instagram no início da pandemia.
"Não aguento ficar parada, então pensei em criar uma conta para postar receitas sem pretensão. O foco maior é a culinária tradicional e ancestral".
Natural de Alcobaça, ela carrega a filosofia do povo indígena Pataxó, que cultiva uma ligação estreita com a comida.
A comensalidade — tudo que envolve o ato de comer, como os rituais, os costumes e as crenças — está incorporada a minha vivência desde sempre".
Os pratos apresentados na internet unem esses valores a uma visão contemporânea. Entre as suas experiências profissionais está a passagem pelo restaurante do Hotel Arpoador, no Rio, onde à época trabalhou com a chef Roberta Sudbrack.
"Também trabalhei num bar. Ambos foram muito diferentes da minha realidade. Mesclar essas experiências de fora e de dentro tem sido um laboratório de reflexões".
Para o Alecrim Baiano, Deborah tem o apoio da sua comunidade e sente que a exposição vale a pena. "A internet é um mar aberto. Você não filtra o que vem, mas na maioria são coisas boas. Esse projeto está me aproximando de outras etnias e até do meu povo".
No futuro, ela pretende abrir um restaurante no próprio município do Sul da Bahia. "Não tenho grandes ambições, até porque eu não teria nunca como comprar os ingredientes de pequenos produtores se servisse muita gente"
Turistas ou não, quero pessoas que estejam alinhadas com o meu jeito de pensar. Tenho medo de que o valor cultural e histórico do meu prato seja desvalorizado".
Pensando nisso, ela compartilha todo início de mês nas redes sociais uma lista dos alimentos da época. Trata-se de uma pequena atitude que, segundo ela, já muda muita coisa.
"Quem tem uma rotina corrida na cidade grande poucas vezes presta atenção no que está no prato dela. Não faz diferença quem trabalhou ou quem foi explorado para a comida estar lá".
Uma dica de Deborah é comprar frutas e hortaliças na feira ou em mercados menores que valorizam o trabalho de produtores como os do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Não precisa lidar como algo partidário. Se o campo não produz, a cidade não se alimenta. É uma relação básica, mas nunca vejo a cidade valorizando as zonas rurais".
Além de trabalhar com comida, Deborah é bacharel em Direito e trabalha como ilustradora e designer gráfica.