Conduta inapropriada

Dia de sanção da Comissão de Ética a Caboclo tem vaivém de votos, incerteza sobre federações e tensão na CBF

Igor Siqueira, Rodrigo Mattos e Ricardo Perrone Do UOL, no Rio de Janeiro Lucas Figueiredo/CBF

Após três meses de investigação, depoimentos e articulação nos bastidores, a Comissão de Ética do Futebol Brasileiro definiu que Rogério Caboclo ficará, ao todo, afastado da presidência da CBF por 15 meses. A pena foi um desfecho mais brando do que o esperado. Especialmente pelos opositores. O aguardado veredito teve uma mudança repentina na última hora e, ao fim das contas, trouxe um rebuliço na CBF que envolveu diretoria, vices e presidentes de federações.

O caldeirão político ferve, mas, ao fim do dia, o otimismo era comum em ambos os lados, apesar da incerteza sobre o desenho da história nos próximos dias. No caso de Caboclo, há uma ponta de satisfação, apesar da sanção, por ter conseguido via Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA) o cancelamento da assembleia geral das federações antes marcada para hoje (25).

No encontro ainda sem data, a sanção da Comissão de Ética precisa ser deliberada. O placar dos votos é uma incógnita. Pelo estatuto, Caboclo precisa de sete das 27 federações a seu favor para voltar à cadeira de imediato. Do outro lado, a gestão atual da CBF tenta assegurar o contingente de 21 presidentes.

Afastado desde 6 de junho, Caboclo foi denunciado por assédio sexual e moral contra uma funcionária da CBF. Áudios revelam que ele perguntou a ela: "Você se masturba?". Em outro episódio, a funcionária relata que Rogério a ofereceu biscoito de cachorro. Ele nega que tenha cometido crime. Ao fim das contas, o enquadramento na Comissão de Ética foi por "conduta inapropriada".

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Lucas Figueiredo/CBF
Reprodução
Caboclo já deu moção de louvor à Comissão de Ética, mas depois a chamou de 'tribunal de exceção'

A mudança dos votos no julgamento

Em uma sessão virtual, a Câmara de Julgamento chamou as partes para anunciar sua decisão. O órgão é composto por três membros: Carlos Renato Azevedo Ferreira, que inclusive preside a Comissão de Ética, Amilar Fernandes Alves, relator escolhido para o caso de Caboclo, e Marco Aurélio Klein.

A ideia inicial era balizar o caso de Caboclo pelo artigo 216-A do Código Penal: "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função". Em um paralelo com a previsão de detenção de um a dois anos trazida no Código, Caboclo poderia levar até dois anos de suspensão.

Na sessão, um dos advogados do presidente afastado, Marcelo Jucá, disse que já circulava no hotel em que os presidentes de federação estão hospedados a informação de que a pena seria de dois anos. Jucá, que tinha a companhia da criminalista Fernanda Tórtima, ameaçou pedir nulidade do julgamento, caso o período de tempo de afastamento fosse esse, já que a decisão teria sido "antecipada" para entes externos.

Fato é que os votos iniciais para punir Rogério Caboclo traziam pena de um ano (12 meses) — sem detração, que é o "abatimento" dessa pena no período de três meses que ele já ficou afastado pela Comissão de Ética. Carlos Renato Azevedo Ferreira trouxe o voto com 18 meses de suspensão, com detração. Os outros dois membros da Câmara ajustaram seus votos para a pena que viria a ser a definitiva: 15 meses de gancho, com detração.

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Conforme foi amplamente noticiado pela imprensa, membros da Comissão de Ética têm fortes ligações com Del Nero. Eles recebem salários bem acima da média de mercado e são demissíveis pela diretoria da CBF, que também é formada, na maioria, por fiéis aliados nomeados pelo dirigente banido do futebol e investigado pelo Ministério Público Federal.

Rogério Caboclo, Presidente afastado da CBF, em 3 de julho

Lucas Figueiredo/CBF

Casos em curso podem trazer mais punições

A articulação ao longo da noite foi intensa. Por parte da atual gestão da CBF, interessada na saída do presidente afastado, um trabalho de contenção de danos começou. Com a cabeça mais fria, o término do dia veio com a retomada de confiança de um placar que não dê brecha para a volta de Caboclo.

Houve quem recordasse que o dirigente é alvo de mais denúncias na Comissão de Ética. E, acumuladas, elas podem trazer um período de punição que extrapole o tempo de mandato (abril de 2023). Um caso foi aberto pelo diretor de tecnologia da informação da CBF, Fernando França, que o acusa de assédio moral. O outro envolve mais uma denúncia de assédio sexual feita por uma ex-funcionária da entidade.

A denúncia de França é desdobramento da acusação inicial de assédio feita pela funcionária. O relato do diretor aponta a exigência de Caboclo de que fossem rastreados e-mails e telefone dela, da irmã e de um dos vices da CBF. França relatou, segundo o GE, que passou a ser chamado de "incompetente amador e primário". Caboclo disse em nota que considera "ridículas as acusações mentirosas" pelo diretor de TI. O caso já tramita na Câmara de Investigação da Comissão de Ética e deve chegar nos próximos dias à Câmara de Julgamento.

A segunda denúncia de assédio envolve outra ex-funcionária da CBF, que chegou a ser citada pela denunciante inicial como possível vítima de Caboclo. Todas elas estão numa lista feita pela Justiça de pessoas com as quais Caboclo não pode manter contato.

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Marcelo Sayão/EFE

Fator Del Nero

Caboclo também nega e atribui tudo a um complô comandado pelo ex-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero. O fator Del Nero é realmente relevante na equação. O dirigente banido pela Fifa ainda tem tentáculos na CBF, embora diga que não se envolva. A permanência do Coronel Nunes é vista como um sinal do controle dele. Mas, para alguns dirigentes das federações, o ciclo de Del Nero já passou, e trazer Caboclo de volta seria uma forma de romper com isso de vez, já que os dois viraram inimigos públicos.

Na nota que publicou após a decisão da Comissão de Ética, Caboclo citou que a medida "trata-se de mais um capítulo da armação do ex-presidente Marco Polo Del Nero, banido do futebol por corrupção, para me tirar da CBF e reassumir o controle da entidade por meio de seus aliados. Minha defesa recorrerá nas instâncias adequadas contra essa punição". O caminho para o recurso é a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA).

A CBF, por sua vez, ainda não sabe quando será a nova assembleia das federações. A CBMA disse que a entidade só poderia marcar a reunião após a divulgação da sanção pela Comissão de Ética. Logo, não há mais impedimento. Inclusive, há quem veja a iniciativa de Caboclo de pedir o cancelamento da reunião como uma manobra de quem não teria apoio suficiente para voltar ao poder.

Caso o presidente afastado consiga sustentar seu cargo, cumprindo apenas o período de afastamento determinado ontem, voltaria à sede da CBF com pouco mais de seis meses para conclusão, mandato. A eleição da entidade, porém, geralmente é feita em abril do ano anterior ao fim do mandato —nesse caso, abril de 2022.

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O desditoso Rogério Caboclo é perverso, além de seu falar temulento e andar trôpego, e por esse ego inflado, mentiroso empedernido, viaja em alucinações, achando que pode esconder seus assédios, alavancando acusações desconexas e inverídicas a outros. Aconselho-o cuidar de si e das vítimas

Marco Polo Del Nero, Ex-presidente da CBF

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Apelo às federações em vídeo

Rogério Caboclo ainda precisa se desvencilhar de repercussões judiciais geradas pela investigação criminal aberta pelo Ministério Público do Rio. Amanhã (26), tem uma audiência preliminar agendada pela Justiça.

No Whatsapp, ontem circulou um vídeo feito por apoiadores de Caboclo endereçado às federações. Há ataques a Del Nero e um questionamento sobre "qual CBF você vai escolher?". As opções trazidas no vídeo são: "A CBF moderna, rentável, que investe em todas as categorias e não está envolvida em escândalos de corrupção" ou "a CBF da polícia na porta", em referência a Marco Polo.

No vídeo, ainda surge como compromisso de Caboclo "administrar para as federações e junto com as federações" e "dividir parte do lucro anual e recursos da Conmebol e Fifa com as federações anualmente". Algumas federações opositoras a Caboclo se questionaram: "Por que ele não fez isso antes?"

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