Paixão

O homem que superou a rivalidade entre Grêmio e Internacional e, aos 71 anos, ainda manda jogadores correr

Jeremias Wernek Em Porto Alegre Carlos Macedo/UOL

Quando ele chegava nos clubes, a gente já começava a imaginar que poderia ganhar. Porque ele é um cara extremamente vencedor".

Paulo Cesar Tinga, meia do Internacional, do Grêmio e da seleção brasileira, resume assim Paulo Paixão. Se você é torcedor do Grêmio ou do Inter, sabe quem ele é. Se é torcedor do Palmeiras, também. E para quem não é torcedor desses três times, ainda tem o Penta: Paixão era o preparador físico do time que foi campeão da Copa do Mundo de 2002.

Aos 71 anos, ele segue em campo, mandando todo mundo correr, do mesmo jeito que fazia em 2002 ou em seu primeiro dia no emprego, há quase 50 anos. Ele tinha caído de paraquedas no Bangu, clube do subúrbio carioca, sem nunca ter trabalhado com futebol antes.

"Fomos ao campo e, lá, os jogadores todos assim, sem falar nada. Eu já bati palma, gritando: 'Vambora! Correndo!' É o resumo de como virei preparador físico. Até hoje eles falam: 'Você tinha que ser o que é. Foi o último a ser chamado e você mesmo se intitulou preparador físico'. Quer dizer, fui o último, chamei o grupo para correr e não parei mais".

A adrenalina de treinos, viagens, jogos e a rotina sem roteiro do futebol criaram um estilo de vida do qual ele não abre mão. Há 15 anos em Porto Alegre, ele conseguiu algo que é raro: virou unanimidade em meio à rivalidade Gre-Nal. Foi braço direito de Felipão, homem de confiança de Dunga, parceiro histórico de Abel Braga e, agora, tem algo de mentor de Roger Machado —que foi seu atleta.

"Dá energia", admite.

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Gre-Nal

"Eu virei Paixão aqui, em Porto Alegre. Antes, era Paulo, Paulão ou Paulinho. Foi aí que minha carreira deu um salto". Não é um exagero. Até 1993, quando ele chegou ao Rio Grande do Sul, a carreira do preparador físico tinha experiências em categorias de base, mas pouco destaque entre os profissionais.

Isso mudou quando o Grêmio resolveu contratar o técnico Sergio Cosme. Vice-campeão da Copa do Brasil de 1992 pelo Fluminense, Cosme tinha aceitado trocar o Rio de Janeiro por Porto Alegre e fez um pedido aos dirigentes gaúchos: levar um preparador físico que havia conhecido nas Laranjeiras. À época chamado de Paulo, Paulão ou Paulinho. Ele era o responsável pela correria da base tricolor (carioca) e o técnico do time profissional gostou do que viu.

Gostou tanto que resolveu mudar sua comissão técnica. Lembrando: comissões funcionam como uma unidade quase imutável, com um comandante, o técnico, e profissionais de confiança que andam sempre juntos. Mas Cosme resolveu mudar quando veio o convite para voltar para Porto Alegre.

"Eu estava indo para um Mundial Sub-20 na Austrália, de 1992 para 1993, quando o Sergio Cosme me ligou. Não acreditei na hora", conta Paixão. "O Cosme já tinha um preparador físico e eu pensei que, para qualquer lugar que fosse, chamaria aquele preparador físico dele. Só que não, ele me chamou. Foi uma grata surpresa. Infelizmente, ficou aqui só quatro meses", lembra Paixão.

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Conexão Felipão

Os quatro meses de Sergio Cosme, porém, foram o suficiente para que mais gente se encantasse com aquele jovem carioca. No dia em que o Grêmio desligou o treinador, a diretoria foi atrás de Paulo Paixão para que ele ficasse. Os gaúchos haviam gostado do preparador físico que tinha passado pela base de todos os grandes do Rio.

Paixão, então, encontrou Luiz Felipe Scolari e os dois formaram aquela comissão técnica do Grêmio multicampeão. A relação deu liga quase que instantaneamente.

"Paulo Paixão é uma figura espetacular. Pessoa maravilhosa. Como preparador físico, como pessoa. É alguém em quem a gente pode confiar. Ele tem sempre um sorriso à disposição. Tem conhecimento extraordinário. Sempre fiz questão de trabalhar com o Paulo Paixão e tenho o maior prazer em dizer que a passagem dele pelo futebol gaúcho também é pela pessoa que ele é".

Luiz Felipe Scolari

A primeira passagem pelo Grêmio durou até 1997, quando Paixão seguiu Felipão e foi ao Jubilo Iwata, do Japão. Na sequência, a dupla chegou ao Palmeiras e, depois, à seleção brasileira na campanha do pentacampeonato. Entre Palmeiras e seleção, Paixão passou pelo Grêmio uma segunda vez, em 2001.

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A chegada ao Inter

Paixão trocou de lado em Porto Alegra depois do Penta, em 2003: "Quando a gente fez a reformulação do Inter, com pensamento de ter contrato longo e com grupo de jogadores maiores, a primeira pessoa que falou em Paulo Paixão no Inter foi Vitório Piffero", conta Fernando Carvalho, ex-presidente do Inter, que contratou Paixão. "Eu já havia escutado ótimas referências por meio do presidente Fábio Koff".

No estádio Beira-Rio, foram três passagens: essa primeira foi até 2006, com título do Mundial de Clubes em cima do Barcelona, a segunda, com Dunga, em 2013, e a mais recente em 2021 — ao lado de Diego Aguirre.

"Ele tem um viés, uma ideia de futebol, que vai de acordo com o nosso futebol aqui, com o futebol gaúcho. Uma ideia de aprimoramento físico para ter força e velocidade, para vencer o confronto individual durante os jogos", elogia Carvalho.

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

Eles falam sobre Paixão

Com o tempo, ele conquistou esse status. Ele ganhou títulos, tem história no futebol. Ele é acostumado a ganhar e transmite isso. Transmite o gostar de ganhar. E tem autoridade, pelas conquistas que teve, de falar com o jogador. De apoiar e de cobrar, graças ao cartel dele. Isso cria na pessoa autoconfiança e faz as pessoas ouvirem também".

Fernando Carvalho, ex-presidente do Inter

O Paixão entendeu a cultura do gaúcho. Ele é mais gaúcho que carioca. Assim como o Renato. Tem a mão do Felipão, de outros gaúchos que trabalharam com ele. Ele entendeu muito bem a cultura local, a cultura do gaúcho. É um dos preparadores físicos que mais disputou Copa do Mundo. Isso tudo fez ele trabalhar tanto aqui".

Tinga, ex-meia de Grêmio e Inter

Juca Varella/Folha Imagem

O segredo do sucesso do Paulo Paixão é a dedicação. Dedicação em sempre querer aprender algo. Em cada treino ele passava algo diferente, conversava sobre a importância. E tem uma frase dele bem marcante, em cada treino, que era 'hidraaaata! Hidraaaata! Carboidrato! Cardoidrato!' (Risos). Ele sempre fazia com que nós nos hidratássemos antes e depois dos jogos, comêssemos bem antes e depois dos jogos para ajudar na recuperação de jogo ou treino bem puxado".

Cafu, ex-lateral da seleção brasileira

Carlos Macedo/UOL

Bangu

"Nós estávamos na faculdade e um grupo de colegas, naquela bagunça de intervalo, puxou assunto. Alguém falou: 'Podíamos levar o Paulinho para Bangu'. Eu xinguei e fiquei bravo, mas eles explicaram que tinham assumido o Bangu, o clube. Beleza... Fui lá com eles, conversaram com o grupo de jogadores dentro do vestiário. O treinador era o Fernando Cônsul, que jogou no América. Ele falou: 'Trouxemos mais um amigo nosso, o Paulinho'. E acabou o papo.

Fomos ao campo e, lá, os jogadores todos sem falar nada. Eu já bati palma, gritando: 'Vambora! Correndo!' É o resumo de como virei preparador físico. Até hoje eles falam: 'Você tinha que ser o que é. Foi o último a ser chamado e você mesmo se intitulou preparador físico'. Quer dizer, fui o último, chamei o grupo para correr e não parei mais.

Mas era 1975 e eu precisava trabalhar em outro lugar para ter o dinheirinho para pagar a faculdade. Eu saía do Brangu correndo para ir para uma academia no centro da cidade. Se perdesse o trem, não ia conseguir chegar a tempo. Nos dias em que não dava tempo, atrasava legal, mesmo. O dono da academia reclamava. Mas eu precisava do dinheiro que entrava da academia.

Foi tudo muito louco, muito corrido. Eu chegava na Central do Brasil, corria até o Largo da Glória. É uma distância boa, hein? E dava certo... Tinha que dar, né? Era a corrida do ouro!"

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

Samba, São Jorge e Rio

Paulo Paixão usa um anel na mão direita com imagem de São Jorge. Costuma dizer que ele faz o santo cavalgar por onde a mão direita andar. Mas não para por aí. No pescoço, outra imagem do santo guerreiro acompanha alguém que usa as próprias referências para se conectar com os outros. Uma delas é o carnaval.

"Conheci o Paixão em 1996, quando estava subindo da base para o profissional do Grêmio. Ele sempre me deu moral, desde o início. Me chamava de Restinga, pelo bairro. É porque lá tem uma escola de samba bem consagrada. E ele gosta de samba", lembra Tinga.

Apaixonado pela Acadêmicos do Salgueiro, Paixão brinca até hoje com referências do Carnaval no dia a dia. Desde as palmas até a batucada antes do treino, em uma bola ou em um cone. "Lembro de como ele cobrava a mim e ao Ronaldinho (Gaúcho, contemporâneo de Tinga): 'Pô, minha bateria não pode estar atrás. Vocês têm que puxar a fila!' Ele sempre falava de carnaval. Várias vezes, viu que a gente não estava bem. Éramos novos e tínhamos feito festa e tal. E ele falava: 'Vamos encostar esse carro alegórico de vocês aqui'", completa Tinga.

Eu tenho um jeito muito próprio. E vejo também outros cariocas que estiveram aqui no Sul que também têm. O Espinosa, o Abelão, o Renato. Alguns são daqui, mas tem aquele jeitão carioca, né? A gente tem uma forma muito própria. Muitos profissionais amigos falam: 'Ah, Paixão, queria ser igual a você'. Não vão ser. Não tem como, né? Cada um tem seu jeito".

Paulo Paixão

Carlos Macedo/UOL

Os títulos de Paixão

  • 1995 - Campeão da Libertadores da América (Grêmio/RS)
  • 1995 - Campeão Gaúcho (Grêmio RS)
  • 1995 - Campeão Copa Sanwa Bank(Grêmio RS)
  • 1996 - Campeão Gaúcho (Grêmio RS)
  • 1996 - Campeão Copa Renner(Grêmio RS)
  • 1996 - Campeão Brasileiro (Grêmio RS)
  • 1996 - Campeão da Recopa Sulamericana (Grêmio RS)
  • 1998 - Campeão Copa do Brasil (Palmeiras/SP)
  • 1999 - Campeão da Libertadores da América (Palmeiras/SP)
  • 2001 - Campeão Gaúcho (Grêmio/RS)
  • 2001 - Campeão da Copa do Brasil (Grêmio RS)
  • 2002 - Campeão do mundo (Seleção Brasileira)
  • 2003 - Campeão gaúcho (SC Internacional)
  • 2004 - Campeão da Copa américa (Seleção Brasileira)
  • 2004 - Campeão Gaúcho (SC Internacional)
  • 2005 - Campeão da Copa das Confederações (Seleção Brasileira)
  • 2006 - Campeão da Libertadores da América (SC Internacional)
  • 2006 - Campeão Mundial Interclubes FIFA (SC Internacional)
  • 2007 - Campeão da Copa América (Seleção Brasileira)
  • 2009 - Campeão da Copa das Confederações (Seleção Brasileira)
  • 2010 - Campeão Gaúcho (Grêmio/RS)
  • 2013 - Campeão Gaúcho (SC Internacional)
  • 2013 - Campeão da Copa das Confederações (Seleção Brasileira)
  • 2019 - Campeão Baiano (Bahia)
  • 2022 - Campeão Gaúcho (Grêmio/RS)
Carlos Macedo/UOL

O Paixão tem razão

Em novembro do ano passado, Paulo Paixão fugiu do próprio histórico. Virou notícia ao ter áudio vazado com comentários sobre jogadores do Inter, logo depois de derrota para o Flamengo em jogo do Campeonato Brasileiro. O preparador físico pediu demissão horas depois de o arquivo correr pelas redes sociais e gerar clima ruim no clube.

No jogo seguinte, o time comandado por Diego Aguirre empatou com o Santos por 1 a 1 e a torcida colorada fez mais do que vaiar a equipe. Cantou dizendo que Paulo Paixão tinha razão, no teor das críticas ao elenco do Internacional. O cântico virou frequente na reta final do Campeonato Brasileiro de 2021, diante de novos tropeços da equipe.

"Isso é passado. Não gostaria de falar mais sobre", disse Paixão em entrevista ao canal do Duda Garbi no YouTube. "Foi um comentário que fiz a um amigo, foi um desabafo que fiz. Era minha percepção do vestiário, mas acabou".

Para pessoas próximas, Paixão define o episódio como um dos principais erros da carreira. Ainda assim, menos de seis meses depois, foi chamado por Roger Machado para voltar ao Grêmio e assumiu a mesma função desempenhada no Inter em 2021: coordenador da preparação física.

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

O amor fala

Além de Porto Alegre, do Palmeiras e da seleção brasileira, Paixão trabalhou no CSKA Moscou, da Rússia, no Coritiba, no Vasco da Gama, no Sport, no Atlético Mineiro e no Bahia. Foi em Salvador que ele trabalhou pela primeira vez com o técnico Roger Machado —que, quando jogador, ele ajudou a formar.

De volta ao Grêmio a pedido do antigo lateral, uma característica segue decisiva: a fala. "Às vezes, é uma palavra, um incentivo, que vai dar o produto final do que você trabalhou. É importante isso. A palavra é um aditivo, nunca vai ser o produto principal. Mas ajuda".

Paulo Paixão não tem melindre em falar sobre as diferenças da preparação física do período em que ele começou até os dias atuais. Para ele, as mudanças estão mais na condição técnica, no número de profissionais à disposição para ajudar a controlar dados e atividades, no tamanho do grupo que analisa a situação, do que nos conceitos.

"Sou do tempo em que eu pesava o atleta, eu fazia o pré-treino, eu ia aquecer pro treino, eu voltava para alongar pós-treino, eu pesava de novo. Tudo isso era só um profissional. Quem fez tudo isso sozinho não vai se atrapalhar com a estrutura que tem agora", diz. "E o meio nosso do futebol é muito gostoso. Trabalhar com pessoas que você gosta, com quem você se sente bem, é a melhor coisa, te dá mais energia", enfatiza.

Carlos Macedo;UOL

Você se nutre e nutre de volta, cada vez mais. Então eu não penso em parar. Tenho 71 anos e nem sei que tenho 71. Só sei que eu vivo isso e amo futebol".

Paulo Paixão

Paixão além do adeus

A paixão pelo futebol ajuda Paixão. Em intervalo de 14 anos, o preparador físico perdeu dois filhos, um deles na tragédia do voo da Chapecoense. Alessandro Paixão morreu em 2002, vítima de uma parada cardíaca, e Anderson Paixão estava com a delegação da Chape rumo à final da Copa Sul-Americana de 2016.

"Tenho o Paixão como um amigo, faz parte do meu rol de amigos. Ele vem na minha casa, a gente conversa, convive. Tenho ele como mais que um amigo, um pai. Eu estive muito próximo a ele sempre, até nos momentos mais difíceis, quando da perda dos filhos dele", conta Paulo Cesar Tinga.

O tema, contudo, fica fora do dia a dia de Paulo Paixão — tanto que um dos pedidos antes da entrevista ao UOL foi não falar sobre o assunto.

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