E ainda faltam 3

Superar o recorde de Pelé é um desafio bem maior para Neymar do que simplesmente marcar mais três gols

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Chung Sung-Jun/Getty Images

As maiores obsessões de Neymar não dizem respeito ao PSG, à Liga dos Campeões da Europa ou à conquista da Bola de Ouro como melhor jogador do mundo. Com ele, o que importa parece ser sempre a seleção brasileira. Ele já comprou briga com os clubes em que jogava para vestir a Amarelinha, nunca pediu dispensa após uma convocação, se sente confortável no ambiente e nada o encanta mais do que a ideia de ganhar uma Copa do Mundo.

Ele quer virar um ídolo nacional ainda maior. E quer muito ser o maior artilheiro da história da seleção. O problema é que falar isso, com todas essas letras, se tornou um problema para o maior jogador brasileiro da atual geração.

Neymar já marcou 74 gols com a camisa amarela. Faltam três para igualar Pelé segundo as contas da Fifa, que consideram "gols oficiais" aqueles marcados pela seleção contra seleções.

Na única vez em que falou publicamente sobre isso, dizendo que "vai ser uma honra passar o Pelé", a frase deu início a uma polêmica na internet. Neymar foi acusado de falta de empatia com o Rei, que, naquela época, estava no hospital.

O jogador nunca mais falou mais do assunto. As redes sociais ligadas a ele até mencionam o recorde, mas de passagem, sem tanto destaque. Já são planejadas ações para quando ele assumir a artilharia máxima da seleção, mas por causa da implicância que o assunto criou, foi preciso criar, também, outro plano.

E é aí que entra o avô de Neymar.

Chung Sung-Jun/Getty Images
Divulgação/Santos

Seu Ildemar liga Pelé e Neymar, que têm relação de cordialidade

Neymar e Pelé compartilham o mesmo berço no futebol brasileiro, o Santos. É uma relação baseada desde sempre em cordialidade, com um componente prévio que torna tudo mais delicado: para Neymar, a figura de Pelé é uma forma de conexão com seu avô Ildemar, pai de seu pai, que era muito fã do Rei e morreu seis meses antes da estreia do neto como jogador profissional.

Foi por que Neymar, quando comemorou seu primeiro gol como profissional, deu um soco no ar — a comemoração tradicional de Pelé. Foi um pedido do pai do jogador para homenagear Seu Ildemar. Funcionou, também, como homenagem ao Rei. Isso rolou no dia 15 de março de 2009, num jogo do Paulistão contra o Mogi Mirim, no estádio do Pacaembu. Neymar tinha 17 anos..

A partir do momento em que o potencial de Neymar se confirmou, houve uma série de ações comerciais que envolveram os dois para divulgação do Santos. Uma sessão de fotos em que Pelé passa a mão no moicano de Neymar enquanto riem frequentemente viraliza na internet. Hoje em dia, ambos mantêm uma relação forte online. Não passam aniversários sem se marcarem, por exemplo.

O único abalo foi em 2018, quando Pelé afirmou logo depois da Copa do Mundo que Neymar simulava faltas demais e que isso atrapalhava sua imagem. Neymar discordou, porque acha a fama de cai-cai injusta. Depois a treta foi superada. Pelé disse que era como um pai educando um filho, um puxão de orelhas, não uma bronca. Neymar deixou a situação de lado e no ano seguinte retribuiu com um gesto de carinho ao visitar Pelé no hospital durante uma internação em Paris.

Reprodução/Instagram/Twitter

Neymar x Patricia Pillar

O ranço que surgiu contra o recorde que Neymar vai quebrar começou logo depois de um dos seus piores jogos pela seleção. Foi em uma vitória por 1 a 0 contra o Chile em setembro de 2021. O camisa 10 estava lento, disperso, longe da melhor forma física, e errou passes, arrancadas e dribles. A crítica foi geral e pesada.

O jogo seguinte foi contra o Peru na Arena de Pernambuco e Neymar apagou a má imagem: gerou três cartões amarelos de adversários, criou cinco chances de gol (uma delas com assistência) e ainda fez o dele antes de levantar a camisa e mostrar o tanquinho para dizer que está bem fisicamente. Depois do jogo, desabafou.

"Não sei mais o que eu faço com essa camisa para a galera respeitar o Neymar", disse à TV Globo, antes de fazer críticas à imprensa e aos seguidores nas redes sociais. O discurso terminou assim: "E logo menos, se Deus quiser e tudo caminhar bem, vai ser uma honra passar o Pelé."

Pronto.

A frase desencadeou mais uma enxurrada de críticas, com destaque para a da atriz Patricia Pillar. "Neymar me decepciona mais a cada dia. Falar em passar o Pelé na artilharia foi absolutamente lamentável." Neymar respondeu ironicamente: "Ah pronto, tenho que parar de fazer gol agora."

Na época, Pelé estava internado após o diagnóstico de um câncer. Patricia Pillar considerou grosseiro da parte de Neymar falar sobre o assunto: "Por uma questão de empatia e educação, não era hora para dizer que passaria o Pelé na artilharia. São essas delicadezas da vida que talvez você ainda não tenha aprendido." Neymar encerrou o assunto enviando para a atriz o link do Instituto Projeto Neymar Jr, seu investimento na área social: "Meu gol mais bonito. Por empatia e delicadeza, dá uma olhada lá."

Esse episódio não teve mais desdobramentos públicos, mas reforçou dentro do estafe de Neymar a visão de que chegar à artilharia histórica da seleção é delicado. É algo para ser comemorado, sim, mas vai exigir um trabalhado do ponto de vista de comunicação com o objetivo de que não gere mais reprovações.

Seleção não pode depender do Neymar, diz Trajano

Todas as vítimas de Neymar na seleção

  • 9 gols

    Japão

    Imagem: Kenta Harada/Getty Images
  • 6 gols

    Peru

    Imagem: Pool/Getty Images
  • 5 gols

    Estados Unidos

    Imagem: Pedro Martins / MoWA Press
  • 4 gols

    Colômbia e Equador

    Imagem: Bruno Domingos/Mowa Press
  • 3 gols

    África do Sul, Argentina, Bolívia, China, Coreia do Sul, Croácia e Uruguai

    Imagem: Cristiane Mattos/Reuters
  • 2 gols

    Camarões, Chile, Costa Rica, Escócia, México, Paraguai e Turquia

    Imagem: Anadolu Agency/Getty Images
  • 1 gol

    Alemanha, Austrália, Áustria, El Salvador, Espanha, França, Iraque, Itália, Panamá, Portugal e Venezuela

    Imagem: Flavio Florido/UOL
Lucas Figueiredo/CBF

Trajetória na seleção tem obsessão, títulos e traumas

Neymar estreou com a Amarelinha no dia 10 de agosto de 2010, num amistoso contra os Estados Unidos. Só que a história dele com a seleção já tinha começado antes: houve uma mobilização popular para que ele fosse convocado para a Copa do Mundo da África do Sul no momento em que arrebentava no Santos. Dunga não levou e até hoje diz que não se arrepende da decisão.

A trajetória de 119 jogos passa por dois títulos. Primeiro, a Copa das Confederações de 2013. Neymar brilhou e fez gols em quatro dos cinco jogos, inclusive contra a Itália e a Espanha, na final vencida por 3 a 0 no Maracanã. Três anos depois, o atacante brigou com o Barcelona para participar das Olimpíadas do Rio de Janeiro e chorou assim que converteu o gol da vitória nos pênaltis diante da Alemanha que rendeu a medalha de ouro.

O camisa 10 jogou as Copas do Mundo de 2014 e 2018, mas em ambas não estava 100% fisicamente. No Brasil, fez quatro gols em cinco jogos e saiu machucado nas quartas de final contra a Colômbia depois da joelhada de Zúñiga nas costas. Na Rússia, Neymar estava recém-recuperado de contusão e só fez dois gols na campanha encerrada pela eliminação para a Bélgica nas quartas. Somam-se aos traumas a lesão que o impediu de jogar a Copa América de 2019 (aquela em que foi acusado de estupro e em que a polícia não encontrou evidências para indiciá-lo) e o vice da mesma competição em 2021.

Hoje Neymar vive outro status. Aos 30 anos, ele é líder e conselheiro de uma jovem geração de jogadores que cresceu como sua fã. Vini Jr, Richarlison, Antony, Rodrygo, Gabriel Martinelli... É um espaço em que ele se sente seguro e influente, o que dá pontos na missão de vencer a Copa do Mundo do Qatar. Além disso, Neymar sabe que o Mundial pode definir seu legado e entre as pessoas de seu entorno diz que não vai economizar esforço para chegar em novembro na melhor forma e entregar o melhor desempenho.

Até porque não é certeza que ele vai estar na Copa em 2026.

Cara, eu acho que é a minha última Copa do Mundo [a de 2022]. Eu encaro como a minha última porque... eu não sei se terei mais condições de cabeça, de aguentar mais futebol. Vou fazer de tudo pra chegar muito bem, vou fazer de tudo pra ganhar com meu país, pra realizar meu sonho maior, desde pequeno. Espero poder conseguir."

Neymar, Ao documentário "Neymar Jr. and The Line Of Kings", da DAZN

Top 10 artilheiros da seleção

  • Pelé

    77 gols em 91 jogos

    Imagem: Folhapress
  • Neymar

    74 gols em 119 jogos

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Ronaldo

    62 gols em 98 jogos

    Imagem: REUTERS/Dylan Martinez
  • Romário

    56 gols em 70 jogos

    Imagem: Antonio Gauderio/Folhapress
  • Zico

    48 gols em 71 jogos

    Imagem: Jorge Araujo/Folhapress
  • Bebeto

    40 gols em 76 jogos

    Imagem: Antônio Gaudério/Folha Imagem
  • Rivaldo

    35 gols em 75 jogos

    Imagem: Juca Varella/Folha Imagem
  • Jairzinho

    33 gols em 81 jogos

    Imagem: VI Images via Getty Images
  • Ronaldinho

    33 gols em 97 jogos

    Imagem: EFE
  • Tostão

    32 gols em 54 jogos

    Imagem: Folha Imagem

Colunistas respondem: Neymar muda de patamar com o recorde?

Neymar já está na história do futebol brasileiro e entre os maiores da história com ou sem os gols. Se ele para amanhã, já está no top 5. Os números ajudam apenas a ilustrar a história, deixam mais factível a defesa do craque. A questão é que Neymar poderia ter sido ainda mais do que já foi. E isso também ninguém tira da carreira dele."

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Danilo Lavieri

Neymar muda de patamar porque vai ultrapassar o maior de todos, Pelé, e qualquer menção a números históricos da seleção o colocará no topo. Falta a Copa do Mundo, mas é curioso que essa conquista possa chegar no ano em que o Brasil começa a depender menos dele. Unir o recorde de gols à taça o lançará facilmente ao top 5 em importância."

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Marcel Rizzo

Neymar mudará de patamar somente quando for protagonista de uma grande conquista. A Copa do Mundo de 2022 talvez seja a melhor -- e última oportunidade -- para fazê-lo."

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Alicia Klein

É o maior jogador do time após geração de Ronaldinho e Ronaldo. Mas só a conquista de uma Copa do Mundo como protagonista muda o seu patamar para algo além disso."

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Rodrigo Mattos

Reprodução

Pelé tem 95 gols, e Fifa conta 77

Pelé tem 95 gols pela seleção brasileira, mas a Fifa considera apenas 77 sob o critério de que são os gols marcados pelo Brasil contra outras seleções em jogos oficiais ou amistosos oficiais.

Na época do Rei do Futebol, eram muito comuns jogos da seleção contra clubes europeus ou combinados regionais. Entre os 18 gols "não oficiais" estão alguns marcados contra Inter de Milão, Atlético de Madri e seleção pernambucana, por exemplo. Em 12 anos de seleção, Neymar nunca jogou uma partida assim, porque elas praticamente não existem mais.

A polêmica em torno do que é ou não oficial e da descontextualização histórica dos feitos de Pelé dá assunto até hoje, pois exclui das contas uns 20% do tempo de carreira do Rei.

Por isso, muitos dos recordes estabelecidos por Pelé estão sendo batidos ano a ano por caras como Messi, Cristiano Ronaldo e daqui a pouco Neymar. Mas o Rei e a equipe que cuida de sua imagem decidiram não comprar briga ou entrar em polêmica. Pelo contrário, o projeto de comunicação pretende direcionar sua imagem apenas para fatos positivos, sem guerra de bastidores por marcas e números. Pelé elogia, afaga e traz para perto os ídolos da atualidade. Não vai ser diferente quando Neymar fizer os três gols que estão faltando.

Lucas Figueiredo/CBF

Recorde de gols não é o único: o que vem pela frente para Neymar?

Apesar de ter aproximado Neymar do recorde de Pelé principalmente graças aos três gols marcados em junho, a temporada não foi muito generosa com o camisa 10.

Ele perdeu quatro meses por causa de uma lesão no tornozelo e encerrou 2021/2022 com apenas 36 jogos, seja pelo Brasil ou pelo PSG. Fez 18 gols e deu 12 passes para gol — os piores números desde que pisou na Europa.

O que vem pela frente é quase um mês de férias. Durante a semana ele já desembarcou em Miami para curtir a primeira fase depois dos amistosos da seleção. O restante dos destinos ainda é desconhecido. Em julho ele volta para Paris, mas já é muito claro que todo o planejamento será direcionado para a Copa do Mundo.

A seleção tem mais dois jogos antes do Mundial. Em setembro, enfrenta a Argentina no jogo da Anvisa pelas Eliminatórias e também faz um amistoso contra uma seleção africana ou o México. Ainda não há data e local destes compromissos. Depois, a bola rola somente no dia 24 de novembro (quinta-feira), às 16h (de Brasília), no estádio de Lusail, contra a Sérvia. É a estreia no Grupo G da Copa do Mundo.

Neymar vai igualar ou passar Pelé em algum destes jogos? É a pergunta do milhão. Mas uma única vez que ele jogar será suficiente para que se torne o quarto com mais partidas na história da Amarelinha. Ele tem 119, atrás de Rivellino (120), Daniel Alves (123), Roberto Carlos (132) e Cafu (150). É recorde atrás de recorde.

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