Neymar: a marca

Como camisa 10 da seleção se tornou uma marca mundial avaliada em mais de R$ 1 bilhão e virou o rosto da Copa

Pedro Lopes Do UOL, em São Paulo Mehdi Taamallah/NurPhoto via Getty Images

Torcedores do Brasil que vão ao Qatar para assistir à Copa do Mundo dificilmente chegarão fisicamente perto de Neymar, mas o camisa 10 da seleção brasileira estará à vista de todos eles. A imagem do atacante é onipresente em materiais publicitários espalhados por todo o país que recebe o Mundial.

São outdoors colossais que cobrem de cima a baixo arranha-céus no distrito financeiro de Doha, capital do país-sede; fotos em tamanho real em agências bancárias; imagens e vídeos de campanhas publicitárias dentro do metrô e em caixas eletrônicos... Até participação nos vídeos de instruções de segurança da companhia aérea Qatar Airways ele fez.

Para além do que faz dentro de campo, Neymar se transformou em uma das maiores e mais valiosas marcas da história do esporte brasileiro, avaliada atualmente em R$ 1,06 bilhão — um processo que começou em 2013, quando ele ainda vestia a camisa do Santos, e que chega, na Copa de 2022, ao seu auge.

É, também, a concretização da ousada manobra marqueteira feita pelo PSG para tirá-lo do Barcelona em 2018. O clube francês tem como principal investidor e controlador o Qatar Investment Authority, órgão estatal vinculado ao governo que também investe nas principais empresas e bancos do país. Por isso, ao investir 222 milhões de euros na contratação de Neymar, o Qatar não contratava apenas dribles e gols, mas também um garoto propaganda com alcance mundial para o evento que viria a sediar anos depois.

O segundo episódio da série especial 'Neymar e o mundo' irá explicar como o jogador brasileiro se tornou uma megamarca, e como seu peso publicitário e presença midiática afetaram os clubes pelos quais passou — incluindo a própria seleção brasileira.

O futebol brasileiro tem uma longa linhagem de grandes jogadores, que fizeram coisas incríveis dentro de campo, mas a maioria deles perde, de lavada, para Neymar quando se fala em presença publicitária. O desenvolvimento da marca começou quase que por acaso, quando o Santos resolveu fazer uma manobra ousada para adiar em alguns anos a inevitável saída de sua revelação para a Europa.

O ano era 2010, e Neymar já era alvo de um intenso assédio de grandes clubes da Europa, dentre eles o Real Madrid. Tanto o Santos como a família do jogador concordavam que seria benéfico para a sua carreira permanecer no Brasil por mais alguns anos e conquistar um grande título, mas existia um obstáculo: o que os europeus ofereciam para contar com o atacante era totalmente fora da realidade brasileira. O alvinegro não conseguia competir.

A solução veio por meio de um plano de marketing construído pelo clube e por Neymar da Silva Santos, o pai de Neymar. A família do jogador fundou uma empresa, e foi amarrado um acerto incomum no futebol brasileiro: a empresa ficaria com 70% da receita de todos os patrocinadores atraídos pelo atacante. Ao Santos restava a fatia de 30%. Nos anos seguintes, os percentuais do alvinegro diminuíram até que 100% da renda dos patrocínios passou a ficar com Neymar e seu pai.

Para o Santos, foi um jeito de manter seu melhor jogador sem esvaziar os cofres. Para Neymar, uma forma de seguir atuando no Brasil com remuneração de Europa. Em 2013, entretanto, o Barcelona finalmente tirou o atacante da Vila Belmiro. Mas a máquina de gestão de imagem já estava em movimento, a marca Neymar já tinha ganhado tração e os patrocínios só aumentaram. O pai do atleta criou novas empresas e uma estrutura profissional voltada exclusivamente para o gerenciamento da imagem do filho.

Neymar da Silva Santos está envolvido em cada passo da gestão da marca e imagem de Neymar Jr. Desde que deixou um emprego na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) em 2009, "seo Neymar", como é chamado pelos funcionários, dedica-se exclusivamente a cuidar da carreira do filho. É ele quem tem a palavra final nas decisões que envolvem as relações comerciais da marca.

A atuação do pai de Neymar foi retratada pelo UOL na matéria "Neymar S/A: a engrenagem por trás do maior jogador de futebol do Brasil", publicada durante a Copa do Mundo da Rússia em 2018 e indicada ao True Story Awards em 2019. Ao longo dos anos, o empresário e pai do camisa 10 da seleção brasileira ganhou fama como um negociador duro e presença constante em todas as decisões que envolvem o filho.

Dos posicionamentos políticos de Neymar Jr, como o apoio a Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014, a negociações difíceis com empresas e clubes pelos quais o jogador passou, e até as relações com veículos de imprensa, tudo na última década envolvendo o principal jogador brasileiro da atualidade passou por Neymar pai, sempre com poder de decisão. Em várias dessas ocasiões, sem participação do próprio atleta.

No Brasil e no exterior, o pai de Neymar se tornou uma figura polarizante. Cobrou duramente o Barcelona por valores devidos quando houve a transferência para o PSG. No episódio mais polêmico da sua trajetória, orquestrou o recebimento de 40 milhões de euros a título de direito de preferência do Barcelona quando o filho trocou Santos pela Catalunha em 2013 — o valor pago pelo Barça ao alvinegro foi bem menor do que o recebido pela família do jogador: cerca de 17 milhões de euros.

A manobra deflagrou uma disputa judicial com autoridades fiscais de Brasil e Espanha que tem desdobramentos até hoje, questionando os valores de impostos devidos sobre a transação. Os 'Neymares', pai e filho, mantêm relação próxima até hoje, e estarão juntos em Doha enquanto o Brasil disputa o hexacampeonato mundial.

É o meu trabalho como gestor fazer uma programação e um planejamento de carreira pra ele. Eu já falei várias vezes que a carreira de jogador de futebol é muito curta. O Neymar não teve tempo de estudar pra ser médico, advogado, jornalista. Ele se dedicou a ser um profissional de futebol e disso ele tem que viver o seu pós-carreira. O nosso grande desafio é fazer um planejamento pra que ele, quando parar de jogar futebol, possa seguir sua vida da mesma forma."

Neymar pai, em entrevista exclusiva ao UOL em 2019.

Ler mais

Ele é a nossa empresa. Eu sou presidente junto com minha esposa, e tem a minha filha que ajuda. É difícil. Você fala: 'Caramba, estou tratando meu filho como negócio'. Claro. O Neymar até certo ponto é meu filho, mas a partir do momento em que ele sai de casa, é meu negócio. É nosso trabalho."

Neymar pai, em 2011, no início da explosão midática do filho

Um bom FDP para eles. Para mim e para os meus clientes, o melhor."

Neymar pai, em conversa com seus funcionários em 2014 após ser criticado na imprensa

Para um grande clube ou para a seleção brasileira, os benefícios de ter Neymar são claros. Fora das quatro linhas, uma marca mundialmente conhecida e extremamente midiática pode gerar conflitos e saias justas. Aconteceu no Barcelona e até na seleção brasileira.

A minuciosa gestão de carreira do jogador originou um atrito com o Barça em 2015, quando a Nike, então sua principal parceira, começou a comercializar nas lojas oficiais do clube artigos com a imagem de Neymar. As empresas de Neymar pai, que não tinham sido envolvidas nas negociações, se incomodaram e subiram o tom, chegando a ameaçar providências judiciais. Foi proposto que o Barcelona negociasse diretamente com o pai do jogador um valor adicional para usar a imagem do atacante nas lojas.

Na seleção brasileira houve mais de um episódio. Em 2014, Neymar era patrocinado pelo Banco Santander e a seleção, pelo Itaú. Em um treinamento, o jogador foi filmado utilizando uma bicicleta com a marca do Itaú — o caso gerou um conflito interno entre Santander e o estafe dele. Em 2018, Neymar estrelou uma campanha da cerveja Proibida. A concorrente Ambev, que patrocinava a seleção e tinha exclusividade sobre as marcas da CBF, acionou a Justiça e tirou a campanha do ar. A CBF atuou ao lado da parceira, e contra a campanha estrelada por seu principal jogador.

Por contrato, os patrocinadores da CBF costumam ter o direito de utilizar imagens de jogadores da seleção em contextos coletivos ligados ao time. Por exemplo, é possível usar em uma propaganda uma foto de alguns atletas em um treinamento. As tentativas de usar a imagem de Neymar, entretanto, sempre foram foco de reclamações. Ao UOL, parceiros contaram que a resposta era sempre negativa quando tentavam algo do tipo. A orientação era para que negociassem diretamente com as empresas do pai do jogador.

Quando contratou Neymar do Barcelona por 222 milhões de euros em 2017, o PSG não estava buscando apenas um grande jogador. O objetivo sempre superou o clube francês. A ideia era ter no atacante brasileiro um garoto propaganda de peso para a Copa de 2022 no Qatar. É algo que estava sobre a mesa de negociações desde a primeira conversa.

A estratégia é explicada pela profunda ligação entre o clube francês e o governo do Qatar. O PSG é controlado pelo fundo Qatar Sports Investments (QSI), que tem como presidente Nasser Al-Khelaifi, que também preside o time parisiense. O QSI pertence ao Qatar Investment Authority, um fundo soberano de propriedade do governo.

O Qatar é uma monarquia praticamente absolutista. Isso faz com que a maioria das empresas do país tenham o governo nacional como um acionista relevante, na maior parte dos casos majoritário. Com isso, Neymar criou um vínculo com a família real qatari por meio do PSG. E isso abre as portas para uma série de negócios.

É por isso que o brasileiro pode ser visto estrelando campanhas das mais diversas empresas do país-sede da Copa de 2022, do Comitê Supremo para entrega e legado ao banco nacional, da companhia aérea até a principal operadora de telefonia.

O caminho de Santos até virar garoto-propaganda da Copa do Qatar e marca bilionária é marcado também por episódios graves. Em duas ocasiões nos últimos três anos Neymar foi acusado de violência contra a mulher. Uma delas esteve profundamente ligada a sua presença publicitária, sendo apontada pela Nike como causa da rescisão do acordo com o brasileiro.

Neymar trocou a Nike pela Puma em 2020 — na época, divergências financeiras foram apontadas como causas. A empresa estadunidense, entretanto, chocou o mundo ao divulgar que uma funcionária havia aberto um processo interno acusando o brasileiro de tentar forçá-la a praticar sexo oral. O incidente teria ocorrido em 2016 e a denúncia, em 2018. Em nota, a Nike ainda disse que a investigação interna foi inconclusiva por falta de provas.

Neymar já havia sido acusado de estupro em 2019 pela modelo Nájila Trindade — o caso foi alvo de investigação policial em São Paulo. Diante de contradições nos depoimentos da modelo e falta de provas conclusivas, o caso foi arquivado e o jogador não respondeu judicialmente.

A falta de provas e arquivamento das duas acusações contribuíram para que a imagem e o valor de mercado de Neymar não fossem afetados. Entre 2015 e 2016, ele faturava em torno de R$ 60 milhões em contratos publicitários por ano. Hoje, chega a ganhar o dobro disso. Sua carteira de parceiros comerciais é repleta de grandes marcas, como DAZN, Budweiser, Konami, Red Bull e outras.

A Nike ficou profundamente perturbada com alegações de abuso sexual feitas por uma de nossas funcionárias contra Neymar Jr.. O suposto incidente aconteceu em 2016 e foi oficialmente relatado à Nike em 2018. A funcionária se manifestou para relatar a experiência em um fórum criado pelas lideranças da Nike para fornecer um ambiente seguro onde funcionários e ex-funcionárias pudessem, confidencialmente, compartilhar suas experiências e preocupações.

Nike, em comunicado ao UOL em março de 2021

Neymar Jr. nega estas alegações. Semelhante às alegações de violência sexual feitas contra ele em 2019 -- alegações que as autoridades brasileiras julgaram Neymar Jr. como inocente -- estas alegações são falsas. Neymar Jr. vigorosamente se defenderá contra estes ataques sem base, caso qualquer alegação seja apresentada, o que não aconteceu até então.

Neymar, através de sua assessoria de imprensa, em resposta à Nike

Neymar chega ao Qatar aos 30 anos, no auge técnico da carreira de um jogador de futebol. Coincidentemente, também no auge de um projeto publicitário iniciado em 2017 com a maior transferência da história do futebol.

Na medida em que começa a se aproximar da reta final da carreira, o atacante brasileiro nunca deu pistas do que pretende fazer quando chegar o dia de pendurar as chuteiras. Fora dos gramados, divide seu tempo sendo embaixador de 24 marcas e mantendo hobbies como poker e games.

É justamente isso que pensa seu pai: todo o projeto de gestão de carreira do filho tem como principal objetivo permitir que a família do jogador mantenha fontes de renda e o mesmo padrão de vida quando os altos salários de atleta deixarem de ser uma realidade.

É uma missão difícil quando trata de centenas de milhões de reais, mas se há uma coisa capaz de manter a marca de Neymar em alta ao cruzar a barreira dos 30 anos e enriquecer seu legado, é a conquista da Copa do Mundo no Qatar.

Lucas Figueiredo/CBF

Neymar #1: O JOGADOR

O Felipão falava: 'não deixa esse demônio desse Neymar chutar'. Mas não tinha como. Ele infernizava. Felipão armava estratégia para marcar ele individual ou fazer a dobra, daqui a pouco ele tirava um drible da cartola ou uma chapada. Era muito diferente. Todo jogo ele fazia chover."

Zagueiros que levaram um baile de Neymar explicam porque ele deve quebrar o recorde de Pelé e dizem que não é absurdo compará-lo a Rei.

Ler mais

+ Especiais

Marcelo Justo/UOL

Em volta da primeira casa de Neymar está surgindo uma 'cracolândia'. Mas instituto do craque está evitando o caos.

Ler mais
Instituto Neymar Jr.

Neymar pagou R$ 600 mil por mês para manter 142 empregados de seu instituto durante a pandemia de covid.

Ler mais
UOL

Quase-parças: as histórias dos amigos de infância de Neymar que "perderam o bonde" da amizade com o camisa 10.

Ler mais
Topo