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História de vida inspira Lucas Veríssimo na briga pela única vaga aberta entre zagueiros na Copa do Mundo

Gabriel Carneiro e Gabriela Brino Do UOL, em São Paulo e Santos Divulgação

Lucas Veríssimo é o candidato da vez para a última vaga do quartetos de zagueiros da seleção brasileira para a Copa do Mundo do Qatar, em 2022. Além das unanimidades Thiago Silva e Marquinhos, Éder Militão foi quem se consolidou nas duas últimas rodadas das Eliminatórias e no vice-campeonato da Copa América, entre junho e julho deste ano. A sensação hoje é de que só uma lesão grave ou a perda de espaço muito fora da curva nos seus clubes — Chelsea, PSG e Real Madrid — podem tirar algum deles do radar.

Por isso, resta uma vaga. Nos jogos contra o Chile (nesta quinta-feira), Argentina (domingo) e Peru (no próximo dia 9), Lucas Veríssimo será observado de perto por Tite. O zagueiro do Benfica já tinha sido convocado uma vez, mas precisou ser cortado por lesão e atrasou um desejo já antigo da comissão técnica. Desde que ele defendia o Santos, em que atuou 187 vezes e se consolidou profissionalmente, ele desperta curiosidade de Tite & Cia.

A concorrência tem os nomes de Felipe (Atletico de Madri/ESP), Rodrigo Caio (Flamengo) e Diego Carlos (Sevilla/ESP), e o candidato da vez tem uma chance real na equipe. Chance maior, aliás, do que aquela que ele aproveitou para atingir o sucesso improvável da carreira que vive atualmente. Há cinco anos, Lucas Veríssimo era um jogador profissional sem contrato e com poucas perspectivas, que precisou ser abraçado pela família para manter o foco. Hoje, ele começa a ser visto com atenção por clubes europeus que estão um patamar acima do Benfica e sabe que a seleção é um passo importante para o objetivo ser alcançado.

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Jose Manuel Alvarez/Quality Sport Images/Getty Images

"Ninguém acreditava mais"

Lucas Veríssimo foi descoberto em uma Copa São Paulo de Juniores. O ano era 2013 e ele jogava pelo Linense, time do interior de São Paulo. Nascido em 1995, ele era titular de um time com jogadores até dois anos mais velhos e chamou atenção do observador Emerson Serra e do empresário Marcos Ribeiro. "Me disseram que o menino tinha cabeça boa e já treinava com o elenco profissional. Fui falar com a diretoria do Linense e ainda não sabiam se iam assinar contrato com ele. Acho que não acreditavam muito. Levei para o Santos por um ano."

A mãe do Lucas estava lavando pratos quando eu cheguei dizendo que ele ia ganhar R$ 2,5 mil no Santos. Ela começou a tremer e derrubou um prato, porque aquilo era a renda da família inteira. Ela colhia laranja na roça na época. Quando assinamos, o pai dele [que vivia de bicos na época] me abraçou chorando e dizendo que nunca esqueceria, ainda mais por ser no time do coração. Eu disse que ainda queria colocar o Lucas na Europa e na seleção."

A história do zagueiro na base do Santos foi turbulenta. Ele foi reserva em boa parte da formação. Quando estourou a idade da categoria júnior, ficou cerca de cinco meses sem nenhum tipo de contrato com o clube. Só treinava. Segundo Ribeiro, "ninguém acreditava mais". O empresário tentou abrir o mercado, mas o jogador achou que seria difícil vingar numa troca de clube, em um ambiente totalmente novo.

Há cinco anos, o zagueiro da seleção não passava de uma incerteza.

Divulgação

O apoio da velha e da nova famílias

No momento de dúvida sobre o futuro (e em vários outros anteriores a este), o jogador sempre coloca a família como responsável por ajudar a manter o foco. Aos 18 anos, quando morava longe dos pais e sozinho no alojamento da Vila Belmiro, ele ganhou mais companhia.

"Nós estávamos namorando há sete meses e eu era a pessoa mais próxima dele em Santos. Até que teve uma vez em que ele ficou bem doente e meus avós decidiram chamá-lo para morar com a gente. Ele ganhou esse apoio, mas precisava ir todos os dias a pé por uns 40 minutos para o treino. Só quando meu avô estava em casa que levava e buscava", conta Amanda Farias, a namorada que virou esposa e mãe dos dois filhos de Lucas Veríssimo.

Perguntada pelo UOL sobre outros momentos delicados em que o apoio familiar foi essencial, Amanda se lembra de dois:

"Eu até me emociono, porque a diretoria do Santos prometeu a venda dele para o futebol internacional várias vezes e na hora H desistiu e não cumpriu. Em uma dessas vezes, ele chegou em casa, foi para o banheiro e se acabou de chorar. Outro momento é mais recente, quando ele foi cortado da seleção por lesão. Nesse dia, fizemos uma ligação de vídeo para os pais dele e uma oração", lembra Amanda, antes de completar:

"A vida dele nunca foi fácil, ele lutou muito para ter o que tem hoje. Vê-lo jogando na Europa e indo para a seleção é uma alegria que nem cabe em mim."

Ivan Storti

De Dorival a Cuca, 187 jogos

Depois destes meses treinando no Santos sem contrato, e também sem a intenção de sair, Lucas Veríssimo conseguiu um vínculo de um ano para jogar no time sub-23. Era a última chance.

Na época, o técnico do time profissional era Dorival Júnior e isso fez diferença. Desfalcado do experiente David Braz num amistoso de pré-temporada em 2016, ele chamou o novato para o time. "Tinha começado a observá-lo um pouco na base, depois tivemos o problema com o Braz e eu fui ver o treino do sub-23. O treinador me disse que ele tinha uma possibilidade de empréstimo, mas eu falei 'não, amanhã ele começa com a gente [no time profissional].' Ele subiu e entrou muito bem."

Lucas Veríssimo teve alguns jogos até o titular voltar de lesão. Em outubro daquele ano, na tentativa de recuperar espaço, foi escalado num amistoso contra o Benfica que marcou o centenário da Vila Belmiro e a despedida do lateral-esquerdo Léo e cometeu dois pênaltis. A afirmação ficou para o ano seguinte, quando finalmente ganhou confiança e vingou com a camisa do Santos. Além de Dorival, trabalhou com Levir Culpi, Jair Ventura, Jorge Sampaoli, Jesualdo Ferreira e (duas vezes) Cuca. Nunca mais saiu do time e se despediu com 187 jogos.

O último foi a final da Libertadores de 2020. Ele foi eleito um dos melhores zagueiros do torneio, mas perdeu a final para o Palmeiras. Já estava vendido ao Benfica por 6,5 milhões de euros (R$ 43,2 milhões, na cotação da época).

Tivemos uma atenção muito grande com o Veríssimo e melhoramos alguns aspectos para a sequência dele. Fico feliz pelo sucesso, crescimento e forma como evoluiu. Ele até poderia ter saído do Santos não fosse eu ter visto aquele treinamento. Para mim, foi importante poder ter dado essa chance ao Lucas. Para ele, principalmente, foi importante abraçar essa condição e se sentir preparado para executar a função."

Dorival Júnior, ex-técnico de Lucas Veríssimo

O Lucas evoluiu numa proporção impressionante. Ele nunca foi um cara acomodado ou se sentiu satisfeito com o momento que vivia. E, acompanhando depois da minha saída, dá para ver que era isso que ele pensava. Aos poucos, foi acrescentando, melhorando e buscando uma nova condição. Tecnicamente, ele tinha muitas qualidades e aprimorou todas. Acredito que não tenha chegado ao limite do desenvolvimento."

Sobre o futuro do zagueiro

Miguel Riopa/AFP

Seleção está de olho faz tempo

Lucas Veríssimo foi convocado pela primeira vez para a seleção principal em maio. O objetivo eram duas rodadas das Eliminatórias e a chance de estar na Copa América. O problema é que uma semana depois ele foi substituído num jogo do Benfica contra o Vitória de Guimarães e teve diagnosticada uma lesão muscular na coxa direita. Foi cortado e se ausentou de um raro período de 40 dias.

A segunda convocação foi feita agora, para os jogos de setembro, o que prova que a comissão mantém a intenção de observá-lo de perto. Segundo apurou o UOL, Veríssimo começou a ser acompanhado ainda nos tempos de Santos. Entre dezembro e janeiro, quando o time jogou quartas, semi e final da Libertadores, foram quatro jogos vistos presencialmente por auxiliares e pelo próprio Tite, além de impressões de treinadores e dirigentes sobre o comportamento fora de campo.

O desempenho na vitória santista por 3 a 0 sobre o Boca Juniors é tido como exemplar. Ele teve sete ações defensivas importantes, errou poucos passes e ainda ajudou o time ofensivamente com bolas longas precisas. Naquele dia, ele sangrou depois de uma dividida e precisou levar pontos na cabeça no intervalo.

A convocação era questão de tempo, mas a rápida adaptação ao Benfica contou a favor. O domínio das funções da posição, como agressividade, precisão no ar e força no um contra um, além da técnica elevada (como os outros zagueiros da seleção) foram outros trunfos.

Ele tem futebol para ser zagueiro da seleção na Copa do Mundo?

Colunistas do UOL respondem

UOL

Danilo Lavieri

"Ele foi um bom zagueiro no Santos e certamente merece ter chance. O que vimos dele, no entanto, ainda não o coloca entre os meus favoritos. Ele precisa ser testado em um futebol mais competitivo do que o brasileiro para provar que tem condições de disputar a Copa. Seu início na Europa e os treinos com a seleção na concentração para as Eliminatórias podem ser decisivos. Hoje, ainda vejo atrás de Thiago Silva, Marquinhos e Militão."

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UOL

Marília Ruiz

"Se o técnico da seleção for o Tite, e eu acho que vai ser, é pouco provável que ele seja titular no Qatar. É um técnico muito conservador e ligado aos jogadores nos quais confia. Estamos falando de um bom jogador, mas sem lastro suficiente na carreira para ser aposta numa competição de alto rendimento. Pode estar no grupo, mas está atrás de alguns. Tecnicamente, para mim, até do Diego Carlos."

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UOL

Bruno Andrade

"Já era jogador de nível de seleção quando defendia o Santos. Chegou ao Benfica para acertar não só a defesa, mas todo o time. Jorge Jesus passou a jogar com três zagueiros por causa da chegada dele, determinante para o ataque crescer de produção, inclusive Cebolinha. Hoje, o ex-santista é peça preponderante no sistema. Tem sido exímio na marcação e decisivo na saída de bola com qualidade. Tite agradece."

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Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

Os concorrentes

  • Felipe

    Jogador do Atlético de Madri tem seis convocações em 13 no ciclo para o Qatar. É conhecido de Tite, titular na Europa e dono de desempenho recente regular.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Rodrigo Caio

    Tem quatro convocações desde a Copa da Rússia e é bem avaliado. Fez quase um jogo inteiro nas Eliminatórias contra o Peru e é monitorado de perto no Flamengo.

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  • Diego Carlos

    Foi convocado para dois jogos das Eliminatórias em 2020, mas não jogou. Afirmado no Sevilla, foi um dos três acima de 24 anos campeões olímpicos no Japão.

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  • Léo Ortiz

    Jogador do Red Bull Bragantino foi convocado para o mata-mata da Copa América neste ano, após o corte de Felipe. Nível nos treinamentos foi elogiado.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Samir

    Foi convocado para amistosos em outubro de 2019, não foi lembrado outras vezes, mas segue no radar. Más campanhas recentes da Udinese atrapalham.

    Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
  • Nino

    Nunca foi convocado por Tite, mas está na lista de jogadores observados ao longo dos últimos meses pelo Fluminense. Foi titular do ouro olímpico este mês.

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Miranda

    Voltou a ser convocado depois de dois anos por causa do corte de Thiago Silva. Aos 36 anos, joga no São Paulo e não desistiu de uma chance no Qatar.

    Imagem: Pedro Martins / MoWA Press
  • Outros

    Além dos nomes já destacados, Tite já convocou Dedé e Pablo (duas vezes cada), mas tirou do radar. Roger Ibañez (Roma) e Luiz Felipe (Lazio) são jovens em alta.

    Imagem: Matteo Ciambelli/DeFodi Images via Getty Images
Divulgação

Vida longa no Benfica?

Menos de três semanas depois de sair do Santos, Lucas Veríssimo já estreou como titular do Benfica contra o Arsenal, pela Liga Europa. Foram só três jogos no banco até se firmar com o técnico Jorge Jesus jogando em linha de três zagueiros com o argentino Otamendi e o belga Vertonghen — o brasileiro Morato ex-São Paulo, conquistou espaço nesta temporada.

Ele já se aproxima dos 30 jogos pelo novo clube, uma marca muito precoce para jogadores recém-saídos do futebol brasileiros. Em agosto, ele viveu altos e baixos: dois gols marcados no Campeonato Português e uma expulsão no último playoff da Liga dos Campeões, contra o PSV. Sorte que seu time segurou a vantagem e avançou para a fase de grupos, que terá Barcelona, Bayern de Munique e Dinamo de Kiev.

Titular consolidado na elite do futebol europeu, o novo zagueiro da seleção já foi chamado por Jorge Jesus de "imbatível em ações individuais". O treinador ficou encantado por Veríssimo quando trabalhava no Flamengo e fez força pela contratação em Portugal. Agora, já começa a ter medo de perdê-lo no mercado.

Sondagens que ligam o nome do jogador ao futebol inglês já são disparadas na imprensa internacional. "Tenho certeza que, se ele continuar assim, o Benfica não segura na próxima temporada", diz o antigo empresário Marcos Ribeiro.

A chance de estar na seleção amplia o mercado e o plano de jogar a Copa do Mundo do Qatar pode levar o nome a um novo patamar. Tudo começa nesta semana.

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