Em busca de se reerguer

Dedé fala sobre lesões, mágoas e busca por um destino para se reencontrar no futebol

Guilherme Piu e Henrique André Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte (MG) Washington Alves/Cruzeiro

Uma contratação de peso, um dos maiores investimentos da história do Cruzeiro. A passagem de Dedé pela Toca II gerou diferentes sentimentos ao longo dos quase oito anos do zagueiro em Belo Horizonte.

Dos capítulos de amores e dissabores, Dedé escreveu seu nome em páginas de alegria pelos títulos importantes, como o bicampeonato brasileiro [2013 e 2014], o bi na Copa do Brasil [2017 e 2018], os três troféus no Campeonato Mineiro [2014, 2018 e 2019] e convocações à seleção brasileira com a ajuda do Cruzeiro, mas sentiu tristeza e [muita] dor por causa das lesões.

No período em que vestiu o uniforme cruzeirense foram quatro cirurgias entre 2014 e 2021, e mais de 1.700 dias - no somatório geral -- afastado das atividades, até ter o seu vínculo [que era válido até o fim do ano] ser rescindido no último 1º de julho, após acordo milionário na Justiça, exatamente no dia do aniversário - de 33 anos -- do jogador. Um presente, já que depois de quase dois anos, Dedé reúne novamente condição de retornar aos gramados.

Washington Alves/Cruzeiro

A dor física e cabeça forte para superar calvário de lesões

As quatro cirurgias nos joelhos ao longo dos últimos anos tiraram Dedé de combate no Cruzeiro por 1.729 dias - número contabilizado até o fim do contrato do jogador com a Raposa, já que, de lá para cá. essa contagem aumentou. Ela seguirá aumentando até que os empresários do atleta fechem acordo com um novo clube.

Enquanto se recuperava para voltar aos gramados, a cabeça de Dedé foi tomada por pensamentos diversos, como medo e a dor física, que o impediam de fazer o que ele mais gosta: jogar futebol.

Apesar dos momentos de preocupação, tensão e dúvidas o jogador disse ter trabalhado bem sua força mental para sustentar não só o seu peso corporal, mas também o peso da consciência.

"Foi um tempo de momentos dolorosos fisicamente, não psicologicamente, a cabeça ficou sempre boa. Eu trabalho bem com a cabeça, sou tranquilo, acredito muito em Deus e também na minha capacidade. Em momento algum eu deixei de trabalhar, de buscar minha recuperação. Foi intenso mesmo e bem difícil. Vários profissionais me ajudaram, porque sozinho eu acho que não conseguiria", disse Dedé em entrevista ao UOL Esporte.

Washington Alves/Cruzeiro

Pensamento em deixar o futebol passou pela cabeça

As dores nos joelhos de Dedé o impediam não só de exercer bem suas funções dentro de campo, mas o atrapalhavam na missão de ser pai. Após jogar tantas vezes à base de remédios, o zagueiro via Gabriel, seu primogênito e hoje com quase cinco anos, chamá-lo para brincar. O pedido muitas vezes não podia ser atendido por causa da dor no joelho. Issoque por alguns momentos fez o camisa 26 pensar se o seu futuro seria longe do futebol.

"Falar, assim: 'caraca, vou parar', isso nunca saiu de mim. Mas o 'será que eu vou conseguir, será que é o momento de dar uma pausa e pensar em outra situação?' Isso não foi apenas uma vez, foram cinco, seis vezes. Conviver com dor é muito difícil", revelou.

Devoto de Nossa Senhora, Dedé frequentava junto com a esposa Patrícia, em Belo Horizonte, a Paróquia de Nossa Senhora da Consolação e Correia, no Santo Agostinho, um bairro da região Centro-Sul da capital mineira. Muito religioso, o zagueiro se apegou à sua fé para seguir acreditando e confiando que voltaria a jogar futebol, mesmo após os grandes desafios da vida.

"É uma sensação inexplicável de crença, de fé, isso tudo que me move, de acreditar nas coisas que traçamos para nossa vida. Tenho uma frase bem importante, que é: a gente só carrega o fardo que nos pesa. Papai do Céu colocou esse fardo para eu carregar, e eu não posso fugir disso e desistir. Eu vou carregar, se for para batalhar em cima de outra lesão, vou batalhar, até o momento que eu disser 'cansei', não dá mais. Só que como eu não cansei, eu busco sempre mais"

Washington Alves/Cruzeiro

Apesar das dificuldades, lesões e de momentos ruins na carreira, tive coisas que Papai do Céu quis que fosse assim. Não que Deus tenha dito que eu tenha merecido essas lesões, mais algum propósito teve, um significado. Quem sabe para que eu possa ser instrumento de outras pessoas, influenciá-las a não desistir da vida, do foco, dos objetivos. Eu não posso deixar de ter fé, principalmente em Deus, e na minha capacidade

Dedé, zagueiro

Eu com a minha crença, acredito muito em Deus, em Nossa Senhora, que me ampara, me dá uma proteção muito grande quando entro em campo. É psicológico, mais pela religião. Creio e acredito muito que isso me fortalece

Dedé, zagueiro

Amor e mágoas no Cruzeiro

A relação de Dedé no Cruzeiro terminou em 2021 estremecida, com parte dos torcedores deixando de idolatrar o jogador. Essa brusca mudança de sentimentos de chateou o zagueiro, que ao longo dos últimos anos se reservou longe dos holofotes, da mídia e sem entrevistas, para "digerir" e perdoar certas situações.

"Eu não julgo o clube, quem me conhece sabe a gratidão que eu tenho pelo Cruzeiro, do amor e carinho que eu tenho pelo clube, e vou ter pelo resto da minha vida. Sem querer like, nada. A instituição é que eu vejo, sonho, gosto e que está marcado, estampada na minha casa, independentemente se sou idolatrado, se estou na história ou não. O meu sentimento pelo clube é enorme", comentou.

Chamado de "mercenário e ingrato" por alguns torcedores, Dedé se viu no meio de um mal-entendido após declarações do então diretor de futebol Ocimar Bolicenho, que esteve na Toca II no início de 2020.

"Alguns torcedores duvidaram do meu caráter, da minha índole, falaram da minha lesão da forma que falam, de ingratidão, que sou mercenário. Até bom citar que o começo de todo esse julgamento surgiu por uma situação que o Ocimar [Bolicenho, ex-diretor de futebol] que estava na diretoria, que disse que eu não diminuiria meu salário, mas ele falou de uma forma errada, não teve nada disso, tanto que teve sim a diminuição do meu salário. Ele me ligou depois e pediu desculpas", contou.

Sobre a atual diretoria, comandada por Sérgio Santos Rodrigues, que atualmente é um dos grandes alvos do torcedor - que pedem até a renúncia do presidente --, Dedé também revelou mágoas. "Não me ligou nenhuma vez nem para me desejar ótima cirurgia. Não teve contato", lamentou.

Ale Cabral/AGIF

Conversas e sondagens dos grandes brasileiros

Enquanto estava no auge com a camisa do Cruzeiro, com convocações para a seleção brasileira e até figurando em pré-lista para a Copa do mundo de 2018, Dedé despertou interesse de grandes clubes. O jogador chegou a figurar dentre as possibilidades da Juventus (ITA) ao fim de 2014, e no Lyon, após sua redenção, em 2018. Porém, acabou ficando no Cruzeiro em todas essas situações.

Mesmo após sua última lesão, Dedé garante que seu nome ainda ecoa forte nas reuniões de muitos clubes importantes do Brasil. Proposta oficial mesmo teve do Atlético-MG, ainda sob o comando de Sérgio Sette Câmara, que presidiu o Galo até o ano passado.

"Todo mundo sabe que teve do Atlético-MG na época do Sampaoli, de me convidarem [para jogar no clube]. Pensei em várias coisas, o momento também, eu não estava bem fisicamente. Jamais vou querer atrapalhar ninguém. Eles me ofereceram cuidados [médicos], mas eu não estava bem fisicamente. Disse que faria um treinamento mais firme para dar uma resposta para qualquer clube", comentou.

Nos últimos meses outras equipes buscaram informações sobre a real e atual situação do zagueiro.

"Hoje o que tem são sondagens, ligações para o meu empresário. Por exemplo, além do Atlético-MG, a Chapecoense ligou perguntando sobre meu estado físico. O Vasco ligou, o Flamengo ligou, muitos perguntam por que sabem da minha história, do meu caráter, minha capacidade de retorno, até isso ficou marcado. Inter, Grêmio, quase todos os times do futebol brasileiro entraram em contato", garantiu.

Bruno Haddad/Cruzeiro

A torcida me julgou por isso, um cara que estava há sete, oito anos no clube. Nunca deixei de treinar, nunca deixei de correr, nunca faltei a treino, nunca cheguei atrasado, sempre cheguei antes e fui um dos últimos a sair. Julgar o caráter de alguém que sempre se entregou machuca pra caramba. Não quero que o torcedor, os que me julgam, fiquem comovidos com o que estou falando. Não tem como eu ter mágoa das coisas, mas as pessoas julgaram muito o meu caráter, atacaram minha família, minha sobrinha de nove anos, minha esposa. Na pandemia eu tentei ajudar algumas pessoas, e até essas estavam sendo atacadas. Foi grave

Dedé, zagueiro

Dedé topa contrato de produtividade para voltar a fazer o que gosta

Há quase dois anos sem jogar uma partida oficial, Dedé tenta voltar a fazer o que mais gosta e se dedica agora em alcançar um melhor preparo físico. Com a cabeça "mais em dia", o momento é de colocar em prática um ditado milenar: "mente sã, corpo são".

"Eu penso em jogar, independentemente do lugar. Penso em viver a vida do jogador de futebol mesmo. Tenho plenas condições de jogar em alta performance, lógico, preciso de cuidados como todos os atletas precisam".

Sem propostas oficiais até o momento, Dedé não quer assustar possíveis interessados pelo seu histórico recente de um salário mais elevado no Cruzeiro. Pelo contrário, a realidade atual faz o jogador entender que sua felicidade está em um patamar mais elevado do que o dinheiro.

"Bem fisicamente eu já estou. Se eu for para um clube as pessoas já entenderão para o que eu vou. Entender como eu estou indo, como eu vou jogar, é assim que eu penso que deve acontecer. Joga um jogo, o outro espera. Receio de clubes pode ser a questão salarial, então se for, esquece, eu penso só na questão da produção. O que eu render pelo clube para voltar ao cenário, isso é importante citar", confirmou.

"Será assim. Eu estou disposto a fazer produtividade, acho justo, até por de repente não conseguir atuar em todos os jogos por precisar de uma atenção a mais fora da grama, nos bastidores em relação ao treinamento físico, algo mais específico", concluiu.

Bruno Haddad/Cruzeiro

Estou disposto a fazer um contrato de produtividade. Na verdade eu serei ajudado, mais ajudado do que ajudar o clube. Sendo sincero. Jogando um ano, se o clube quiser renovar, a gente faz algo que seja melhor para as duas partes. Lesão de joelho requer muita concentração, dá um desgaste psicológico grande, e olha que sou forte. É que você precisa ganhar força muscular na coxa e para isso tem que fazer movimentos onde gera dor. É difícil pra caramba, mas passei por momentos disso, isso só me fortaleceu

Dedé, zagueiro

Ale Cabral/AGIF Ale Cabral/AGIF
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