Com os dias contados

Sob a calmaria do litoral catarinense, Cesar Cielo espera ver pela TV seus recordes mundiais serem quebrados

Demétrio Vecchioli Colunista do UOL Esporte Adriano Vizoni/Folhapress

Há doze anos, um brasileiro é onipresente na natação mundial. Desde 2009, ele é o parâmetro para toda e qualquer competição adulta realizada nos quatro cantos do planeta. Quem acessa os resultados do campeonato nacional do Sri Lanka, da Romênia, da Austrália ou das Bahamas, também recebe a informação de que nunca um homem nadou os 50 metros livre mais rápido do que Cesar Cielo; de que jamais alguém nadou 100m metros em menos tempo do que Cesar Cielo.

Esse reinado, porém, está prestes a acabar. Brasileiro que mais tempo ficou sentado no trono de recordista mundial, e também homem com mais longo reinado como o mais rápido nadador do mundo, Cielo aposta que seu recorde dos 100m cai logo no primeiro dia das Olimpíadas, quando será disputado o revezamento 4x100m livre. O dos 50m livre, então, dias depois.

"É improvável que os recordes sobrevivam a esses Jogos Olímpicos", diz o brasileiro, que não se ressente. "Não era uma coisa que eu almejava. Nunca pensei que duraria tanto tempo. Meu foco era ser o melhor velocista da minha geração. Eu sempre vi a quebra dos recordes como algo que é inevitável acontecer", continua.

Aos 34 anos, Cesão, que é conhecido por todos no mundo da natação, ainda é um nadador, mas que não almeja mais grandes resultados porque já não tem mais o tesão que o impulsionou a treinar duro para ser o melhor do mundo. Ainda assim, que ninguém seja tolo de cravar que sua carreira acabou. "Tudo pode mudar, meu corpo ainda aguenta muito. Por que não? Se daqui três anos der na cabeça que quero alguma coisa..."

Adriano Vizoni/Folhapress

Primeiro nos 100m livre

Cesar Cielo estava na hora certa no lugar certo. O brasileiro, então com 22 anos, vivia no auge da forma enquanto três marcas de roupas de natação travavam uma corrida tecnológica sem precedentes no esporte olímpico. A disputa acabou quando a marca Jaked colocou no mercado um maiô de poliuretano que cobria do tórax ao tornozelo.

Era o primeiro semestre de 2009, e os recordes das provas de velocidade começaram a cair um atrás do outro, beneficiando quem tinha acesso àquele material. Antes do Mundial de Roma, no meio do ano, a Federação Internacional de Natação (Fina) decidiu que, a partir de 2010, os trajes tecnológicos seriam proibidos. Depois do Réveillon, só seriam aceitos maiôs de produtos têxteis.

Foi nesse contexto que Cesar Cielo nadou a final do Mundial de Roma nos 100m livre, em 30 de junho de 2009. "Eu estava mais preocupado em vencer a prova do que em quebrar o recorde em si. Eu tinha na cabeça que queria fazer 46 (segundos), mas basicamente porque achei que seria o suficiente para ganhar a prova". E foi. Com 46s91, Cielo superou o francês Ailan Bernard, então recordista, e se consagrou campeão mundial pela primeira vez.

Matthias Hangst/Getty Images

Depois, nos 50m livre

Seis meses depois, 13 dias antes de os trajes serem para sempre banidos da natação, Cielo estava em casa, na piscina coberta do Pinheiros, seu clube, para nadar o Campeonato Brasileiro. Ali, decidiu não gastar energia tentando melhorar o recorde dos 100m, mas sim focar nos 50m e desbancar o recordista da prova mais curta, o francês Frédérick Bousquet, seu companheiro de treino nos Estados Unidos.

"Calhou de o recorde ser de um companheiro de treino meu, então tinha uma coisa pessoal minha com aquele tempo. Não só com o recorde em si", admite o brasileiro, que não imaginava que a proibição dos trajes acabaria por proteger seu recorde, de 20s91, por tanto tempo.

"A gente não saiba qual era o impacto dos trajes até aquele momento. Eu lembro que pensei: se eu não tentar agora, tento ano que vem. A gente não tinha ideia da diferença de tempo, só foi ver depois", lembra. No ano seguinte, os tempos dos 100m livre voltaram para um patamar de, em média, sete décimos acima. Desde então, a distância até os recordes de Cielo vem caindo ano a ano.

Nos 50m, é barbada. Caeleb Dressel está um passo à frente de todo mundo, segundo Cielo, e já tem o terceiro e o quarto melhores tempos da história. Se alguém bater o recorde, será ele. Nos 100m, o brasileiro vê uma briga boa. "Achei o máximo a postura que o (australiano Kyle) Chalmers teve no Mundial de 2019. Ele não só foi para cima do Caeleb, como quase ganhou", diz o recordista, antes de divagar: "Fico imaginando como seria a nossa geração contra a deles. Eu, Busquet, Bernard. É uma questão de macho alfa. Quem é o macho alfa que ia sobreviver a essa briga?".

Adriano Vizoni/Folhapress Adriano Vizoni/Folhapress

Palpites para Tóquio-2020

Eu acho que o Bruno (Fratus) é a nossa medalha das Olimpíadas. Acho improvável ele não ganhar. O problema é que a gente tem cinco caras brigando por dois lugares no pódio. O cenário ideal é o Bruno pegar uma raia que não fique tão próxima do Dressel, porque vai ser mais fácil para ele se centrar na prova dele.

Cesar Cielo

Eu não ficaria surpreso se o revezamento 4x100m chegasse ao pódio, mas acho que, na situação atual, Rússia e EUA estão um passo à frente de todo mundo. A natação do Brasil parece não estar nadando em seu melhor tempo, mas o que conta é tirar na hora. Pode chegar em terceiro, mas pode também chegar em sexto.

Cesar Cielo

Nadar o revezamento no Mundial de 2019 atrapalhou bastante a agenda do Bruno. Ele teve que se preparar correndo, raspar antes da hora. Não sei se ele vai nadar, mas, se nadar, com certeza estará na minha escalação. Acho que ele está certo de jogar todas as forças para os 50m.

Cesar Cielo

Eduardo Kanpp/Folhapress

Nem para frente, nem para trás. Para o lado

Sem disputar uma grande competição desde o final de 2018, quando se tornou, no Mundial de Piscina Curta, o brasileiro com mais medalhas mundiais em todas as modalidades olímpicas, Cielo acredita que cumpriu seu objetivo na natação: ser o grande nome de uma geração de velocistas, como foram os americanos Matt Biondi e Tom Jager, o russo Alexander Popov e o holandês Pieter van den Hoogenband.

A verdade é que esse cinturão, do melhor da geração de Cielo, ainda está em jogo, mesmo que o brasileiro muito dificilmente o perca. O canadense Brent Hayden voltou à natação aos 37 anos, depois de sete anos parado, e está em Tóquio. Claro que esse retorno serviu para os fãs incentivarem Cielo a fazer o mesmo. Por enquanto, sem efeito. Mas, vai saber?

"Eu dei um passo para o lado, decidi trabalhar com natação mais como mentor e menos na alta performance. Só que tudo pode mudar. Meu corpo ainda aguenta muito. Meu parâmetro de treino, que é quando fui campeão do mundo, é um parâmetro altíssimo, e não me vejo passando por isso de novo. Mas, por que não? Se daqui três anos der na cabeça que quero alguma coisa... Ainda assim, aqueles resultados que a gente viu —campeão do mundo, recorde mundial— já estão no meu passado. Vai muito do preço que a gente está disposto a pagar", afirma.

Por enquanto, Cielo continua treinando, mas não para fazer parte de seleções. Tanto que ele sequer tentou participar da seletiva olímpica. "Não estava treinando para isso. Treinei fortemente só até 2019, mas já não estava treinando para fazer bons tempos. De qualquer forma, na hora que bater aquela vontade extra, a piscina está ali. Nesse momento, sinto que, fora da água, eu posso contribuir mais do que dentro da água."

REUTERS/Paulo Whitaker REUTERS/Paulo Whitaker

César Cielo, o torcedor

Cesão foi do palco para a arquibancada. De ídolo a fã. Virou um consumidor "fanático" de natação, que acompanha de perto, diariamente, os resultados dos garotos que, como ele já fez, lutam para colocar seu nome na história. E não deixa de pensar o que teria sido.

"Gosto da evolução técnica do esporte. Me atento quando um atleta faz uma braçada diferente e me questiono: será que essa braçada teria sido legal antes?", conta. Mas o que mais atrai Cielo é a evolução dos métodos de treinamento. Ele cita especialmente os do norte-americano Michael Andrew, que é treinado pelo pai em uma piscina nos fundos de casa, com um novo sistema que ganhou o nome de Ultra Short Race Pace Training.

Em resumo, Andrew treina pouco, em intensidade altíssima. "Tem hora que eu tenho vontade de fazer esse sistema de treino. O que será que daria? Ele desenvolveu a velocidade dos 50m livre e o endurance dos 200m medley. E aí eu fico pensando: 'Será que na minha época eu teria conseguido nadar os 200m livre também? Não que eu gostaria, porque eu odiava. Mas não sei se eu odiava porque odiava ou se odiava porque doía demais".

Buda Mendes/Getty Images

Calmo até demais

Nascido em Santa Bárbara D'Oeste, na região de Campinas, no interior de São Paulo, Cielo sempre considerou voltar à cidade natal quando já não estivesse tão preso à rotina de treinamento. Entretanto, o que começou como convite para colaborar com um projeto social em Itajaí (SC) acabou se tornando um projeto de vida.

Em 2019, o nadador instalou, na cidade catarinense, um núcleo do Instituto Novos Cielos; ficou até o fim do ano "indo e voltando" para São Paulo, mas acabou optando por se mudar de mala e cuia com a esposa e o filho. "Vi qualidade de vida, oportunidades de negócio, custo de vida infinitamente menor do que em São Paulo. Tenho tudo que quero aqui, moro a três quilômetros da Praia Brava. É quase o Havaí do Brasil. Moro a um quilômetro da balsa que vai para o aeroporto. Custo mais baixo, qualidade de vida mais alta", diz.

Os planos são continuar em Itajaí até o filho, Thomas, de seis anos, terminar o ensino médio. Ou seja: são planos a longo prazo. "É uma vida parecida com a que eu tinha em Auburn", afirma, citando a cidade americana onde estudou e treinou. "Consigo ter tempo para fazer as coisas. Até brinquei com meu pai que a minha vida está chata. Não pego transito, não tem violência, ninguém colocou faca no vidro do meu carro", brinca.

A verdade é que Cielo está feliz. "Tem sido gostoso também não ter a pressão de ter que comer tal coisa para o treino, de ter que dormir na hora certa. Essa parte, eu contava os dias para chegar. Se eu decidir que quero dar um gás por alguns meses, consigo focar. Mas aquela vida louca não vai rolar mais."

+ Especiais

Jorge Bispo/UOL

Hortência fala de gravidez, Paula e Playboy. E explica por que pódio com Fidel marca sua medalha mais emocionante.

Ler mais
J. Franca/Folhapress

A história do Pan de 1975, que não foi no Brasil após epidemia de meningite que governo militar tentou esconder.

Ler mais
Buda Mendes/Getty Images

A cada dez treinadores que vão para os Jogos Olímpicos de Tóquio, apenas uma é mulher. Por quê?

Ler mais
Caio Guatelli/UOL

Cocuzzi: o ciclista que mora no orfanato criado por seus pais e quer levar 50 irmãos para os Jogos de Tóquio.

Ler mais
Topo