'Veneza da África': 40 mil pessoas vivem na maior vila flutuante africana

"Povo da água!" Assim é conhecido quem mora em Ganvié, em Cotonou, capital do Benin. Os quase 40 mil habitantes que estão ali têm uma relação mais do que íntima com esse recurso natural. Além de hoje fornecer o trabalho e a comida, foi a água a responsável por salvar os antepassados de quem mora por lá.

Na tentativa de fugir da escravidão, o povo Tofinu teve uma ideia um tanto quanto absurda para época: ir para o meio do maior lago do Benin, o Nocué.

Construindo moradias, escolas e comércios sobre palafitas, eles criaram um novo lar do zero, e, quase 400 anos depois, a maior vila flutuante de todo continente africano.

Vista aérea da vila de Ganvié, no Benin
Vista aérea da vila de Ganvié, no Benin Imagem: Getty Images

O povo Tofinu já estava acostumados a praticar atividades relacionadas à água e decidiu se abrigar no lugar de mais difícil acesso para quem não tinha qualquer relação com o ecossistema.

Era o caso de soldados do reino de Daomé - que entre os anos 1600 e 1904 se manteve no domínio de boa parte da região que hoje é a República do Benin e vendiam para o tráfico de escravos os prisioneiros que tinham feito durante guerras com povos vizinhos.

Mas não foi só a barreira física da água que ajudou o povo de Ganvié a fugir da escravidão. Havia também a crença religiosa de que o lago era sagrado e, por isso, na época os povos evitavam brigas no local.

O nome que escolheram para o povoado, então, veio a calhar: Ganvié, que na língua local significa "nós sobrevivemos".

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Mulher vende mercadorias em canoas em Ganvié, a maior vila flutuante da África
Mulher vende mercadorias em canoas em Ganvié, a maior vila flutuante da África Imagem: Getty Images

A 'Veneza da África'

"É preciso saber essas duas coisas quando se nasce aqui: ensinamos o remo desde os quatro anos de idade. E com seis, sete anos ensinamos a nadar", diz Bienvenu Agbokounou, guia turístico de Ganvié.

Na série documental "Origens: Um Chef Brasileiro no Benin", do UOL, Bienvenu apresenta o povoado de Ganvié para o chef João Diamante.

Em um barco, único jeito de entrar e sair de lá, o brasileiro ainda participa da disputa do remo, uma brincadeira tradicional da região, e aprende sobre a importância da pesca para no povoado.

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De acordo com o guia, 95% da economia de lá vem da pesca. Além da biodiversidade local, as famílias se baseiam na aquacultura, ou seja, na produção de animais marinhos.

Uma das técnicas usadas para criar peixes é revestir uma parte do lago com folhas de palmeira para que, à medida que se decompõem, produzam o plâncton, que atrai os animais para perto.

Outra parte importante da economia do povoado vem se estabelecendo nos últimos anos: o turismo. A curiosidade em conhecer a maior vila flutuante da África tornou Ganvié uma atração turística - cerca de 10 mil turistas visitam o local anualmente -, que começou a ser chamada de "Veneza da África".

Homem andando de canoa por Ganvié, no Benin
Homem andando de canoa por Ganvié, no Benin Imagem: Getty Images

Cerca de um milhão de traficados

Entre os séculos 17 e 18, o tráfico de escravizados se intensificou na África e o Benin se tornou uma das regiões que mais teve pessoas sequestradas e vendidas como escravas.

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Com base nos dados dessas viagens transatlânticas, estima-se que um milhão de pessoas foram levadas para fora do país entre 1670 e 1860.

Muito antes disso, em 1472, os portugueses foram os primeiros a explorar a Baía do Benin e monopolizaram o tráfico naquela região até 1630. Só depois Alemanha, Inglaterra e França passaram a traficar pessoas na região.

Mesmo assim, Portugal se manteve como um dos principais países que operava na região por ter colonizado o Brasil, que era considerado fundamental para o progresso do tráfico, já que foi para cá, especificamente para Bahia e Rio de Janeiro, que a maior parte dos escravizados de toda a África vieram - quase quatro milhões de pessoas.

95% da economia da vila de Ganvié vem da peca; o resto vem do turismo
95% da economia da vila de Ganvié vem da peca; o resto vem do turismo Imagem: Getty Images

Para historiadores que estudam a relação escravagista entre Brasil e Benin, este comércio se firmou com três agentes: o compradores no Brasil, europeus (que foram responsáveis por viabilizar mais de 9 mil viagens entre os dois países) e figuras africanas, que vendiam seus inimigos.

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"O comércio de escravizados acirrou rivalidades, estimulou guerras e desarticulou profundamente as sociedades africanas tradicionais", conta em entrevista à Fapesp a historiadora Marina de Mello e Souza, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da USP.

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Acarajé ou akará? Só tem feijoada no Brasil? E quem são os "brasileiros-africanos" do Benin? Pela primeira vez na África, o chef João Diamante mergulha entre passado, presente e futuro da história e do sabor brasileiro. Assista agora "Origens - Um chef brasileiro no Benin":

O Acarajé da África

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