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Histórias incríveis de heróis improváveis


Onças devoram animais raros da África no Brasil por culpa da soja: 'Comeu'

De Ecoa, em Dourados (MS)

22/06/2023 06h00Atualizada em 26/06/2023 12h46

A expansão da soja e um projeto exótico de safári brasileiro geraram um acontecimento improvável em Mato Grosso do Sul: onças caçaram e comeram antílopes que fazem parte da dieta de leões da África, no outro lado do oceano. O caso aconteceu em Dourados (MS), após uma sucessão de acontecimentos fora do comum.

Os antílopes comidos foram comprados por um agropecuarista chamado Trajano Silva, nos anos 80. O objetivo era reproduzir a espécie e usá-la em um safári, que funcionou até os anos 2000. Quando o negócio fechou de vez, alguns antílopes sobreviveram e o Brasil também intensificou a produção de soja. (Para conferir a história completa, assista à nossa série Oeste).

Apenas em Mato Grosso do Sul existem 4 milhões de hectares do grão, o equivalente a quase metade do estado de Santa Catarina. Com menos vegetação nativa, as onças ficaram com menos espaço para encontrar alimento e foram atrás dos poucos antílopes sobreviventes do safari.

"Os poucos que ficaram, a onça comeu", diz um dos funcionários do antigo safari, hoje dedicado ao cultivo da soja no mesmo local. Segundo ele, quanto maior a abertura de áreas de lavouras, mais inevitável tem sido o encontro com onças, especialmente as onças-pardas.

Topo da cadeia

No Brasil, as onças são os "leões": são os maiores felinos carnívoros do nosso continente. Uma onça-pintada pode ter até 2,70 de comprimento, 160 kg e caçar veados, jacarés, queixadas, antas. A onça-parda é menor, mas ainda imponente: tem cerca de 1,96 de comprimento e até 70 quilos.

Assim como o leão ou o guepardo, a onça tem capacidade para abocanhar um antílope africano, mas os animais não fazem parte do menu. A espécie é considerada exótica, ou seja: não existente na natureza brasileira, assim como elefantes e girafas.

Por ação do homem, que diminuiu o espaço natural das onças, é que elas foram atrás dos antílopes em busca do alimento que encontraram.

1 - Getty Images - Getty Images
A onça-pintada é o "leão do cerrado brasileiro"
Imagem: Getty Images

Cultivando onças

Os encontros com onças nos campos de soja têm sido cada vez mais frequentes. Em fevereiro deste ano, no município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul, um filhote de onça-parda foi resgatado pela polícia após ser encontrado perdido em uma plantação de soja. Em Nova Lacerda, em Mato Grosso, uma onça-pintada foi filmada por dois engenheiros agrônomos no meio de uma lavoura, no início de 2022.

Onça filmada por celular por engenheiros agrônomos em plantação de soja no Mato Grosso - Reprodução/redes sociais - Reprodução/redes sociais
Onça filmada por celular por engenheiros agrônomos em plantação de soja no Mato Grosso
Imagem: Reprodução/redes sociais

Não à toa, o Brasil é o maior produtor de soja no planeta. Com um grão oleoso e ramos verdes, é uma planta versátil: pode ser usada na fabricação de óleo de cozinha a ração de cachorro, biodiesel, maionese, leites e cosméticos.

Em 2022, o país ultrapassou os Estados Unidos como líder mundial na produção de soja, com uma colheita de 123 milhões de toneladas, de acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Em 2020, as exportações da soja brasileira movimentaram 30 bilhões de dólares. Estados como Mato Grosso, sozinho, produzem mais soja do que toda a Argentina.

Para chegar a números tão altos, 40 milhões de hectares de terra foram ocupados por soja no Brasil, o equivalente a quase dois estados de São Paulo só do grão - desconsiderando outros grãos, como o milho, que também interferem nos hábitos dos felinos selvagens brasileiros.

Reginaldo, funcionário do safári, explica paradeiro de animais exóticos que viviam em Dourados (MS) - Daniel Lupo/Pó de Vidro/UOL Ecoa - Daniel Lupo/Pó de Vidro/UOL Ecoa
Reginaldo, funcionário do safári, explica paradeiro de animais exóticos que viviam em Dourados (MS)
Imagem: Daniel Lupo/Pó de Vidro/UOL Ecoa

O ICMBio aprovou um cálculo sobre o impacto dessa produção agrícola em relação às onças-pardas, em um estudo avaliado em R$ 1 milhão. No Piauí, uma ação na Justiça impediu a criação de um campo de soja em Brejo do Piauí, uma área habitada por onças-pintadas.

Xamã, a primeira onça-pintada macho a voltar à natureza no Brasil - Divulgação / Proteção Animal Mundial - Divulgação / Proteção Animal Mundial
Xamã será primeira onça-pintada macho a voltar à natureza no Brasil
Imagem: Divulgação / Proteção Animal Mundial

Além da soja, as onças também são atropeladas nas rodovias do Centro-Oeste. Para mantê-las a salvo, há ONGs que fazem o monitoramento e reintrodução de espécies na região do Pantanal, onde a soja também está se aproximando. É o caso do Onçafari, que reintroduziu uma onça-pintada macho pela primeira vez na natureza brasileira, em fevereiro.

Em 2011, o ex-piloto Mario Haberfeld criou no Pantanal uma organização sem fins lucrativos chamada Onçafari. A ideia é que, por meio do ecoturismo, o projeto ajuda a preservar a onça-pintada, em Mato Grosso do Sul. Famosos como a atriz Juliana Paes e o jogador da seleção brasileira Richarlisson ajudam o projeto.

Para doar para o Onçafari, acesse o site. É possível ajudar mensalmente ou fazer uma doação em valor único.

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Um fazendeiro excêntrico cria um safári africano, uma cidade famosa por seus caixões? Em 'OESTE', nova série em vídeos do UOL, você descobre estas e outras histórias inacreditáveis que transformam o centro-oeste brasileiro. Assista:

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