Só 32% dos Estados brasileiros divulgam dados detalhados sobre a Covid-19
Menos da metade dos Estados brasileiros divulga dados detalhados sobre o coronavírus. É o que mostra um levantamento da Open Knowledge Brasil (OKBR), uma organização sem fins lucrativos que avalia a transparência e a condição da abertura de dados públicos em mais de 60 países.
Segundo a pesquisa, apenas 32% das unidades federativas compartilham de maneira satisfatória informações sobre a pandemia. Além disso, 39% dos Estados ainda não conseguiram alcançar o nível bom de transparência. A entidade criou o ranking com um índice baseado em dados sobre a Covid-19 publicados pela União e pelos Estados em seus portais oficiais. A pontuação varia de 0 a 100 e é distribuída em nível de transparência que vai do opaco ao baixo, médio, bom e alto.
Mesmo entre os que apresentam uma pontuação mais alta, a transparência nem sempre é completa - nenhum deles atingiu nota máxima, por exemplo. Hoje, só quatro Estados (Espírito Santo, Goiás, Pernambuco e Rondônia) conseguem informar a quantidade de testes disponíveis da doença. A taxa de ocupação de leitos de toda a sua rede hospitalar só é respondida detalhadamente por Ceará, Piauí e Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, 43% deles não informam sobre Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), o que, conforme a OKBR, seria útil para estimar o tamanho da subnotificação da Covid-19.
O acompanhamento começou no início de abril. A cada semana é divulgado um boletim com a pontuação e nível de transparência de cada Estado.
De acordo com a diretora-executiva da OKBR, Fernanda Campagnucci, a ideia em desenvolver o ranking veio após perceber o quanto a divulgação da Covid-19 pelos Estados não segue uma homogeneidade em seus sites oficiais. Mesmo o Ministério da Saúde, observa ela, não informa dados pormenorizados sobre a doença, o que pode dificultar uma avaliação sobre a evolução do vírus no Brasil.
Costumamos dizer que dados, no momento da pandemia, são como um termômetro para identificar a febre. Sem isso, não se tem como fazer projeções, análises sobre que parcela da população está sendo mais afetada ou como a população está se comportando. Seria muito interessante saber essa dinâmica.
Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR
Ela avalia que, aos poucos, os Estados estão se adequando. Na primeira edição dos boletins da organização, 90% estavam nos níveis médio, baixo e opaco de transparência. Na segunda edição, isso passou para 78%. Na terceira, baixou para 64%. Já no boletim mais recente, divulgado, na quinta-feira (30), 40% ainda não publicam informações suficientes.
"Gradualmente conversamos com os estados; eles tiram dúvidas, pedem recomendações. Decidimos gerar uma espécie de competição virtuosa", observa a diretora-executiva.
Mapa da transparência no Brasil
Por que não há mais transparência?
Apesar da adequação, Fernanda avalia que ainda existem obstáculos que se sobrepõem à adoção de medidas de transparência. Um deles é o tecnológico, que reflete, por exemplo, na dificuldade em integrar diferentes sistemas para informar a taxa de leitos de internação disponíveis. Outro desafio é a questão cultural. "Quem não compreende a importância da transparência acha que pode dar munição para oposição, sem entender que a autoridade se protege quando é transparente", salienta.
Esse problema também é pontuado pela diretora do InternetLab, um centro independente de pesquisa interdisciplinar, Mariana Valente. "Desde a Lei de Acesso à Informação, houve uma mudança de mentalidade, mas não completamente. Ainda existe muita dificuldade em convencer gestores a divulgarem dados abertos, que permitam outras formas de serem lidos, outras recombinações", assinala ela, ao salientar que, não só a divulgação de dados é uma dificuldade, mas a produção de dados também.
Contra a tendência de melhora, há também exemplos negativos evidenciados ao longo do levantamento. O principal deles é Santa Catarina, que caiu sete pontos nesta última semana. A constatação é preocupante, em especial, porque o Estado tem sido apontado como possível novo foco da pandemia.
Para que a transparência de dados seja uma realidade, é necessário que a geração de estatísticas seja fruto de uma estratégia dos governos, completa Andrea Willemin, data protection officer e membro do Laboratório de Desenvolvimento e Pesquisa em Gestão de Dados, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela pondera que a pandemia pode ser uma oportunidade para que gestores observem a estruturação de seus sistemas de dados, sempre respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
"Precisamos estabelecer uma política de antemão. Cada Estado utiliza um sistema diferente, que não se comunica. Seria importante termos um ponto em um", afirma.
Reflexo de políticas locais
Entre os que têm melhor posição no ranking, a gestão de dados já fazia parte das ações dos governos antes da Covid-19. Em Pernambuco, o primeiro colocado do ranking ao lado de Rondônia, com 98 pontos, a publicação de dados em formato aberto já abrangia outras áreas e tinha até um site específico, o Pernambuco em Dados. "Temos três secretarias que lideram esse processo, acompanhando indicadores relacionados aos objetivos de desenvolvimento sustentável. Tentamos contar uma história para a população com essas informações", explica o diretor do Instituto de Gestão Pública de Pernambuco, Hugo Medeiros. Ele observa que essa prática facilitou a transparência de dados sobre o coronavírus. "Começamos com 81 pontos e fomos melhorando. Temos uma Vigilância em Saúde produzindo dados de qualidade, os mais precisos e seguros possíveis", enfatiza.
O segundo colocado, o Ceará, com 95 pontos, investiu em um sistema próprio para gerir informações epidemiológicas, o IntegraSus. Criada no ano passado, a plataforma monitora dados de diversos sistemas, sendo sete somente para abranger a situação envolvendo o coronavírus. Isso, conforme a secretária de Vigilância e Regulação, Magda Almeida, torna a notificação de casos de Covid-19 mais sensível no estado. "São casos que não estariam sendo registrados somente no sistema oficial", pontua.
Houve ainda uma mudança de paradigma, conforme Magda. "Agora, pegamos os dados direto da fonte, nos municípios. Os gestores precisam acompanhar, são três atualizações ao dia", assinala. A secretária afirma que o estado usou recursos humanos que já tinha e gastou apenas com nuvem e tráfego de dados para colocar o sistema em operação.
No Espírito Santo, terceiro no ranking de transparência, com 93 pontos, o governo também já havia investido em um sistema de notificação de doenças, agravos e eventos em saúde, o e-SUS VS. A plataforma, desenvolvida em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), fornece dados qualificados sobre os casos da Covid-19, com informações em tempo real, da rede pública e privada, como georreferenciamento, definição dos casos, sintomas apresentados e capacidade de testagem. "Esses dados são disponibilizados em formato aberto, estão sendo estudados por diferentes organizações da sociedade. Isso traz visões diferentes para enfrentarmos a doença", analisa o secretário de Saúde do estado, Nésio Fernandes de Medeiros Júnior.
De acordo com o secretário, a solução tecnológica deve ser compartilhada em breve. Oito estados já tiveram acesso à plataforma para se familiarizar com seu funcionamento.
Covid-19: Ranking de transparência dos Estados
- Rondônia e Pernambuco (98 pontos)
- Ceará (95 pontos)
- Espírito Santo (93 pontos)
- Minas Gerais (88 pontos)
- Goiás e Amapá (86 pontos)
- Paraíba e Distrito Federal (81 pontos)
- Rio de Janeiro, Paraná, Maranhão (79 pontos)
- Piauí (76 pontos)
- Rio Grande do Norte (74 pontos)
- São Paulo (67 pontos)
- Alagoas (60 pontos)
- Amazonas (57 pontos)
- Rio Grande do Sul e Bahia (55 pontos)
- Tocantins (50 pontos)
- Santa Catarina e Pará (48 pontos)
- Sergipe e Mato Grosso (45 pontos)
- Mato Grosso do Sul (45 pontos)
- Roraima (40 pontos)
- Acre (38 pontos)
Promessas de reestruturação
Em último lugar no ranking, o 19º, o governo do Acre informou que vai reestruturar a forma de divulgar dados sobre a Covid-19. Com 38 pontos, o estado subiu do nível de transparência opaco para baixo desde o início do levantamento. Isso ocorreu, segundo a OKBR, depois que o Estado passou a publicar um boletim mais detalhado. "Já vínhamos divulgando amplamente nas redes sociais, na mídia local e por WhatsApp. Estamos nos organizando agora para fazer um site próprio da Covid-19, com dados sobre testes e a proposta de deixar em formato aberto. Nós sabemos que quanto mais informação, melhor para a contenção da doença", comenta a assessora do Centro de Operações de Emergência, Marília Carvalho.
Os governos de São Paulo (10º) e da Bahia (13º) informaram, por meio de nota, que têm atendido a divulgação de informações sobre a doença. A secretaria estadual de Saúde de São Paulo citou decretos, coletivas e um site lançado ainda janeiro com estatísticas diárias. Já o governo da Bahia afirmou que todas as informações da Covid-19 estão em um site criado especificamente para o assunto, sem ausência de informações, e que isso teria sido pontuado junto à OKBR.
De acordo com a diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, é comum que haja uma confusão entre a população sobre o entendimento do que é comunicação - caso de coletivas de imprensa e produção de conteúdo, como releases e notas, e transparência de dados. Ela pontua que a sociedade pode se engajar por meio das redes sociais para cobrar gestores sobre a disponibilização desses dados. "São informações que ajudam as pessoas a entenderem o que está acontecendo no estado delas em relação aos outros estados", destaca.
Estímulo para mais divulgação
Para o médico infectologista Bernardo Almeida, do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o levantamento oferecido pela OKBR pode estimular governos estaduais a otimizarem a divulgação de seus dados sobre o coronavírus. "A forma de disponibilizar isso é algo que ainda estamos aprendendo e é importante que isso seja rápido. Mostrar as fragilidades dos Estados pode tornar isso mais eficaz", argumenta Almeida, ao salientar que essa possibilidade de acompanhar em tempo real a pandemia é uma novidade em relação à epidemiologia e pode influenciar tanto ações de gestores em saúde como o comportamento da população. "Há uma série de medidas, como evitar sair de casa, que podem ser tomadas espontaneamente pela sociedade, motivada pela disponibilização dessas informações", afirma.
O presidente do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviço de Saúde do Paraná (Sindipar), Flaviano Ventorim, acredita que a divulgação de dados sobre a pandemia é importante, mas pondera que isso precisa estar ligado a ações de conscientização. "Quanto mais robusta essas informações, mais se consegue estar preparado para atender os pacientes. O risco de contaminação é eminente, então a conscientização essa população é fundamental", sustenta.
Os critérios do ranking
O índice de transparência criado pela Open Knowledge Brasil é composto por três dimensões. Em "conteúdo", é avaliada a divulgação de aspectos como idade, sexo e doenças preexistentes dos pacientes, além de informações sobre o sistema de saúde responsável pelo atendimento e quantidade de leitos de internação e testes aplicados e disponíveis.
Na dimensão "granularidade", a avaliação parte do detalhamento dos dados divulgados pelas autoridades. Um exemplo das diferenças observadas tem sido a divulgação caso a caso da doença, respeitando a omissão de dados pessoais dos pacientes, e a divulgação dos casos apenas por cidade.
Já na dimensão "formato", a OKBR avalia a maneira como os dados sobre a Covid-19 são apresentados à população. O peso maior é creditado a painéis que podem ser visualizados pelo público em geral, com série histórica e dados estruturados em ao menos uma planilha em formato editável, de preferência aberto. Isso possibilita que pesquisadores interessados possam fazer download dessas informações e utilizá-las em diferentes aplicações.
A coleta dos dados avaliados é baseada nas últimas publicações periódicas de portais oficiais dos órgãos de saúde e controle dos governos estaduais e federal. A análise privilegia seções fixas e hotsites onde devem ser publicados boletins e informativos epidemiológicos, além de painéis, relatórios e outros tipos de divulgação de dados.
Mais detalhes sobre o ranking, metodologia e fontes consultadas pela organização podem ser obtidos no site do projeto.
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