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Ela coordena ONG que já construiu mais de 4 mil casas no Brasil

Nina, à esquerda, entrou no projeto após ver atuação em outro país  - Divulgação/TETO Brasil
Nina, à esquerda, entrou no projeto após ver atuação em outro país Imagem: Divulgação/TETO Brasil

Débora Britto

De Ecoa

23/12/2019 04h00

Uma casa de 18 m² feita com madeira é a porta de entrada para concretizar o direito à moradia a famílias em situação de extrema vulnerabilidade. É o que defende a cientista política Nina Scheliga, 30, diretora executiva da ONG TETO Brasil, organização que já construiu, desde 2007, mais de 4 mil moradias emergenciais no país.

Além de erguer casas, o projeto quer fortalecer o desenvolvimento comunitários com protagonismo dos moradores. Um dos primeiros aprendizados é que não dá para transformar a realidade de uma comunidade pobre sozinha. Por isso, em mais de dez anos atuando no Brasil, a TETO mobilizou mais de 55 mil voluntários para a causa.

A organização está em 19 países da América Latina e recebeu mais de 1 milhão de jovens voluntários, com mais de 7 mil trabalhando permanentemente com as comunidades precárias.

Como começou

Nina foi apresentada ao trabalho de construção de casas emergenciais fora do Brasil. Em julho de 2010, quando viajava pela América Central para conhecer projetos sociais, participou durante cinco dias de construções de casas da Teto na Nicarágua. A experiência rápida de mão na massa foi suficiente para encantá-la, tanto que voltou determinada a participar de ações como aquela.

Em 2011, entrou como voluntária na TETO Brasil. Depois de um curto período afastada, voltou à organização e teve novas experiências: foi coordenadora de voluntários e depois passou a integrar a equipe como funcionária, até chegar ao cargo de diretora executiva. Passar por todas as etapas foi fundamental para ter uma visão de como melhorar cada parte do processo de trabalho.

ERRO Acreditar que só a ação é suficiente para enfrentar a pobreza e déficit de moradia.

APRENDIZADO Além de construir casas para quem precisa, a TETO atua na formação crítica de voluntários e também promove ações de educação com moradores de favelas e comunidades em que atuam.

"Temos o desafio de ser um espaço acolhedor, mas também de quebrar tabus sobre pessoas que vivem nas comunidades, falar sobre pobreza, sobre favela, sobre desigualdade social", afirma Nina. Para isso, um ponto chave é o trabalho e formação com os voluntários.

Voluntariado é chave

TETO Brasil - Divulgação/TETO Brasil - Divulgação/TETO Brasil
Voluntários se juntam em ação para construir casas de madeira em favelas
Imagem: Divulgação/TETO Brasil
"A gente teve um período de muita mão na massa. Eu entrei nessa época, toda semana eu estava na construção. Era um sentimento de muito dever do voluntário com as obras. Mas percebemos que faltava formação, só a ação sem você refletir sobre suas escolhas, sobre a sociedade também pode ficar vazia", lembra.

Apesar de ter um modelo técnico de construção muito bom, o elemento humano não poderia passar sem atenção. O desafio de mobilizar, formar e organizar o trabalho de cerca de 15 mil voluntários pontuais ao longo do ano ainda existe, mas Nina enxerga aprendizados importantes nessa trajetória. "O mais importante de erros e aprendizados nesse processo é o quanto a gente tem que confiar nos voluntários", afirma.

ERRO Acreditar que voluntários só podem contribuir com a mão na massa nas construções.

APRENDIZADO Aprender a confiar nos voluntários que representam a organização e entender que a formação crítica gera lideranças importantes para a TETO.

Para construir essa confiança, ela acredita que transparência, boas ferramentas de construção, a disseminação dos valores da TETO e, principalmente, ouvir o outro são fatores fundamentais. Hoje, 750 voluntários permanentes contribuem a partir das expertises e passam também por ciclos de formação em outras áreas. A cada seis meses as pessoas podem reavaliar a participação na ONG e decidir sair ou mudar de área.

Um teto para meu país

A TETO nasceu no Chile, em 1997, quando um grupo de jovens se mobilizou para construir casas emergenciais para famílias que viviam em condições de extrema precariedade após um terremoto. "Já naquele ano, a TETO nasceu com a ideia de que de nada adianta reconstruir partes de comunidades se as pessoas não tinham onde morar", afirma Nina. É com o mote "Um teto para meu país" que a organização não governamental expandiu o trabalho e hoje atua em 19 países da América Latina.

TETO Brasil - Divulgação/TETO Brasil - Divulgação/TETO Brasil
No Brasil, a TETO chegou oficialmente em 2007, com o primeiro escritório em São Paulo
Imagem: Divulgação/TETO Brasil
No Brasil, a TETO chegou oficialmente em 2007, com o primeiro escritório em São Paulo. Antes, em 2002, por iniciativa de pessoas que conheceram o trabalho, a organização passou por Recife, em Pernambuco. Ali estava mais uma semente do trabalho que foi disseminado por milhares de voluntários ao longo dos anos.

A expansão no Brasil trouxe outros desafios, o primeiro sendo as diferenças de realidades em um país continental. No contexto da crise econômica, a organização também sofreu e algumas sedes tiveram dificuldades para conseguir estabelecer o trabalho permanente.

ERRO Crescer e expandir a organização para outros estados sem ter uma base construída.

APRENDIZADO Montar uma rede local de voluntários e levar pessoas com experiência de outros estados para trocas e aprendizados em novas sedes.

Adaptação às realidades brasileiras

Hoje, o TETO está em cinco estados: São Paulo, onde está o primeiro escritório oficial e depois Rio de Janeiro, Bahia, Paraná e Minas Gerais. Ao todo, trabalham com 34 comunidades de forma contínua e realizaram outros 37 projetos de infraestrutura como construção ou reforma de centros comunitários, espaços de lazer, revitalização de ruas ou mesmo mutirões de limpeza de lixo. Essas ideias são construídas com os moradores em busca de soluções concretas para os principais problemas. E isso, lembra Nina, só é possível com participação e protagonismo.

"Vimos que faltava dar voz às comunidades, não bastava ir lá falar com elas. Precisamos do protagonismo dos moradores", afirma. Em 2011, a TETO realizou o primeiro encontro de lideranças comunitárias.

ERRO Construir e entregar casas sem dialogar antes e compreender as necessidades das comunidades.

APRENDIZADO Ao longo dos anos, a TETO revisou a forma de trabalho e passou a integrar lideranças comunitárias, moradores das comunidades e voluntários desde o início de projetos.

De 2007 a 2013, quando atuava apenas em São Paulo, por meio da metodologia participativa, a TETO já havia aprendido que nem tudo funcionaria no modelo padrão. Todo o processo costuma durar três meses, começando com um diagnóstico da comunidade, diálogo e mesa de trabalho com moradores para definir necessidades e o que é prioridade. Em um fim de semana podem ser construídas até 50 casas no padrão de 18 m², ao custo de R$ 7 mil cada. Para cada casa é preciso o engajamento de 10 voluntários, dois voluntários com mais experiência e a participação da família.

A partir de cada contexto local, no entanto, adaptações precisam ser feitas. No Brasil, em algumas favelas, por exemplo, a densidade e pouco espaço disponível exigem que as casas emergenciais diminuíssem ainda mais o tamanho, passando para 15 m². Os materiais também podem variar, de acordo com disponibilidade de insumos e do clima.

Direito à moradia é mais que teto

"A gente atua emergencialmente porque acreditamos que essa ação também denuncia a situação crítica em que as pessoas vivem. Então a gente tira elas dessa situação, mas precisamos discutir direito à cidade, direito à moradia e trazer dignidade às pessoas", explica.

Como uma parte do trabalho, ela acredita que só olhando para a comunidade como parte da cidade é que o trabalho pode se tornar sustentável a longo prazo.

COMO AJUDAR O TETO BRASIL

Para ser um voluntário pontual e colocar a mão na massa durante a construção de casas ou atuar como voluntário permanente da organização, é preciso entrar em contato com a ONG por meio do site. Também é possível a poiar o trabalho com doações.