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Tainá de Paula

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reforma Política e o desafio das democracias urbanas

20.fev.2018 - Vista do plenário do Senado, em Brasília, durante sessão de votação - ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO
20.fev.2018 - Vista do plenário do Senado, em Brasília, durante sessão de votação Imagem: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO

Tainá de Paula

08/08/2021 06h00

Está tramitando na Câmara dos Deputados uma série de projetos de Reforma Política. Alguns já foram aprovados no Senado, outros estão tramitando na Câmara, outros nem foram escritos ainda, mas estão sendo sondados por parlamentares. Além de nenhum atacar de verdade o real problema de representatividade que vivemos no país, com sub-representação de mulheres, negros e negras, LGBTQIA+, dos povos originários, periféricos e favelados, eles mantém as absurdas distorções financeiras que favorecerão as mesmas elites políticas do país.

Não satisfeitos em manter as distorções, querem criar mais uma: o distritão. O sistema, basicamente, cria distritos em que os deputados serão eleitos. O modelo praticamente impossibilita voto de opinião, onde figuras reconhecidas em toda a sociedade têm votos espalhados por todo o território, sem grandes concentrações nos ditos "currais eleitorais". Essa mudança cria barreiras imensas para as minorias, que costumam ter votos espalhados em vários setores da sociedade, sem concentração territorial.

Deputados e vereadores LGBTQIA+, que começaram a ganhar espaço, ainda que reduzido, nas últimas quadras da política, serão praticamente inexistentes. O poder paralelo, as narcomilícias e os currais dos milicianos da fé, terão seu poderio eleitoral multiplicado e os votos ficarão ainda mais caros. A renovação política, que criou muitas dificuldades para uma série de políticos nas últimas eleições, será abruptamente interrompida. Além disso, enfraquece os partidos e favorece o personalismo e o populismo obscurantista, representantes do monarquismo e os pró-armamentistas.

Diferente do sistema norte-americano, onde os distritos eleitorais são espaços de amplo debate pois consegue se estabelecer processos mais democráticos e livres de tensionamentos dos encontrados no Brasil: imaginem disputar votos com os milicianos em ruas dominadas pelo narcotráfico no Rio e no Maranhão. Imagine disputar votos em Japeri, uma das cidades com mais Igrejas Evangélicas por m² da América Latina.

Os atrasos são muitos. E a desculpa é que acaba com os puxadores de legenda e com a busca dos candidatos por partidos de acordo com as chapas, visando unicamente a eleição. Como se não criasse distorções ainda maiores. No novo modelo, se fortalecerão os deputados-síndicos. Aquele que só resolve problemas pontuais e locais, como poda de árvores, buracos de ruas, uma pavimentação mal-feita aqui e outra ali para agradar de dois em dois anos, e mantém funcionando as estruturas que perpetuam grande parte das mazelas que vivemos hoje. Esses serão os mais beneficiados, pois não estarão preocupados com todo o Estado ou município, mas somente com seu distrito e reduto eleitoral. A política baseada no interesse e sem perspectiva ideológica real será ainda mais favorecida. É possível dirimir determinadas distorções do sistema proporcional, vigente desde a redemocratização. Uma das maneiras seria estipular um percentual mínimo de votos para que o candidato seja "puxado" para a cadeira.

A reforma que virá com a PEC 134 também foi alvo de críticas corretíssimas da Frente Pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres, movimento nacional composto por mulheres acadêmicas e ativistas. A PEC propõe reserva de percentual mínimo de representação de cada gênero no Poder Legislativo. Sua proposta inicial era de aumento gradativo desse percentual: 10% das cadeiras na primeira legislatura, 12% na segunda legislatura e 16% na terceira legislatura. E por que ela é problemática? O texto debatido atualmente na Comissão da Reforma Política propõe a substituição da obrigatoriedade de cumprimento mínimo de 30% de candidaturas pela ocupação de 15% das cadeiras do Legislativo, nas três esferas (federal, estadual e municipal). Isso é um problema porque já temos em média mais de 15% de mulheres nas Assembleias Legislativas.

Além disso, o que vemos acontecer com o percentual mínimo de candidaturas é que ele se tornou o teto: os partidos não avançam do mínimo de 30% candidaturas de mulheres definido pela lei; portanto, é possível apostar que baixar o percentual mínimo significa baixar ainda mais o teto. E de acordo com o manifesto da Frente, mesmo esses 30% mínimos de candidaturas de mulheres só foram cumpridos nas eleições de 2018, 21 anos após a aprovação da lei que dá essa garantia. Enquanto isso, no Chile, Bolívia e Argentina, 50% das cadeiras são reservadas para as mulheres. No Brasil, nós, mulheres negras, somos 28% da população. Mas temos somente 5% das vagas nas Câmaras de Vereadores do país.

Por fim, é essencial falarmos do financiamento público de campanha e do aumento dos valores do fundo eleitoral que foram inseridos na Lei de Diretrizes Orçamentárias pela base de sustento do bolsonarismo, o centrão. Entretanto, ele não pode ser compensado com o aumento absurdo do fundo eleitoral. Quanto mais dinheiro os partidos tiverem, mais caras ficarão as campanhas. Quanto mais caras forem, menores as chances da renovação política. Menores são as chances de pessoas que ainda não são quadros históricos dos partidos conseguirem valores suficientes para construir suas campanhas e competirem com os candidatos que estão inseridos nas máquinas partidárias. Os valores gastos com o financiamento público de campanha devem, na realidade, ir reduzindo aos poucos, fazendo com que as campanhas encontrem caminhos para reduzir seus custos.

Que possamos avançar nas prévias partidárias, na reserva de vagas nos parlamentos, na presença de mais parlamentares alinhados com as pautas das maiorias vulneráveis e adeptos aos projetos de reestruturação do Brasil. De resto... É fora Bolsonaro e Fora distritão!