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Tainá de Paula

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil: Com quantos caixões se faz um país?

Cemitério Parque em Manaus, lotado por mortes devido à covid-19 - Carlos Madeiro/UOL
Cemitério Parque em Manaus, lotado por mortes devido à covid-19 Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Tainá de Paula

05/04/2021 10h23

Os dados são inquestionáveis. A pandemia avança no Brasil com sinais preocupantes para os meses de abril e maio. Sem o menor sinal de planejamento nacional, desarticulação de ações regionais e locais de enfrentamento à pandemia e um ambiente que além de grave, já pode ser considerado um dos piores do mundo. À medida que a pandemia retrocede mundialmente cerca de 6%, o Brasil avança em média 22% no último período.

Em relação a outros países também continentais, o Brasil é sem dúvida a nação com o pior desempenho atualmente, perdendo apenas em número total de mortes para os Estados Unidos em sua era Trump, que perdeu 554 mil pessoas desde o começo da pandemia. Rússia, com 144 milhões de habitantes, apresenta cerca de 98 mil mortes, França, com 67 milhões de habitantes, perdeu 96 mil pessoas.

Comparação com países mais pobres

Nova Zelândia, Gana, Vietnã viraram exemplos para o mundo no enfrentamento à covid-19. Países menores, com facilidade de controle de entrada de visitantes e, portanto, aptos a conterem a entrada de novos casos. Os governos também desses países tomaram atitudes bastante enfáticas no enfrentamento à pandemia, como lockdown mesmo com "poucos" casos confirmados, para evitar que se espalhassem.

O Vietnã é um país no Sudeste Asiático com população de 96 milhões, está em 117º lugar no ranking mundial do IDH e tem renda per capita média é de 2750 dólares

Como o Vietnã conseguiu se tornar um exemplo para o mundo? A resposta é "simples": detecção e contenção. As autoridades vietnamitas instalaram uma política de controle de testagem em massa, controle de contatos e quarentena direcionados, o que permitiu a identificação dos casos e impediu que se espalhassem. O número de testes por caso confirmado no Vietnã (1000) é muito superior ao de países como Nova Zelândia (500), Estados Unidos (12,7) e Reino Unido (21,7). O Brasil, pasmem, testou apenas 1,8 pessoa por caso confirmado.

Principais problemas do Brasil da covid

Os problemas do Brasil no enfrentamento à pandemia se complementam. O primeiro e o mais grave, tendo em vista a experiência centenária do Brasil no processo de imunização, está na distribuição de vacinas. A negligência na aquisição de vacinas, as recusas e atraso na compra de insumos - que nos retirou ao menos cerca de 120 milhões de doses nos últimos três meses. A quantidade ínfima de doses se replica na triste realidade: a média nacional está em pouco mais de 10% da população.

A organização mundial de saúde orienta que os grupos prioritários sejam inicialmente idosos e pessoas com comorbidades, mas tendo em vista a realidade de um país sem planejamento, Estados e municípios alteram o calendário-base nacional, pulverizando vacinas do público-alvo, nem vacinando os inicialmente prioritários e nem os novos grupos (como profissionais de saúde, de educação, de segurança e demais profissionais de atividades essenciais).

Na assistência social, o Brasil flerta com a fome, pecando pelo baixíssimo valor distribuído em auxílio emergencial, tendo em vista a carestia de preços e o alto número de desempregados. Os R$ 600 que inicialmente foram distribuídos e depois diminuídos vão na contramão do que países com IDH e PIB menores que os brasileiros conseguem efetuar, como por exemplo a criação de fundos nacionais de auxílio à manutenção dos empregos, como Chile, Colômbia e Argentina.

Outra falha a ser pontuada foi a bancarização dos pobres, realizada a partir dos auxílios federais e municipais. O Brasil tem 53 milhões de pessoas sem banco e 46 milhões sem acesso a internet, ou seja, equacionar acesso aos recursos foi uma tarefa que ainda não temos sequer a dimensão, deixando milhões de brasileiros sem qualquer acesso a um recurso financeiro emergencial.

Um vírus que se combate localmente, coletivamente, com tecnologia e informação

Em um artigo recente, comparei o enfrentamento à pandemia em diferentes locais do mundo, incluindo iniciativas do Brasil, como Rocinha e Paraisópolis e concluí que há um padrão em um combate eficiente ao vírus. Identificação local dos casos graves, por quadra e por lote, testagem rápidos territoriais, além das unidades básicas de saúde "testadoras".

A tecnologia de localização auxiliou diversos países na identificação de possíveis doentes, que eram notificados individualmente, Países como Gana, Áustria, Israel, Bélgica, Cingapura, Itália, Alemanha e vários outros utilizam o sistema, conseguindo inclusive prever barreiras sanitárias através do número de possíveis contaminados de determinada região.

A dificuldade de acesso à internet e a precariedade da internet brasileira inviabilizam a aplicação de um programa como esse.

Além disso, a rede de ódio e fake news digital do Brasil durante a pandemia foi uma das maiores do mundo. A propagação de inverdades como o uso de tratamento precoce, o estímulo às reaberturas econômicas e aglomerações, defendidos pelo governo federal durante boa parte da pandemia, foi fator determinante para o relaxamento tanto institucional dos entes federados como da população. Há falta de pressão popular por vacina e por medidas mais assertivas sobre a assistência necessária nesse contexto de crise, visto na ampla maioria dos países do mundo.

As soluções para o Brasil pandêmico precisam ser ditas

Inegavelmente, a pesquisa científica brasileira foi o ponto alto da crise e deveria receber um superinvestimento. Reconversão industrial para produção de equipamentos hospitalares de alta capacidade, como respiradores, pulmões artificiais, testadores e máscaras nacionais eficientes e a baixo custo. A média de aumento de compra ou fabricação ainda não é suficiente para lidarmos com novas ondas como enfrentamos agora. Estados como Roraima entraram em pandemia com apenas 4 unidades de tratamento intensivo por 100 mil habitantes. O cenário hospitalar do Brasil é ainda extremamente excludente.

Contudo, é importante frisar que se não fosse o SUS e sua atuação capilarizada, nossos óbitos seriam ainda maiores. Investir nas ações regionais e melhorar as regulações, diminuindo tempo de espera de leitos e transferências é questão emergencial.

A legislação metropolitana - O Estatuto da Metrópole - deveria ganhar finalmente corpo e regulamentação nos Estados e municípios nesse período de crise e quase inexistência de política nacional de enfrentamento.

Financiamentos, compra de insumos, de vacinas e EPIs, acordos fiscais e tributários de consórcios regionais e empréstimos conjuntos deveriam acontecer, preenchendo a lacuna de planejamento e saídas nacionais.

É portanto urgente criar alternativas concretas à crise sistêmica e civilizatória e radicalizar na aceleração dos tomadores de decisão: secretários, prefeitos e governadores precisam se responsabilizar pela negligência à vida a que estamos submetidos.

Não há mais espaço para abrirmos mão de salvar uma vida sequer, quanto mais continuar a perder quase 3 mil pessoas por dia. Ou gerenciamos a crise sanitária agora ou iremos gerenciar o colapso dos cemitérios.