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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Onda de violência nas escolas não será resolvida com mais polícia

Briga entre alunos em pátio de escola - Getty Images/iStockphoto
Briga entre alunos em pátio de escola Imagem: Getty Images/iStockphoto

04/04/2022 06h00

Desta vez, foi no DF, e felizmente os planos não se concretizaram. Um estudante de 20 anos foi preso sob suspeita de planejar massacres em escolas. À polícia, o jovem detalhou como seriam os atos. Ele participa de grupos nazifacistas e possui em seu celular fotos e vídeos relacionados à pornografia infantil.

O governo do Distrito Federal fala em uma onda de violência nas escolas. Desde o início do ano, foram mais de 120 ocorrências policiais. O plano de prevenção de conflitos inclui um manual sobre cultura de paz, reforço policial e, se a instituição requisitar, revista em material escolar e mochilas dos alunos.

Aprende-se basicamente pelo exemplo. A centralidade da cultura das mídias sociais, com a agressividade dos debates online, a tendência à radicalização política incentivada pelos algoritmos e o culto às armas promovido por Bolsonaro ensinam que discussões e desavenças devem ser resolvidas no xingamento, no tapa ou na bala. Conforme caminhamos para o estado de natureza hobbesiano, não é descabido perguntar por que as pessoas não saem por aí matando umas às outras.

O temor de ser pego é parte da explicação, mas não mostra o essencial. A vida em sociedade só é possível porque as pessoas internalizam valores e normas de conduta que servem como guias de seu comportamento. A passagem da infância para a adolescência é crucial na aquisição dos valores que vão definir como elas vão se relacionar com outros seres humanos.

Não há detector de metais que escape às evidências empíricas de décadas de pesquisa. A conclusão é a seguinte: o comportamento das principais figuras de autoridade da vida de crianças e adolescentes - pais, professores e mesmo a polícia - é o fator determinante para que crianças e jovens compreendam como se relacionar com os outros.

O livro "Why children follow rules" ("Por que as crianças seguem regras", em tradução do inglês), dos psicólogos sociais Tom Tyler e Rick Trinker, faz uma revisão da literatura que demonstra essa conclusão. O sociólogo Herbert Rodrigues, professor da Missouri State University, nos EUA, destaca os pontos principais da obra na ótima resenha publicada na revista acadêmica Cadernos de Pesquisa.

Os autores começam apresentando um debate clássico no terreno da educação moral sobre as formas básicas de se obter obediência. A primeira é a coerção, quando se respeitam as regras por medo de eventuais punições. A segunda é pelo senso de responsabilidade, que se desenvolve porque acreditamos nas regras, compreendemos sua razão de ser e zelamos pelo seu cumprimento. É a diferença entre a moral heterônoma, externa ao sujeito, e a autônoma, a da concordância consciente com uma norma justa.

Tyler e Trinker defendem que são as ações concretas da família (onde se aprendem as primeiras formas de respeito às normas), da escola (onde se reforçam os modelos de relação com a lei) e do sistema de justiça (que podem fortalecer - ou fragilizar - a confiança nas regras). Rodrigues concorda: "as decisões individuais em obedecer e colaborar com as normas e as leis são baseadas nas crenças construídas ao longo de toda a vida por meio de contatos com as autoridades". Detalhando um pouco mais:

  • Na família, o estabelecimento de vínculos afetivos entre crianças e seus responsáveis, o envolvimento dos filhos na aplicação de regras justas e a negociação de autoridade favorecem a construção da autonomia e do respeito às normas.

  • Nas escolas, "os alunos são mais propensos a respeitar a autoridade e obedecer às regras por meio de tratamentos dignos e respeitosos. Além disso, ao imporem punições justas, os professores adquirem legitimidade e confiança", resume Rodrigues.

  • Nos sistemas de justiça juvenil, é preciso repensar as lógicas puramente punitivas. Os resultados mostram que a coerção e o uso da força têm efeito breve e, no fim, podem mesmo amplificar a prática de atos infracionais.

Para Tyler e Trinker, a coerção não produz mudança e tem custo elevado de manutenção - e não estamos falando apenas do dispêndio financeiro do reforço na segurança, mas da energia humana gasta na tarefa de vigiar. O consenso, por outro lado, é mais difícil de se obter, mas fortalece a confiança nas instituições, na democracia e na vida em sociedade. Como aponta Rodrigues, "o foco não está na obediência em si, mas sim no que impele os indivíduos a obedecerem."

Nesse sentido, a lista de ações do governo do DF se apoia no velho combo da ineficácia: põe câmera, reprime, organiza uma palestra moralizante do tipo "diga não às drogas", terceiriza o que precisa ser dito em um livro e dá o assunto por encerrado. Um total de zero pessoas vai se surpreender quando o plano falhar.

No mesmo caminho vão as chamadas escolas "cívico-militares", que buscam implantar a obediência por meio de uma hierarquia importada de fora do sistema escolar, não por acaso raramente entendida como legítima. É bem possível que as discussões e promessas eleitorais se apoiem em saídas supostamente fáceis como essas. Na metáfora da onda de violência, é como querer conter um mar agitado com um muro de areia.

O resumo é que não há saída fácil. Crianças e jovens precisam compreender normas e leis como justas e necessárias, aprender o que é uma autoridade legítima e, pouco a pouco, construir uma moral autônoma, pautada pela cultura de paz. Leva tempo e requer mais exemplos concretos do que vigilância e punição. Aos que terminam este texto achando que se trata de pura "ideologia", não custa lembrar que os psicólogos sociais baseiam suas conclusões na análise de centenas de trabalhos científicos. O ponto contrário pode ser defendido, mas um debate racional exige que a visão oposta também se baseie em robustas evidências.