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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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Seleção de emprego usa técnica de "The Masked Singer" contra preconceito

Seleção de emprego usa técnica de "The Masked Singer" contra preconceito - Divulgação
Seleção de emprego usa técnica de "The Masked Singer" contra preconceito Imagem: Divulgação

Rodrigo Ratier

23/08/2021 06h00

É uma entrevista de emprego em vídeo, como já se tornou comum em processos seletivos mundo afora. Mas, nesta modalidade, a visão que o empregador tem do candidato é algo diferente do habitual. No lugar da imagem em movimento, um avatar aleatório e um nome idem. A voz também não é a mesma: alterada por um software, ganha tom robótico, e pode ficar mais grave ou mais aguda que a real. Não dá para saber ao certo quem está do outro lado da tela - e a ideia é essa.

O disfarce, que no entretenimento de programas como The Masked Singer tem função lúdica, aqui é utilizado como uma forma de diminuir os vieses inconscientes que, muitas vezes, acabam determinando contratações no mercado de trabalho. Filtros de voz e de imagem entram em cena para combater preconceitos étnicos e de gênero, deixando o entrevistador diante da única coisa que realmente deveria importar: aquilo que o candidato ou candidata está dizendo.

A coluna experimentou a função de entrevista ao vivo do aplicativo Jobecam, plataforma de seleção para o mercado de trabalho especializada no chamado "recrutamento às cegas". A promessa é que a metodologia seja capaz de aumentar em até 68% a diversidade na contratação.

"O intuito não é esconder o candidato, ao contrário: queremos visibilizar pessoas que antes eram excluídas", diz Cammila Yochabell, fundadora da startup. "O recrutamento às cegas mostra a pessoa por quem ela é, não pela cor da pele, por ser homem ou mulher, LGBT ou periférico. Todas essas características fazem parte de um viés inconsciente dos selecionadores e deveriam, em um processo mais justo, ser descartadas. É o que tentamos fazer."

Potiguar, formada originalmente na área de petróleo e gás, Cammila conta que a inspiração para a inovação veio de sua própria trajetória. "É um campo hostil para mulheres. Eu me masculinizava muito para ser aceita." Ao migrar para recursos humanos, passou a entender com mais clareza os problemas dos processos seletivos. "Há distorção e ineficiência. Sotaque, faculdade de origem e CEP acabam influenciando, enquanto a competência do candidato fica em segundo plano. Pensava no impacto social de trazer pessoas que não seriam vistas para uma realidade de contratação."

O primeiro lançamento, em 2016, foi a entrevista gravada. No começo do recrutamento, o selecionador recebe vários vídeos, com avatares e voz robótica, para uma triagem inicial. Em 2020 veio a opção de conversas ao vivo, etapa em que geralmente entram os gestores. É aí, segundo Cammila, que as mudanças acontecem. "Um deles me escreveu dizendo: ‘não consegui dormir direito pensando que, se fosse um processo convencional, possivelmente eu não teria contratado uma mulher’. Houve uma transformação".

Cammila explica que a tendência a selecionar por afinidade é um componente importante para explicar porque homens brancos, héteros e de elite acabam escolhendo… homens brancos, héteros e de elite. Uma outra ferramenta bloqueia as informações sobre instituição de formação e local de residência, também tidas com características que podem distorcer o recrutamento. "Eu mesma venho de uma faculdade que não é de ponta. Penso que as competências podem ser aferidas por testes e dinâmicas ao longo do processo", defende.

Parceira de multinacionais, a Jobecam já participou da seleção de mais de 200 mil candidatos, segundo as contas de Cammila. A novidade mais recente é um "dashboard da diversidade", um painel que vai informando aos selecionadores qual o perfil étnico, etário, de orientação sexual e de presença ou não de deficiências ao longo das etapas de seleção. "Com isso, é possível corrigir distorções ao longo do processo e favorecer a diversidade", finaliza.