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Rodrigo Ratier

Como lidar com a sensação de que "isso não acaba nunca"

03/08/2020 04h00

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Não é tempo de ser feliz. Você pode até estar contente por uma dessas ocorrências luminosas da vida - o nascimento de um filho, um projeto desejado e concretizado, um novo amor. Mas, como seres sociais que somos, é complicado encontrar felicidade enquanto tanta gente passa por privação e luto. Já se disse que o tempo tem provocado um efeito paradoxal. De um lado, nos aproximamos da trágica cifra de 100 mil mortos pelo coronavírus. De outro, emergem sentimentos que não estavam tão à flor da pele quando embarcamos nessa travessia. Cansaço, desesperança, raiva, indiferença. Uma pergunta sem resposta alimenta a mistura de emoções negativas: "quando tudo isso vai acabar?"

Nem mesmo os mais pessimistas imaginavam que, quatro meses depois do início da pandemia, ainda estaríamos nessa situação. Aliás, como é que estamos? De início pensávamos estar isolados, mas depois descobrimos que o tal lockdown é algo que só rolou em casos excepcionais no Brasil. Wanderson Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, deu talvez a melhor definição para a atitude brasileira: não abrimos nem fechamos, ficamos com a porta entreaberta. O resultado é a bizarra curva, sem paralelo com o que a pandemia havia produzido até então, de um dramático "platô" num nível inadmissível, fazendo ecoar a dúvida do dia da marmota: "quando tudo isso vai acabar?"

Fomos prepotentes. Sou professor e me lembro que a primeira suspensão de aulas presenciais, ainda em março, foi por um período de 10 dias! Com o pensamento desejante de que tudo estaria resolvido em algumas semanas, na pior das hipóteses em poucos meses, tomamos fôlego para um período relativamente curto.

Deu errado. Por si só já seria uma lástima, mas é ainda pior, pois estamos abandonados à própria sorte. Entre um governo ausente que desde o início sabota o combate à pandemia e uma miríade de ações locais descoordenadas - algumas bem-intencionadas, mas confusas ou com motivação obscura -, ficamos sem guia confiável para a ação. É seguro sair à rua? Por quanto tempo? Para onde? Como?

Em cada casa você vai encontrar respostas diferentes: gente que defende a clausura total, pessoas que confiam na máscara para saídas breves e, claro, a turma do só-uma-gripezinha-e-daí. Há um sofrimento mental não desprezível com esses microconflitos que se multiplicam porque o poder público transferiu a cada um e cada uma a responsabilidade de avaliar o risco de exposição a uma ameaça invisível. Todos pagamos o preço da falta de comando e transparência.

Como diz o filósofo, é o que tem para hoje. No fim das contas, "quando isso vai acabar?" é pergunta sem resposta que convoca aceitação de que as coisas não ocorrem, necessariamente, na velocidade que queremos. Constatação trivial que, para mim, veio depois de revolta com a situação presente. Numa autoanálise em busca do porquê do sofrimento, cheguei à conclusão de que meu fôlego para esse período excepcional havia, de alguma forma, se exaurido. Precisava encher os pulmões para seguir em frente.

A saída que estou encontrando é replanejar. Talvez também sirva para você. Estou de olho em ações que estava empurrando com a barriga nos últimos tempos, insatisfações crescentes que fui deixando de lado, intenções lá do início da pandemia que nunca se materializaram. Alguns exemplos: tenho duas filhas e já me esforcei muito mais para oferecer a elas um cardápio longe das telas. Não consegui abrir espaço na rotina para uma hora diária de exercícios e de meditação. E abandonei um curso online de pandeiro na terceira aula. Já que "tudo isso vai continuar", por que não repensar essas e outras coisas agora?

Replanejar inclui calibrar as ambições de curto, médio e longo prazo. Se vamos ficar nessa por mais um tempo, talvez seja importante garantir que cada dia tenhamos uma recompensa, um tempinho diário - semanal, que seja - de prazer em meio a uma rotina que já sabemos desgastante. Da mesma forma, é possível pensar em projetos, digamos, daqui até o fim do ano. E também reavaliar o modo de vida de uma forma global. Um questionamento que me ajuda é o seguinte: estou no caminho na mudança? Estou fazendo minha parte, conforme minhas possibilidades, para que uma transformação positiva? Sei que isso tem um tom de autoajuda, mas tem me auxiliado a tocar o barco com alguma paz de espírito quando o terreno em volta parece desabar.

Por falar em desabamento, tenho prestado atenção àquele conselho clássico do início da pandemia: algum distanciamento do vórtice de informações negativas para manter a saúde mental. Até funcionou no início, mas a ânsia por alguma notícia boa (que não vem) levou a uma overdose de informação que, no meu caso, não fez bem. Não estou propondo o cinismo negacionista - para isso temos o governo Bolsonaro -, mas alguma dose de equilíbrio que ajude a manter a indignação diante do inaceitável sem ser arrastado para a depressão da tragédia. Caminhar nessa linha tênue será o desafio até "tudo isso acabar". Boa sorte para nós.