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Justiça abre caminho para Kia fabricar carros no Brasil

Para José Luiz Gandini, presidente da Kia no Brasil, projeto de fábrica para um ou dois modelos se acelera - Sergio Lima/Folhapress - 15-09-2011
Para José Luiz Gandini, presidente da Kia no Brasil, projeto de fábrica para um ou dois modelos se acelera Imagem: Sergio Lima/Folhapress - 15-09-2011

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

03/09/2013 12h49Atualizada em 03/09/2013 15h57

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a montadora sul-coreana Kia Motors não tem qualquer relação ou responsabilidade pela gestão da antiga Asia Motors do Brasil. Na prática, a decisão libera a Kia para planejar efetivamente a construção de uma fábrica no Brasil, movimento barrado até então pela pendência judicial.

A ministra Cármen Lúcia, relatora do processo no Supremo, rejeitou recurso dos acionistas da Asia Motors em decisão final e sem direito a novos recursos. Assim, vale a sentença de 2004 da ICC (Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional), que havia concluído que a empresa coreana nunca teve controle sobre o grupo brasileiro. 

Em entrevista a UOL Carros, José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil, se disse contente pela decisão, que deve acelerar a definição da montadora coreana pela construção de uma fábrica local. "Tenho convicção de que isso [anúncio de investimento para uma fábrica no Brasil] vá ser decidido a curto prazo a partir de agora", afirmou. "Apesar da demora de qualquer processo judicial no Brasil, esperávamos por esta decisão, que facilita e muito a tomada de qualquer medida por parte deles [a matriz da Kia]", completou.

AGORA VAI?

  • Arquivo Folhapress - FSP Veículos - 1994

    Em 1994, anúncio da Asia Motors mostra a van Towner vendida a preços (e câmbio) da época.

  • Divulgação

    Agora, livre de qualquer relação com operações e dívidas da Asia Motors, Kia pode falar abertamente em investimentos: marca precisa de modelo de massa, mas representação brasileira também pensa em fabricar Sportage no Brasil.

Gandini afirmou ter se reunido com executivos da matriz na Coreia do Sul, na última semana, para explicar as atuais exigências do governo com o novo regime automotivo (Inovar-Auto). Segundo o empresário, no entanto, o histórico de dívidas da Asia Motors com o governo emperrava qualquer conversa sobre investimentos, algo que deve deixar de ocorrer agora. Liberada, a Kia deve partir imediatamente para a definição sobre onde erguer a fábrica e qual modelo -- ou quais modelos -- produzir no país.

"Pelas regras do Inovar-Auto, não adianta ter fábrica pequena no Brasil, é preciso ter uma estrutura grande para entregar um modelo de maior volume, como a Hyundai já faz com o HB20", exemplificou Gandini, citando a unidade de Piracicaba (SP) da co-irmã coreana, que tem capacidade para entregar 150 mil unidades por ano e acaba de abrir o terceiro turno de produção.

Além de um modelo de massa, como é o HB20 (e que no caso da Kia poderia ser um modelo equivalente ao compacto Picanto), Gandini acredita também haver espaço para a produção de um SUV compacto, como o Sportage.

"Como a regra de isenção dos 30 pontos de imposto se dá por modelo e não por marca, acredito que os coreanos poderiam produzir este modelo de maior volume, abrindo espaço ainda para uma fábrica menor, minha, para um modelo como o Sportage, por exemplo", afirmou. O SUV com motor flex compete com Toyota RAV-4, Hyundai ix35, Honda CR-V e até com versões mais caras do Ford EcoSport e é o best-seller da marca no Brasil.

  • Arquivo Folhapress - FSP/Dinheiro - 09.08.1997

    Fernando Henrique Cardoso participa de anúncio da fábrica da Asia Motors, em 1997

A SOMBRA DO PASSADO
Em 1996, a Asia Motors se comprometeu com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a construir uma fábrica em Camaçari (BA), que chegou a ser anunciada, mas nunca saiu do papel. Apesar disso, benefícios fiscais previstos à época foram concedidos e geraram uma dívida que chega a R$ 2 bilhões, em valores atualizados, que ainda estão sendo cobrados judicialmente pelo governo e por ex-empregados.

Endividada, a representação brasileira da Asia Motors propôs a transferência da operação local à matriz (51% das ações mais o controle de fato), em 1997. Em 1999, porém, a crise econômica asiática levou à perda de valor da Asia Motors coreana, que acabou sendo comprada pela Kia Motors. É deste período a série de processos na Justiça brasileira e internacional sobre a responsabilidade da Kia nas relações comerciais da antiga Asia Motors do Brasil e sobre a cobrança da dívida. 

Pela definição do STF, que confirma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de 19 de outubro de 2011, e ainda valida a sentença do ICC, a Kia Motors nunca exerceu controle sobre a Asia Motors do Brasil. A sentença afirma que "os acionistas da Asia Motors do Brasil sempre exerceram o controle de fato da empresa e nunca permitiram que a Kia Motors Corporation praticasse qualquer ato de controle sobre ela". De acordo com a sentença do ICC, a Asia Motors do Brasil deve também R$ 475 milhões à montadora coreana, em valores atualizados (R$ 221 milhões da época), por importações que nunca foram pagas. Resta, porém, a questão do valor devido.

"A decisão do STF é positiva, pois reconhece de forma definitiva que os acionistas da Asia Motors do Brasil praticaram fraude para impedir que a Kia Motors assumisse o controle da empresa, desviaram recursos que deveriam ser empregados na construção da fábrica e ainda deixaram de pagar por carros importados da Kia", afirmou a UOL Carros o advogado Fabiano Robalinho Cavalcanti, do escritório de advocacia Sergio Bermudes, que defende a coreana Kia Motors.

Para Cavalcanti, porém, ainda é necessário que o governo federal dê credibilidade às decisões judiciais e enxergue a Kia como uma das vítimas da Asia Motors: "Precisamos que o governo, de fato, reconheça estas decisões judiciais, e se convença de que a Kia não é responsável pelos atos dos acionistas da Asia Motors do Brasil".

Segundo o advogado, além da decisão definitiva do STF, há ainda parecer favorável à Kia em um dos processos paralelos de cobrança da dívida. "O TRF da 1ª Região [Tribunal Regional Federal - Brasília] já decidiu, em outro processo que sozinho cobra cerca de R$ 1,5 bilhão da dívida total, que não há elementos que comprovem o envolvimento da Kia", afirmou à reportagem.

CAMINHO LIVRE
"A Kia Motors Corporation sempre considerou o Brasil como um dos mais promissores mercados do mundo e estamos fazendo tudo o que podemos para esclarecer todos os aspectos referentes ao caso da Asia Motors", afirmou o representante da Kia no Brasil, Young Cho.

A antiga Asia Motors do Brasil foi fundada em 1993, no período de reabertura do mercado nacional às importações, como representante local da sul-coreana Asia Motors Corporation. A empresa trouxe ao país as vans Topic e Towner, que ficaram conhecidas pelo uso no transporte escolar e também por adaptações para o comércio de alimentos (as famosas "vans dogueiras").

Segunda marca do grupo Hyundai, com faturamento anual de quase US$ 40 bilhões, a Kia Motors tem 15 unidades em dez países e vendas em um total de 149 países. No Brasil, onde opera como importadora, vendeu pouco mais de 40 mil carros em 2012.