Honda Crosstourer leva viajantes de SP ao Acre em rota de 4.000 km
Nas longas viagens de motocicleta sempre existem surpresas boas ou ruins. Faz parte da jornada. Logo no primeiro dia, nos deparamos com uma enorme cachoeira; no segundo, nadei em águas sulfurosas. E isso foi só o começo de uma aventura de uma semana no comando da imponente big-trail Honda VFR 1200 X Crosstourer.
Acompanhado pelo amigo e fotógrafo Mario Villaescusa, saímos de São Paulo e cortamos o Brasil até Xapuri, no Acre. Foram 4.000 km pelas entranhas de um país conhecido por poucos.
A Crosstourer, tabelada em R$ 79.900, foi cedida pela Honda com todos os acessórios disponíveis: cavalete central, parabrisa estendido, protetor de carenagem, malas laterais e baú traseiro -- o kit custa pouco mais de R$ 12 mil. A missão era rodar até Cuiabá (MT) e depois acompanhar a Expedição Transoceânica até Rio Branco, no longínquo e desconhecido (para mim) Acre.
Partimos no domingo (23 de junho) à noite, com a meta de chegar à capital do Mato Grosso na terça-feira (25). Uma verdadeira maratona para desfrutar da viagem, conhecer a moto e produzir boas fotos rodando pelo menos 800 km por dia.
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De volta à estrada, tínhamos nosso entusiasmo e a potência de quase 130 cavalos do motor de 1.200 cc (quatro cilindros em V) para viajar o dia inteiro. A rotina do piloto era só acelerar sem preocupações com a troca de marchas, pois a Crosstourer usa o câmbio DCT (que permite trocas manuais). Não existe sequer manete de embreagem ou pedal de câmbio. Ao garupa restava desfrutar do conforto do banco e fazer algumas fotos enquanto a moto engolia os quilômetros e as cidades ficavam para trás -- algumas com nomes pitorescos, como Guzolândia, fundada por Américo Guzo.
CALOR
No fim do dia nos despedimos das estradas de pista dupla e cruzamos a divisa com Mato Grosso do Sul. O marcador de temperatura do painel indicava 35 graus e o pôr do sol reservou uma imagem inesquecível a caminho de Lagoa Santa, em Goiás. A pequena cidade tem como atração uma lagoa de água sulfurosa, transparente e quente, onde é possível nadar em meio aos peixes durante as noites frias.
Na manhã seguinte, nossa meta era chegar a Cuiabá (MT). Para isso, teríamos de superar 787 km num só tiro. Falando assim parece fácil, mas à medida que rumávamos para o norte, via BR-364, a temperatura aumentava -- e as dificuldades também. Vastas plantações de soja, trigo e algodão se esparramam até o horizonte. Como o caminhão é o principal meio de transporte da safra, a estrada torna-se um inferno. Por vezes, era preciso superar filas de até dez carretas.
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Nada disso. Esse foi um dos trechos mais complicados e arriscados da viagem, por causa da falta da sinalização da estrada. Apesar do sufoco, e com mais de 1.800 km percorridos, chegamos a Cuiabá.
CUIABÁ
Na capital do Mato Grosso tiramos um dia de folga e nos encontramos com os organizadores da 3ª Expedição Interoceânica. Idealizada por Oswaldo Xavier (experiente viajante que desbravou as estradas do Acre), a expedição percorrerá cinco países da América do Sul em 12.000 km de aventuras, deixando o Brasil pelo Acre. Acompanhei a caravana numa Crosstourer mais leve: Villaescusa foi numa das picapes da expedição.
Livre do peso extra do passageiro, a moto da Honda passou por suas maiores provações. Antes de chegar a Cáceres (MT), tivemos pela frente uma manifestação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que interrompia o tráfego na BR-070. Um dos moradores da região indicou um desvio por estrada de terra. O terreno era firme e a suspensão da Crosstourer copiava as ondulações, praticamente isolando o piloto do desconforto.
Porém, os pneus não são adequados para os trechos de areião. Nessa condição, o controle de tração cortava o giro do motor e a moto perdia aderência na dianteira, o que acabou ocasionando uma queda. O protetor de carenagem cumpriu seu papel: não houve danos. Levantamos a moto e seguimos pela estradinha. Para vencer o trecho, bastou desligar o controle de tração para manter o comando da moto.
Ao voltar à rodovia principal, seguimos para Rondônia, oportunidade de conhecer de perto a precariedade de nossas estradas rumo à região Norte. Longas retas sem acostamento e muitas crateras exigem toda a atenção dos motoristas e motociclistas. Regulei a suspensão, deixando-a o mais macia possível. Carretas serpenteando na estrada para fugir dos buracos e o calor de quase 40 graus foram os adversários daquele que foi o dia mais estafante da viagem.
Por fim, com o cair da noite, diminuí o ritmo para acompanhar os veículos da expedição -- sem dúvida, a forma mais segura para superar os 300 km para chegar a Cacoal (RO), já perto da meia-noite.
RUMO A PORTO VELHO
Numa viagem de moto, o convívio com a bagagem sempre é um desgaste. Quando não se tem um bauleto ou alforjes adequados, o trabalho diário de tirar as bagagens da moto, levar para o quarto do hotel, e no dia seguinte prender na moto novamente vira um sacrifício. Mas a moto estava equipada com o conjunto completo, o que facilitava a vida. A dificuldade é a mudança no centro de gravidade (os alforjes e bauleto carregados pesavam mais de 30 kg), que torna a moto um pouco instável nas manobras em baixa velocidade. Na estrada, não há problema com os acessórios.
Com destino a Porto Velho (RO), saímos de Cacoal pela manhã, encarando estradas precárias e com intenso movimento. A cada pequena cidade as enormes carretas diminuem a velocidade e praticamente param para superar os quebra-molas ou lombadas. Ruas empoeiradas, habitações paupérrimas, lixões a céu aberto, postos de combustível precários contrastam com as picapes luxuosas e imponentes que circulam pela região. O trecho até a capital foi menor (580 km) e menos desgastante.
Antes de deixar Porto Velho, passamos pelo Museu Madeira Mamoré. Lá o visitante pode conhecer um pouco mais sobre a linha férrea que foi construída para ser a saída da Bolívia para o Oceano Atlântico. Ligava a cidade de Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, a Porto Velho. De lá as mercadorias seguiam de barco até a bacia amazônica, para atingir o oceano. A estrada de ferro foi inaugurada em 1907 e desativada em 1972. Em Guajará-Mirim, é possível observar vagões e máquinas que parecem agonizar na floresta.
De volta à viagem, enfrentamos a primeira chuva. O parabrisa opcional da Crosstourer funcionou de forma adequada, protegendo da tempestade. A estrada mostrava-se mais tranquila; os caminhões eram raros e as grandes árvores projetavam sombras que diminuíam a temperatura. Em pouco tempo, cerca de seis horas de viagem, fizemos a ligação Porto Velho/Rio Branco. Não se espante com os tempos de viagem: na região Norte as distâncias são enormes, e trechos de 500 km são considerados corriqueiros.
Em boa parte do Brasil, estradas têm péssimas condições, como esta, em Rondônia
RIO BRANCO, DESTINO FINAL
Até este ponto da viagem, a regra eram cidades precárias, malplanejadas, sujas e feias -- com raras exceções. Porém, Rio Branco surpreendeu. Limpa, com várias praças arborizadas, construções coloniais preservadas e um povo simpático, a capital acreana mudou minha expectativa sobre a região.
Para terminar a viagem, rodamos mais 200 km pela BR-317, até Xapuri, a terra de Chico Mendes. Fiz questão de visitar sua casa e o seringal onde ocorria o "empate": o ativista convocava a população para se reunir e impedir a entrada das máquinas e a derrubada da floresta. No seringal funciona uma pousada comunitária que recebe turistas de todo o mundo, além de jornalistas interessados nesse capítulo da história recente do Brasil.
Meus amigos da Expedição Transoceânica seguiram para a fronteira com o Peru. Eles teriam mais de 8.000 km pela frente, mas eu e o fotógrafo voltamos para Rio Branco. A moto ficou por lá, de onde seria despachada. No dia seguinte, uma semana após sair de casa, embarcamos num avião para São Paulo. Trouxemos as malas da Crosstourer e as lembranças de uma jornada especial para quem gosta de conhecer novos lugares e viajar de moto.
Cícero Lima é especialista em motos (e viagens sobre motos)
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