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Fernando Calmon

Fuga de Ghosn é estranha e indica 'corpo-mole' de autoridades japonesas

Colaboração para o UOL

14/01/2020 04h00

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Desde o começo do ano, a fuga do ex-executivo de tripla nacionalidade (brasileiro nato, francês e libanês naturalizado) Carlos Ghosn tem sido acompanhada com grande ênfase pela imprensa internacional. Ele saiu do Japão, onde estava em prisão domiciliar, e chegou ao Líbano com escala na Turquia utilizando dois jatos particulares. O chamado Caso Ghosn começou quando promotores japoneses o acusaram de fraudes financeiras e tributárias contra a Nissan, em 19 de novembro de 2018.

Como consequência foi preso imediatamente e passou por longos interrogatórios. Em março de 2019 foi solto sob fiança de US$ 9 milhões (R$ 37 milhões), mas sem poder deixar o Japão. Novas acusações o levaram um mês depois à cadeia novamente, porém acabou libertado em seguida após outra fiança, desta vez de US$ 4,4 milhões (R$ 18,5 milhões).

Ghosn notabilizou-se por ajudar a salvar a Nissan da falência, a partir da criação da aliança Renault-Nissan, em 1999. Fez uma carreira brilhante e foi o principal responsável por manter a aliança coesa, por si só um feito. Para se tornar um grupo automobilístico, de fato, uma fusão seria necessária. Ele trabalhou para a Renault ser a empresa que iria realmente mandar, apesar de a Nissan ter produção maior e ser mais lucrativa.

O episódio da fuga do Japão, que começou em 29 de dezembro último, até hoje não está bem explicado, independentemente da celeuma dos métodos de acusação e interrogatórios dos promotores japoneses e da enfática defesa e queixa de abusos por parte do ex-executivo. Pelo menos uma circunstância é estranha.

A justiça japonesa confiscou três passaportes de Ghosn (brasileiro, francês e libanês), mas um quarto (francês) ficou em uma maleta lacrada em poder dele. Só esse fato lança dúvidas sobre se as autoridades locais não estariam em um processo de relaxamento calculado, espécie de operação corpo-mole, em razão da grande repercussão negativa sobre o procedimento judicial japonês.

Duas fontes consultadas no Brasil e uma no exterior concordam que a fuga teve tanto de espetacular quanto até certo inexplicável, ao levar em conta o conhecido rigor e a organização nipônicas. E chamaram a atenção para outro fato: o julgamento sofreu adiamentos e estaria marcado para data bem próxima ao início da Olimpíada de Tóquio, que começa em 24 de julho próximo. Autoridades japonesas não gostariam, segundo se especula, de celeumas desse tipo virem a perturbar a imagem de grande sucesso que tanto planejaram e investiram.

O caso deve ser retomado depois do evento esportivo. Os promotores vão considerar suas acusações agravadas pela fuga e tentar condenação mais dura. Mas será muito difícil o Japão conseguir extradição de outro país por isso exigir acordos bilaterais, mesmo com uma condenação à revelia. Líbano e França já afirmaram que não pretendem extraditá-lo.

Por outro lado, Ghosn já gastou quase metade de sua fortuna pessoal com fianças, multas, despesas jurídicas e advogados, além de estimados R$ 60 milhões no planejamento e execução de seu plano de escapar do Japão, segundo informações da agência Bloomberg.