"Ele ama vir para cá"

David tem autismo e faz tratamento com animais há mais de 11 anos. Hoje, mostra evolução após terapia com répteis

Luiza Ferraz (texto) e Fernando Moraes (fotos)

Colaboração para VivaBem, em São Paulo

David de Oliveira Gomes chega na terapia e parece uma celebridade. Todos o cumprimentam e já o conhecem, afinal, ele é paciente da Walking Equoterapia, em São Paulo, há mais de 11 anos. Chegou lá aos 3 e hoje está com 14.

Quando chegou lá pela primeira vez, recém-diagnosticado com autismo, o garoto era não verbal —não conseguia se comunicar por meio de palavras, apenas gestos. Hoje, ele fala, lê, escreve, tem interações sociais e, inclusive, ajudou muito a equipe de fotografia para as fotos desta reportagem.

"Em todo esse tempo, posso contar nos dedos quantas vezes o David faltou. Ele ama vir para cá"

Fátima Gomes, mãe do garoto

O lugar é um centro de reabilitação que atende crianças na Zona Sul de São Paulo com base na TAA (terapia assistida por animais). Eles contam com uma equipe composta por ortopedistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e também veterinários.

Entenda melhor os benefícios da terapia assistida por animais.

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"O interesse dele para se socializar melhorou. Antes, ficava só no próprio mundo. Agora, chega aqui, fala o nome dos profissionais. É um trabalho de formiguinha"

O caminho para toda essa evolução não foi fácil. Fátima sofreu para achar um tratamento adequado. "Eu levava meu filho na psicóloga e ele revirava toda a sala, o sofá, não conseguia focar em nada. Como ele era não verbal, começava a gritar e você não entendia o que significava, né? Mas David estava se expressando."

De escola em escola e clínica em clínica, a mãe encontrou profissionais que hoje são como uma família para o garoto. Agora, sua agenda está cheia: ele faz terapia com animais e tratamento com psicólogo e fonoaudiólogo, além de estudar em uma escola especializada para crianças com necessidades especiais.

A trajetória com os bichos começou com cavalos, na equoterapia. Essa modalidade tem diversos benefícios, ajudando desde pacientes com dificuldades de mobilidade até os que fazem parte do espectro autista, entre outras condições.

A equoterapia foi importante no desenvolvimento da fala de David. "Com o movimento do cavalo, ocorre um impacto nos músculos da cavidade oral, da laringe e da respiração. Além disso, há uma influência nos caminhos nervosos envolvidos na função linguística expressiva e receptiva", explica Andrea Ribeiro, fonoaudióloga, especialista em motricidade oral e fundadora da Walking.

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Após cinco anos na terapia com cavalos, David começou a testar algo novo: o trabalho com répteis. Nele, são utilizados alguns tipos de lagartos, cobras, jabutis e o jacaré-de-papo-amarelo.


É importante ressaltar que todos os animais são registrados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), além de serem tratados e acompanhados por uma equipe de biólogos em todas as sessões terapêuticas.

Os tratamentos são feitos em dias específicos, para não estressar os bichos com os manuseios, respeitando a alimentação (no caso das cobras), os hábitos e o período de descanso.


Diferentemente da equoterapia e da cinoterapia (com cães), esse trabalho chegou ao país há pouco tempo e não é reconhecido pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Na Walking, é feito desde 2016.

Os répteis são animais de sangue frio, com escamas, que fornecem uma percepção tátil diferente dos peludos. Além disso, eles são menos invasivos, diferentemente dos cachorros, por exemplo, que já pulam em busca de carinho e brincadeiras. Por isso, eles têm um poder calmante. "A massagem da cobra, em que ela desce sobre os braços, é relaxante e estimulante", diz a fonoaudióloga Andrea Ribeiro.

"São inúmeros benefícios: a gente melhora a parte motora e de coordenação. Ao passar a mão em um jacaré, a força não será a mesma de passar em uma lagartixa-leopardo, que precisa de mais delicadeza. Também trabalhamos a atenção a qualquer movimento e barulho que o animal faça"

Nas sessões, é ressaltado que as crianças não podem tocar ou pegar nesses bichos quando encontrados na natureza. Isso só pode ser feito dentro da terapia, em um ambiente seguro e com o auxílio de profissionais.

O TEA (Transtorno do Espectro Autista) acomete ao menos uma a cada 160 crianças ao redor do mundo, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). Existem diversos fatores que podem estar relacionados, como a genética e o ambiente no qual o indivíduo está inserido.

As características podem começar desde cedo, mas algumas pessoas descobrem que estão dentro do espectro quando já são adultas. "O atraso na fala é algo que leva muitas famílias ao consultório. Muitos também percebem que a criança não olha diretamente nos olhos, você bate o olhar e ela desvia", diz Carlos Takeuchi, neurologista pediátrico especializado pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Instituto Pensi.

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O comportamento isolado e repetitivo também é um alerta aos pais. "Tem criança que não interage com os demais adultos e prefere brincar sozinha. Às vezes ela fica girando em torno de si mesma, andando de um lado para o outro sem propósito, abrindo e fechando gavetas", diz o neurologista.

O especialista ressalta a importância de entender cada caso e lembra que nada é uma regra absoluta. Crianças autistas podem ter grandes avanços e se tornarem adultos independentes. Um adulto pode ter um cargo de chefia em uma grande empresa e estar dentro do espectro autista. Por isso, os diagnósticos precisam ser acompanhados e individualizados.

"Quando a gente tem um filho, a gente quer que ele engatinhe, ande, fale, aprenda a ler e escrever. Por isso, pequenos avanços, para nós, mães de autistas, significam grandes avanços"

Fátima Gomes, mãe de David

Publicado em 12/04/2022

Reportagem: Luiza Ferraz

Edição de texto: Gabriela Ingrid

Arte: Juliana Caro

Fotos: Fernando Moraes