"Animais fazem com que elas se sintam notadas"

Aos 80 anos, Berenice tem uma doença neurodegenerativa e encontrou nos cachorros um momento de paz

Luiza Ferraz (texto) e Fernando Moraes (fotos)

Colaboração para o VivaBem, em São Paulo

Este é um capítulo da série

Bichos e saúde mental

Conversamos com quatro pessoas que tiveram suas vidas mudadas e beneficiadas pela relação com os animais

Faz cerca de seis anos que a vida de Berenice Eboli Bello, 80, mudou completamente. Ela, uma mulher independente e acostumada a tomar suas próprias decisões, viu-se rapidamente sob os cuidados dos filhos e dos enfermeiros.

Ela foi diagnosticada com PSP (paralisia supranuclear progressiva), uma doença neurodegenerativa caracterizada pela rigidez dos músculos, que causa perda do movimento, da visão e da fala em médio e longo prazo. A condição pode ser mais incapacitante do que o Parkinson.

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O adoecimento, no entanto, não mudou o espírito livre de Berenice. Mãe de três filhos e avó, ela aproveitou os momentos de vitalidade ao lado da família: viajou pelo Brasil e para a Europa, onde mora a sua caçula.

Esses momentos foram preciosos para a senhora, que hoje já não consegue mais se mover ou falar. Ela se comunica por meio de sons e ainda consegue emitir algumas palavras, mas com dificuldade. A visão também ficou comprometida pela dificuldade de piscar, que ocasiona a secura dos olhos.

Por conta das limitações, Berenice conta com uma equipe multidisciplinar que a ajuda a se locomover, na cadeira de rodas, e uma cuidadora que fica ao seu lado em todos os momentos.

Ela reside na Sociedade Beneficente Alemã, uma casa de repouso para "idosos independentes", segundo eles, ou "residências semiassistidas". Lá, os moradores têm a liberdade e privacidade que precisam. Esse, inclusive, foi um dos motivos para Berenice, por conta própria, mudar-se para o local.

Após a morte do marido, em 2012, ela foi morar com a filha mais velha. Mas, com o passar do tempo, começou a cair muito e não queria ficar sob os cuidados de uma enfermeira. Então, decidiu buscar algumas residências de idosos.


A natureza e os animais foram pontos importantes para que escolhesse o local em que vive hoje. Eles dispõem de um lago e muitas árvores. Às vezes, até tucanos e macaquinhos aparecem por lá.

O afeto pelos bichinhos foi fomentado pelos cães da ONG Patas Therapeutas. A cada 15 dias, o residencial recebe uma visita da organização, que traz pets para alegrar os moradores. Eles brincam, fazem carinho e aproveitam cada minuto ao lado dos animais.

Veja aqui os benefícios da terapia assistida por animais.

"Acho que é uma conexão muito prazerosa. Para Berenice, esse contato físico é importante, ela é uma pessoa carinhosa e afetiva"

Monica Maria de Angelis Mota, filha mais velha de Berenice

Estar ao lado dos bichinhos é o novo hobby da idosa, que antes adorava jogar bingo e assistir a filmes, mas, devido à perda da visão, acabou abandonando as atividades.

"Eles se sentem bem, isso traz memórias antigas, dos pets que um dia tiveram. A gente faz esse resgate do mundo lá fora"

Silvana Fideli Prado, psicanalista e fundadora da Patas Therapeutas

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"A comunicação é muito difícil, muitas vezes eles nem querem ter contato por isso. Mas com os cachorros existe essa conexão não verbal. É uma troca fantástica. Há pacientes que não reconhecem várias coisas, mas quando veem os animais já sorriem"

Daniela Gomes, geriatra e coordenadora de saúde na Sociedade Beneficente Alemã

Brincar com os peludos faz Berenice se lembrar de suas duas "netas" caninas, Sophie e Jolie, que não vê desde o fim do ano passado. "A gente costumava ir ao restaurante aos finais de semana, sempre em algum local que aceita animais, aí ela ficava com as cachorrinhas no colo", diz a filha. "Agora, nossos passeios estão mais restritos por conta da dificuldade de locomoção. Como ela só anda com cadeira de rodas, não está conseguindo mais entrar em casa, porque não passa na minha porta."

A filha ressalta a felicidade da mãe quando está ao lado dos cães. Mesmo sem poder falar como antes, é possível perceber a alegria de longe: "Ela faz esforço para se mover e acariciar os animais, tenta dar atenção para todos".

A paralisia supranuclear progressiva é uma doença silenciosa. Mônica conta que antes da pandemia a mãe ainda conseguia andar e não precisava do auxílio da cadeira de rodas. "A gente conversava, jogava palavras cruzadas, mas agora isso mudou."

Os primeiros sintomas da doença foram pouco perceptíveis. Faz cerca de 10 anos que os olhos de Berenice começaram a lacrimejar sem motivos. As filhas a levaram em vários especialistas, mas não encontraram respostas.


A preocupação aumentou quando a mãe passou a cair com frequência. Segundo alguns médicos, no entanto, isso podia estar ligado ao aumento do peso corporal.

"Até que fomos em uma oftalmologista e ela achou que poderia ser Parkinson. Marcamos uma consulta com o neuro e fizemos diversos exames clínicos, confirmando a existência da paralisia supranuclear progressiva"

A piora foi rápida. Mas, apesar das dificuldades motoras, a memória de Berenice continua intacta: ela consegue reconhecer os filhos, as situações e segue lúcida, respondendo a todos os estímulos.

As primeiras características da doença consistem nos chamados olhos de boneca. A pessoa não consegue fazer grandes movimentos oculares, como olhar para o lado, para cima e para baixo sem virar o pescoço.

"Também há a lentificação psicomotora, instabilidade postural com quedas frequentes e declínio cognitivo associado ao quadro motor"

Aline Freire Borges Juliano, neurologista do Hospital São Domingos e coordenadora de neurologia no UDI Hospital Rede D'or em São Luís, no Maranhão

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Como são sintomas lentos, muitas vezes o diagnóstico pode vir quando a doença está mais avançada. Ela ocorre em média entre os 65 e 70 anos de idade e não tem cura.

"Algumas medicações são utilizadas para controle dos sintomas, porém não modificam o curso natural da doença, que evolui com piora progressiva. Dessa forma, infelizmente, a descoberta precoce não muda o desfecho clínico"

Aline Freire Borges Juliano, neurologista

A cachorrinha favorita de Berenice é Chanel, que fica quietinha no colo e adora um carinho.

"Os animais gostam, interagem e olham para as pessoas. Isso traz bem-estar e faz com que elas se sintam notadas"

Silvana Fideli Prado, psicanalista da Patas Therapeutas

Este é um capítulo da série

Bichos e saúde mental

Conversamos com quatro pessoas que tiveram suas vidas mudadas e beneficiadas pela relação com os animais

Publicado em 12/04/2022

Reportagem: Luiza Ferraz

Edição de texto: Gabriela Ingrid

Arte: Juliana Caro

Fotos: Fernando Moraes