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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Meu filho nasceu com os ossos do crânio fundidos e dedinhos grudados'

João, Natália Jereissati e Igor Cunha Imagem: Acervo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

30/04/2024 04h05

O casal Natália Jereissati e Igor Cunha estava esperando seu terceiro filho, João, 6, em uma gravidez tranquila, sem intercorrências. Durante o pré-natal, nada de diferente foi detectado no bebê, mas quando ele nasceu a surpresa: ele tinha síndrome de Apert.

O que foi um susto inicial para a família tornou-se determinação para a disseminação de mais informações sobre a doença. Tanto que eles viabilizaram um simpósio com profissionais especialistas do mundo inteiro para discutir as síndromes raras que causam craniossinostose aqui no Brasil (entenda mais abaixo). A VivaBem, Natália contou a história do casal e os desafios no tratamento do filho:

"João foi a minha terceira gestação. Tudo correu de forma normal no pré-natal e nos exames que fiz antes do nascimento dele. Mas quando nasceu, ele tinha os ossos do crânio fundidos, os dedinhos grudados. Foi um susto. Era síndrome de Apert.

Os médicos levaram cerca de três dias para entender qual era o diagnóstico. Para nós, os pais, foi um processo difícil. Até o nascimento acreditávamos que teríamos um filho saudável e, em vez disso, quando ele nasceu foram necessários diversos exames e investigações. O coração dele funciona direito? Ele consegue escutar? Ficávamos nos questionando como os médicos não perceberam isso durante a gestação.

Aos poucos fomos entendendo o que estava acontecendo, que ele precisaria passar por cirurgias nos primeiros meses de sua vida. Seria, por exemplo, necessário liberar os ossos do crânio, porque esse é o momento em que o cérebro mais se desenvolve. Os ossos fundidos podem atrapalhar o desenvolvimento cognitivo.

Pesquisamos muito para entender mais sobre a síndrome de Apert , mas as informações eram escassas. Muitos dos médicos que falamos nunca tinham tido contato com a doença. Nossos amigos e familiares também passaram a se dedicar a achar informações.

Descobrimos que no Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos, existia uma cirurgia que era minimamente invasiva que ajudava a aliviar o espaço do crânio, mas que precisava ser feita nos primeiros três meses de vida. Enquanto aqui no Brasil seria necessário esperar pelo menos um ano para um procedimento cirúrgico bem mais invasivo.

Além disso, neste hospital existe também um centro de pesquisa. Mandamos todos os exames do João para eles, fizemos consultas online e nos mudamos correndo para a cidade, já que, para eles, era necessário fazer o procedimento o mais rápido possível.

Tratamento fora do país

Eu, meu marido e três filhos fomos para Boston sem ter nada organizado ainda. Não tínhamos casa, não tínhamos pensado em escola para as crianças. E nós precisaríamos ficar na cidade porque enfrentaríamos um tratamento a longo prazo. Além da cirurgia, João precisaria fazer o uso de um capacete por meses, que se adaptaria ao seu crescimento.

Quando chegamos nos Estados Unidos, João pegou uma gripe e a cirurgia precisou ser adiada alguns dias, mas foi feita bem rapidamente. Ele tinha quase quatro meses quando passou pelo procedimento.

Apesar de mexer no crânio, o procedimento foi relativamente simples, feito apenas com duas incisões. Ele ficou apenas um dia no hospital. O próximo passo do protocolo seria o uso do capacete, algo que ele fez por um ano. Depois começaram as outras cirurgias, liberando parte dos dedos da mão, algo que é feito em três etapas em um período de seis meses.

Os médicos disseram que esses procedimentos tinham que ser feitos no primeiro ano de vida para não atrapalhar o desenvolvimento cognitivo do João. Hoje ele tem uma boa autonomia com as mãos.

Dá para dizer que a síndrome de Apert do João tem sintomas mais leves. Mas é preciso ir fazendo algumas correções cirúrgicas durante a infância e adolescência. Esses anos são muito importantes. Por exemplo, quando ele entrar na adolescência precisará fazer um procedimento na face para ajudar na respiração e oratória. Agora estamos em uma fase boa. João está curtindo a vida.

Iniciativa pelo conhecimento

Quando o João nasceu, há seis anos, tínhamos pouquíssimas informações sobre a doença. Hoje, sinto que esse cenário mudou um pouco. Mesmo com o apoio da nossa família, de ótimos hospitais e médicos maravilhosos, tivemos dificuldade de ter acesso a explicações sobre a síndrome. Imagina quem não tem tudo isso?

Queremos que outras famílias tenham a sensação de que estão no caminho certo com seus filhos, que sintam a felicidade que sentimos ao ver o João crescer. Foi daí que surgiu a ideia de fazer um simpósio sobre doenças com craniossinostose, que é a fusão dos ossos do crânio.

Começamos a conversar sobre a possibilidade de disseminar mais informações sobre esses casos em 2019, mas com a chegada da pandemia tivemos que esperar o momento oportuno. E esse momento chegou. Trouxemos médicos de todas as regiões do Brasil e alguns do mundo, como de um hospital referência em Paris e o de Boston, onde o João foi tratado, para discutir e dividir informações sobre a doença.

Essas síndromes precisam de um tratamento multidisciplinar e, quando falamos no sistema privado, isso é muito fragmentado. Tivemos dificuldade de entender a síndrome como um todo por causa disso. Mesmo com médicos fantásticos.

Pelo SUS, existe o HRAC (Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais) da USP em Bauru, onde foi o simpósio, que tem essa abordagem multidisciplinar. Existe também um hospital em Campinas que faz isso. Nossa ideia foi pegar o melhor do Brasil e levar para essa discussão."

O que é a síndrome de Apert?

A síndrome de Apert é uma doença rara, genética, que pode ocorrer tanto porque os pais têm seu gene quanto por uma alteração durante a fecundação. "Essa alteração faz com que a criança nasça com os ossos do cérebro fundidos. Esse fechamento precoce limita o crescimento encefálico", diz Nivaldo Alonso, coordenador de cirurgia craniofacial do HRAC-USP.

Por isso, a cirurgia do crânio é um dos primeiros procedimentos feitos nesses pacientes. Mas não há, em nenhum lugar no mundo, um protocolo fechado sobre como seria o tratamento certo nesses pacientes: cada médico e cada país faz uso de uma técnica diferente —e nenhuma delas é errada.

"Os franceses têm o centro com o maior número de pacientes deste tipo do mundo. Morei lá e fui treinado dessa forma, mas fiz adaptações à realidade do Brasil. Nós recebemos desde bebês a crianças no hospital. Cada paciente é único. Mas há uma convergência de opinião sobre as mãos: a cirurgia para liberar os dedos deve ser feita entre um e dois anos de idade do paciente", explica Alonso.

Caso a criança não passe por esses procedimentos, ela pode enfrentar ainda mais problemas cognitivos de desenvolvimento. "O cérebro não conseguirá se desenvolver de uma forma normal, causando limitações cognitivas importantes, além daquelas que o paciente com Apert já teria. Essa pessoa terá também problemas motores, por isso a operação das mãos é algo que se faz o quanto antes", explica Nivaldo.

Além da craneossinostose, que é a junção dos ossos do crânio, o paciente com Apert tem fisionomias semelhantes. Eles podem ter —mas não acontece em todos os casos— fissura palatina, hipodesenvolvimento dos ombros, malformações cardíacas e urinárias.

"Um paciente com Apert tem que ser acompanhado por toda a vida. Não adianta fazer cirurgias até os cinco anos e depois voltar ao médico só com 18. É necessário avaliar a evolução cognitiva, se existe alteração na face que pode causar apneia e obstrução na respiração", explica Nivaldo. Por mais que o tratamento deva começar cedo, esse paciente precisa de cuidados para sempre.

Diagnóstico precoce

Questionado sobre o motivo de não ter sido possível identificar durante o pré-Natal de Natália que João tinha síndrome de Apert, a explicação é simples: ainda falta muita informação sobre a doença, inclusive no meio médico.

São muitos médicos fazendo análises no pré-natal e depois do nascimento do bebê. Só na sala de parto temos pediatra, neonatologista e obstetra. Muitas vezes esses profissionais não estão familiarizados com a síndrome. Nivaldo Alonso

E se eles não sabem para qual sinal olhar, não conseguem diagnosticar precocemente.

Alonso ainda faz um alerta: algumas das síndromes não serão possíveis de ser identificadas em nenhum exame. "Mas você pode procurar grandes centros em busca de diagnósticos precoces. Por exemplo, se as mãos parecem estar grudadas no ultrassom", finaliza.

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