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Testes de ancestralidade: saiba o que realmente significam seus resultados

Imagem: iStock

Shai Carmi e Harald Ringbauer*

The Conversation

13/04/2024 04h02

Em 2022, relatamos as sequências de DNA de 33 pessoas que viveram na época medieval enterradas em um cemitério judeu na Alemanha.

Pouco tempo depois de disponibilizarmos os dados publicamente, pessoas começaram a comparar seu próprio DNA com o dos judeus alemães do século 14, encontrando muitas "correspondências"

Esses indivíduos medievais tinham fragmentos de DNA compartilhados com milhares de pessoas que fizeram o upload de sua sequência de DNA para um banco de dados online, da mesma forma que você compartilha fragmentos de DNA com seus parentes.

Mas que tipo de relacionamento implica um fragmento de DNA compartilhado com uma pessoa medieval? Acontece que não há muita coisa aí que possa ajudar na pesquisa das raízes de sua família.

Somos geneticistas populacionais que trabalham com DNA antigo. Entendemos como pode ser empolgante encontrar um vínculo genético com determinadas pessoas que viveram muitas gerações atrás.

Mas essas correspondências de DNA não são os laços estreitos de parentesco que você pode imaginar. Veja como estes testes funcionam.

O DNA de pessoas que viveram há muito tempo

O DNA antigo (ancient DNA, ou aDNA) é um campo de pesquisas novo e em rápido crescimento, com um Prêmio Nobel concedido em 2022 a Svante Pääbo por seu trabalho fundamental na área.

Usando amostras retiradas de ossos do crânio ou de dentes, pesquisadores de aDNA podem sequenciar o DNA de pessoas que viveram há até 100 mil anos.

Mais de 10 mil sequências de DNA antigas, ou genomas, estão disponíveis atualmente. Esses genomas, provenientes de todos os cantos do mundo, revolucionaram drasticamente a compreensão dos cientistas sobre as origens humanas.

Uma nova tendência nas pesquisas de DNA antigo é o sequenciamento dos genomas de indivíduos "históricos", que viveram durante o último milênio.

Os exemplos incluem genomas da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, da Islândia, da Polônia, do Sudeste Europeu e de Londres, Cambridge e Norwich no Reino Unido.

Fora da Europa, os cientistas sequenciaram genomas históricos da Ásia Oriental, da costa suaíli, da África do Sul, das Ilhas Canárias, do Líbano, de Machu Picchu, do Caribe e da região da Baía de São Francisco, EUA.

Os genomas de africanos escravizados de Delaware, Maryland, Carolina do Sul e Santa Helena também estão disponíveis.

Alguns genomas históricos pertencem a indivíduos conhecidos, incluindo Ludwig van Beethoven, a família do último czar russo, a realeza medieval húngara, o líder Lakota Sioux Touro Sentado e o Rei Ricardo 3º da Inglaterra.

Como você poderia comparar seu próprio DNA com o dessas pessoas históricas?

Várias empresas de testes genéticos vendidos direto ao consumidor, como a 23andMe, MyHeritage ou Ancestry, permitem conhecer sua sequência de genoma de forma simples e barata.

Elas comparam seu DNA com o de outros clientes, identificam pessoas que compartilham com você trechos longos e contínuos de DNA idêntico e informam essas correspondências —das mais próximas às mais distantes.

Após deliberação inicial, a 23andMe agora também permite que seus clientes comparem seus genomas com os de pessoas históricas.

Outras empresas de testes genéticos ainda não fazem isso, mas apaixonados pela genealogia podem fazer por si. Por exemplo, o serviço GEDmatch permite que usuários carreguem seus próprios dados de DNA, juntamente com sequências de DNA publicadas de quaisquer pessoas históricas. Uma vez carregado, o GEDmatch identificará qualquer usuário com quem você compartilhe material genético.

Então, o que uma correspondência genética com uma pessoa medieval significa para sua genealogia? Surpreendentemente, muito pouco.

Onde genealogia e genética divergem

A primeira coisa a entender é quantos ancestrais você tem em cada geração passada. Uma geração atrás, você tem dois antepassados. Duas gerações atrás, esse número dobra para quatro. Depois, oito e 16. Há 30 gerações, por volta do século 12, você tem mais de um bilhão de antepassados.

Claramente, a essa altura, seus antepassados incluem a maioria das pessoas de sua população que viveram naquela época, excluindo uma pequena fração que não deixou descendentes de longo prazo.

Isso inclui, se você tiver origens europeias, pessoas notáveis como Carlos Magno ou Eduardo 1º, mas também pessoas de todas as classes sociais medievais. Sua árvore genealógica chega a cada um desses ancestrais por meio de numerosas linhas.

O ponto vermelho na geração 0 representa uma pessoa atual em uma população simulada de 100 mil pessoas. Cada pequeno ponto vermelho representa uma pessoa, e as linhas vermelhas conectam as pessoas a seus pais. Os ancestrais alcançados por meio de várias linhas na árvore genealógica estão marcados com círculos pretos. O número de linhas se torna tão grande tão rápido que, depois de 15 gerações atrás, a maioria dos ancestrais é alcançada por várias linhas. Imagem: Graham Coop

Pesquisas matemáticas demonstram um fato surpreendente: em qualquer população, o número de linhas em sua árvore genealógica que chega a qualquer pessoa medieval específica é praticamente o mesmo entre você e todas as outras pessoas que pertencem à mesma população que você.

Em outras palavras, todas as pessoas vivas hoje estão igualmente relacionadas, genealogicamente, a todas as pessoas medievais dessa população.

A próxima etapa é entender de quantos ancestrais você realmente herda o DNA. Surpreendentemente, mais uma vez, muito poucos.

Apesar de seus milhões ou mais de ancestrais medievais, você herda o DNA de apenas uma pequena fração deles. Portanto, lamentamos, você provavelmente não herdou nenhum DNA de Carlos Magno ou Eduardo 1º.

Por exemplo, você tem apenas cerca de 2.000 ancestrais genéticos do século 12. Em outras palavras, sua sequência de DNA é um mosaico de aproximadamente 2.000 "fragmentos", cada um deles remontando a uma única pessoa do século 12.

Quem são as pessoas medievais cujo DNA você herdou? Cada fragmento do seu DNA descende de uma linha aleatória da sua árvore genealógica —pai da mãe da mãe do pai da mãe e assim por diante— a cada geração no passado, selecionando aleatoriamente um dos dois pais.

Quanto mais linhas em sua árvore genealógica chegarem a uma determinada pessoa medieval, maior será a probabilidade de você herdar o DNA dessa pessoa.

Para alguém vivo hoje, o número de ancestrais genealógicos dobra a cada geração. Mas cada fragmento de DNA (barras coloridas) é herdado por meio de um caminho aleatório e em ziguezague na árvore genealógica, o que significa que o DNA é herdado apenas de uma pequena fração dos ancestrais. Imagem: Shai Carmi, CC BY-ND

Mas lembre-se, o número de linhagens familiares que chegam a uma pessoa medieval é praticamente o mesmo para todos os indivíduos atuais de uma determinada população.

Portanto, todos os indivíduos herdam o DNA de qualquer pessoa medieval com probabilidades muito semelhantes. Assim, compartilhar material genético com uma pessoa medieval específica ou outra é apenas uma questão aleatória, e todos estão jogando o mesmo jogo.

Aqui está uma analogia. Ir a um cassino e rolar a bola da roleta para 24 não significa que 24 é o seu número especial. Qualquer outra pessoa pode ter tirado 24 também.

Da mesma forma, compartilhar um fragmento de DNA com qualquer um de seus milhões de ancestrais genealógicos medievais não significa nenhuma relação especial, além de compartilhar um fragmento de DNA.

E se você não tiver um segmento compartilhado, você simplesmente não teve "sorte". Isso não significa que você tenha menos parentesco genealógico com essa pessoa medieval do que qualquer outra pessoa da sua população que tenha um segmento compartilhado.

Como observação, uma "população" nem sempre é bem definida, mas esses argumentos são válidos, em geral, para pessoas com origens semelhantes.

Como interpretar uma ancestralidade de DNA

Considere novamente os judeus alemães medievais. Alguns judeus Ashkenazi (europeus) atuais compartilharão o DNA com um judeu medieval específico. Alguns compartilharão com outro. Alguns não compartilharão com nenhum. É um sorteio de loteria.

E como a maioria dos judeus asquenazes de hoje tem parentesco genealógico muito semelhante ao dos judeus alemães medievais, ver esse fragmento de DNA compartilhado não implica em nenhum parentesco genealógico exclusivo.

Por outro lado, se você estiver disposto a considerar ancestrais mais recentes, as correspondências de DNA podem ser informativas.

Os mesmos modelos matemáticos mostram que o número de linhas familiares que chegam a uma determinada pessoa histórica que viveu há cerca de 200 ou 300 anos será muito diferente entre as pessoas atuais.

Portanto, uma correspondência de DNA com uma pessoa do século 18 implica uma relação genealógica mais específica, que a maioria dos outros indivíduos atuais não tem.

Esse padrão foi demonstrado em um estudo recente da 23andMe. Comparando os genomas de africanos escravizados do século 18 de Maryland com mais de 9 milhões de seus clientes, a 23andMe descobriu mais de 41 mil parentes vivos, incluindo alguns descendentes quase diretos.

Reconstruções faciais baseadas em restos de esqueletos de afro-americanos escravizados que trabalharam em Catoctin Furnace, em Maryland, onde os cientistas também sequenciaram DNA antigo. Imagem: Katherine Frey/The Washington Post via Getty Images

Em quanto tempo uma correspondência de DNA ainda tem significado genealógico? Por exemplo, as correspondências de DNA são informativas no período entre o final da Idade Média e o século 17? Ainda não sabemos.

São necessárias pesquisas futuras para esclarecer essa questão, bem como os desvios do modelo simples de uma população única e livremente misturada.

Enquanto isso, à medida que os cientistas acumulam rapidamente mais e mais sequências históricas de genoma, tenha em mente o comportamento peculiar das genealogias humanas ao interpretar um compartilhamento de DNA.

*Shai Carmi é professor associado de Genética Populacional e Estatística da Hebrew University of Jerusalem. Harald Ringbauer é líder de grupo do Departamento de Arqueogenética do Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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