Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que lembramos de algumas coisas mais facilmente que outras?

Imagem: Getty Images

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

20/05/2021 04h00

O que você comeu no café da manhã na última sexta-feira? Se a resposta está na ponta da língua, ou é porque foi um dia marcante para você ou porque os produtos que estavam à sua disposição, muito provavelmente, eram seus favoritos. Para o cérebro, é muito mais fácil se lembrar de algo que foi importante para nós de alguma maneira do que simplesmente armazenar todas as situações que passamos.

"Conseguimos decorar uma letra de música, mas ela será muito mais facilmente memorizada se no momento que a escutamos estamos em um encontro romântico. Outro exemplo é quando estamos conversando com alguém, porém com muitas perturbações ao redor (barulhos, outra pessoa falando, ou mesmo uma preocupação na nossa cabeça). Nossa atenção pode ficar mais dispersa e a memória daquela conversa ser mais difícil de ser guardada ou evocada", explica Juliana Luchin, médica neurologista do Hospital Santa Paula.

Além das informações que têm forte apelo emocional, para Marcio Luiz Figueredo Balthazar, neurologista do Hospital das Clínicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professor da Faculdade de Ciências Médicas da mesma universidade, as que são repetidas várias vezes também são memorizadas. Já informações pouco relevantes tendem a ser esquecidas mais rapidamente.

Segundo ele, esta é a explicação para, muitas vezes, lembrarmos de algumas coisas mais facilmente, à medida que esquecemos de outras. "Há diferentes sistemas de memória no cérebro, com o envolvimento de diferentes regiões. Por exemplo, dirigir ou andar de bicicleta faz parte de um tipo de memória que não exige evocação consciente da informação. Para que essa memória fique 'automática' é necessária a repetição de procedimentos por várias vezes".

"A repetição provoca o fortalecimento das sinapses entre os neurônios de um determinado circuito. Essa mudança pode formar um caminho específico para aquela memória. Essa memória pode então ser evocada quando queremos ou quando algum estímulo sensorial (audição ou visão, por exemplo) ajuda a trazer a lembrança", diz a neurocientista Eliane Comoli, professora do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

Podemos separar nossa memória em dois tipos principais: a declarativa, que é responsável por eventos e experiências pessoais, assim como conceitos que adquirimos, e a de procedimentos, que é responsável pela aquisição de habilidades, hábitos e comportamentos Imagem: Getty Images

Essas são as memórias de procedimento. Podemos separar nossa memória em dois tipos principais: a declarativa, que é responsável por eventos e experiências pessoais, assim como conceitos que adquirimos, e a de procedimentos, que é responsável pela aquisição de habilidades, hábitos e comportamentos. "Como exemplos de memória declarativa temos a lembrança de uma história curta da sua vida, o que foi comido no café da manhã, como é o desenho de um coração. Já a memória de procedimentos é a que nos faz lembrar como é andar de bicicleta, saber dirigir um carro", diz Luchin.

A diferença entre elas, ainda segundo Luchin, é a forma como as adquirimos, mas também como a evocamos. "A memória declarativa é evocada conscientemente e mais fácil de ser formada, porém a esquecemos com mais facilidade, já que demanda mais nossa atenção. A memória de procedimentos exige a repetição de uma atividade que segue sempre o mesmo padrão para ser consolidada e assim é mais difícil de ser perdida".

Máquina de memórias

O cérebro tem uma capacidade incrível de aprender coisas novas e adquirir informações novas, o que chamamos de aprendizado. "A memória é a capacidade de reter o aprendizado. Isso acontece devido à plasticidade neural ou neuroplasticidade, uma habilidade que o sistema nervoso tem de reorganizar os neurônios e os seus circuitos e formar novos neurônios. A formação de memórias envolve uma região do cérebro chamada hipocampo e o armazenamento a longo prazo depende de diversas regiões corticais", diz Comoli.

Assim, podemos dizer que há uma divisão temporal de memória de curto prazo e de memórias de longo prazo. "A memória a curto prazo é muito fundamental para viver algumas situações e contextos, como deixar o carro ou a bicicleta estacionada num local enquanto você faz compras e após alguns minutos ou horas você se lembra e volta para o local para pegar o carro ou a bicicleta. Depois essa memória é descartada e esquecida. No entanto, as nossas vivências podem se transformar em memórias de longa duração e são muito importantes. Nossas memórias nos dizem quem somos e influenciam o nosso comportamento", destaca Comoli.

Memórias de curto prazo duram minutos ou horas e envolvem mudanças mais simples na estrutura neural (muitas vezes, mudanças neuroquímicas apenas). Já as memórias de longo prazo envolvem uma mudança mais robusta dos circuitos neurais, como aumento da ramificação neuronal, formação de sinapses, formação de novos neurônios e circuitos. "O efeito do componente emocional tem um peso enorme e facilita a formação e consolidação de memórias de longa duração".

No entanto, a neurocientista aponta, emoções associadas ao medo têm mais relevância que emoções prazerosas, por tratarem de relações de sobrevivência e riscos. "É como se formasse uma arquitetura cerebral que sinaliza para que não coloquemos a nossa vida em risco. Nesse sentido, o sistema é muito protetor em relação às emoções aversivas. As memórias relacionadas ao medo são evocadas muito rapidamente em circunstâncias de ameaça para facilitar as estratégias de defesa que serão utilizadas para se defender da ameaça".

Dirigir ou andar de bicicleta faz parte de um tipo de memória que não exige evocação consciente da informação Imagem: Getty Images

Cérebro saudável

O cérebro pode perder a capacidade de memorização ao longo dos anos devido à degeneração natural dos neurônios pelo envelhecimento ou por algum fator patológico. "Devemos lembrar que o cérebro também envelhece junto com o corpo. Portanto, é natural que haja um declínio cognitivo ao longo do tempo (assim como o coração, pele, cabelos ossos), mesmo sem haver doença em atividade", comenta Edson Issamu Yokoo, neurologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.

Segundo ele, o declínio cognitivo natural, geralmente, é mais observado a partir dos 70 anos, podendo variar de caso a caso. Algumas atividades, no entanto, podem ajudar a manter o cérebro ativo e fazer com que nos lembremos mais regularmente de coisas e situações. Mas é bom ressaltar que não existe fórmula milagrosa para manter o cérebro saudável.

"De maneira genérica, recomendamos as medidas de saúde geral, que servem para prevenção de qualquer doença: equilíbrio na dieta, evitar sedentarismo, praticar atividades físicas, evitar uso de álcool, tabaco ou substâncias sabidamente tóxicas, manter o equilíbrio da mente, evitar o estresse. De maneira específica, recomendamos atividades que estimulam o cérebro, como leitura, prática ou aprendizado de idiomas, de instrumentos musicais, desafios cerebrais variados, mas desde que sejam prazerosas para a pessoa. Não recomendamos prática de idiomas para quem que não se adapta a línguas, por exemplo, o que tornaria a atividade mais estressante do que benéfica, perdendo então a sua utilidade", diz Yokoo.

Para Keila Narimatsu, neurologista clínica do Hospital Moriah, ainda vale ter boas noites de sono, ter atenção e concentração nas atividades do dia a dia, e o mais importante de todos: fazer exames de check up rotineiramente. "A memória ainda pode ser desenvolvida e estimulada com técnicas mentais, boa alimentação, cuidados com a ingestão de medicamentos, atenção à saúde mental e técnicas de relaxamento. É necessário também o controle dos fatores de risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia (colesterol elevado) e combate ao sedentarismo".

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Por que lembramos de algumas coisas mais facilmente que outras? - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Equilíbrio