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Covid-19: crianças são menos importantes que adultos na disseminação

Imagem: Volanthevist / Getty Images

Frances Jones

Da revista Pesquisa Fapesp

07/11/2020 04h00

Entre as questões sem respostas definitivas que pairam sobre o novo coronavírus, uma delas tem importância crucial para o retorno seguro das aulas: o papel de crianças e adolescentes na cadeia de infecção e transmissão do Sars-CoV-2. Embora haja evidências na literatura médica e científica sustentando que os mais jovens são capazes de transmitir o vírus, a exemplo de qualquer indivíduo, seu peso na disseminação da covid-19 parece, até agora, pequeno.

"No caso dos vírus influenza e sincicial respiratório, que causam infecções de vias aéreas superiores e inferiores, as crianças são vetores importantes da dinâmica de transmissão desses patógenos na comunidade de uma forma geral", afirma o pediatra Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, da FCM-SCSP (Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo) e coordenador do Serviço de Infectologia Pediátrica do Hospital Infantil Sabará. "Para covid-19, isso não ficou demonstrado. Elas participam, sim, podem transmitir o Sars-CoV-2, mas até o momento não foram identificadas como as grandes vilãs."

O que não há dúvidas é que crianças e adolescentes são os mais poupados nessa pandemia. No Brasil, entre 0,6% e 0,7% do total de óbitos por covid-19 são de menores de 20 anos, de acordo com Sáfadi, que também é presidente do Departamento de Infectologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). "Menos de 1% em um grupo que representa mais de 25% da população", ressalta o pediatra. "Há mortes, mas definitivamente ocorrem em um menor número."

Além de morrer menos em razão do novo coronavírus, crianças e adolescentes, uma vez infectados, costumam apresentar sintomas mais brandos, quando apresentam, e têm menor risco de desenvolver a forma mais grave da doença. Alguns estudos apontam também que são menos suscetíveis à infecção pelo Sars-CoV-2. "Pesquisas indicam que as crianças se infectam um pouco menos do que os adultos. Em geral, qualquer virose dá mais em crianças, mas não é esse o caso da covid-19", afirma a nefrologista pediátrica Ana Cristina Simões e Silva, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). "Há quem diga que, por serem pouco sintomáticas, elas poderiam transmitir o vírus com mais facilidade, mas não temos provas disso."

Como os mais jovens adoecem menos, a base populacional para estudos é menor entre a população em idade escolar e os resultados das pesquisas costumam ser conflitantes, afirma Simões e Silva. Uma pesquisa realizada em dois estados do sul da Índia, segundo país em número de casos confirmados, sugere que o maior risco de infecção se dá entre pessoas da mesma faixa etária. Segundo o trabalho, publicado em 30 de setembro na revista Science, foram analisados dados de mais de 575 mil indivíduos de todas as idades expostos a 84.965 casos confirmados de covid-19.

Trabalho indiano indica que contatos entre pessoas da mesma faixa etária apresentam maior risco de infecção

De acordo com o primeiro autor do estudo, o economista e epidemiologista Ramanan Laxminarayan, diretor do CDDEP (Centro para Dinâmicas, Economia e Política de Doenças), com sede em Washington, nos Estados Unidos, essa tendência se manifestou principalmente entre as crianças e adolescentes de até 14 anos (apesar de as escolas estarem fechadas) e indivíduos com mais de 64 anos. "Adolescentes acima dos 10 anos transmitem o vírus efetivamente; essa faixa etária transmite com mais eficiência que as crianças mais novas", disse Laxminarayan à Pesquisa Fapesp.

O trabalho apresentou outros dados: 71% das pessoas infectadas que depois tiveram seus contatos rastreados não transmitiram o coronavírus para ninguém; no entanto, 8% dos indivíduos infectados, cuja faixa etária não foi detalhada no estudo, foram responsáveis por 60% das novas infecções. "Em tese, as crianças poderiam atuar como supertransmissoras, mas não temos evidência disso", pondera o epidemiologista.

Outro artigo científico recente sugere que ainda não há dados suficientes para concluir se as crianças e os adolescentes transmitem mais ou menos o Sars-CoV-2. Publicado em 25 de setembro no Jama Pediatrics, o trabalho coordenado por pesquisadores do University College London, do Reino Unido, fez uma revisão sistemática de 32 artigos produzidos até 28 de julho sobre a prevalência de Sars-CoV-2 no público infantojuvenil, sem, no entanto, chegar a um veredicto final. De concreto, o estudo destacava que o risco de as crianças pegar covid-19 seria 44% menor do que o de pessoas com mais de 20 anos.

Diferentemente, um artigo publicado em outubro no Pediatrics feito com 57 mil cuidadores infantis nos Estados Unidos, em sua maioria trabalhando durante a pandemia em programas para crianças com menos de 6 anos, registrou que eles tinham o mesmo risco de serem infectados pelo novo coronavírus do que qualquer outro adulto.

No Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), que de maneira geral atende os casos mais graves de covid-19, uma das prioridades agora é saber se os jovens de até 20 anos que sobreviveram à fase aguda da doença terão órgãos e sistemas afetados no longo prazo. Dois terços das crianças e adolescentes com a covid-19 confirmada no instituto já tinham alguma condição crônica antes de se infectarem.

"Não sabemos o que ocorre com os pacientes que saem da hospitalização ou têm covid mesmo moderada. Será que terão algum impacto em outros órgãos, uma nova doença autoimune, problemas emocionais?", indaga o pediatra Clovis Artur Almeida da Silva, do Departamento de Pediatria da FM-USP. "Essas são grandes perguntas para o futuro. E só vamos ter as respostas em 2021 ou 2022."

Artigos científicos
LAXMINARAYAN, R. et al. Epidemiology and transmission dynamics of Covid-19 in two Indian states. Science. 30 set. 2020.
GILLIAM, W. S. et al. Covid-19 transmission in US child care programs. Pediatrics. 1º out. 2020 (preprint).
VINER, R. M. et al. Susceptibility to Sars-CoV-2 infection among children and adolescents compared with adults. JAMA Pediatrics. 25 set. 2020.

Leia a matéria original aqui.

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