Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


"Ideia é vacina única contra gripe e coronavírus", diz professor da UFMG

Ricardo Gazzinelli é um dos líderes de um dos projetos brasileiros de vacina contra o coronavírus Imagem: UFMG

Gabriela Ingrid

Do VivaBem, em São Paulo

11/05/2020 04h00

Na corrida para a vacina contra o novo coronavírus, o Brasil também tem espaço. Entre as pesquisas do país, um projeto de Minas Gerais pretende desenvolver uma versão bivalente, que protegeria do vírus da gripe e do Sars-CoV-2.

Para entender melhor como anda o estudo, em fase pré-clinica, o VivaBem entrevistou Ricardo Gazzinelli, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), pesquisador da Fiocruz e coordenador do INCTV (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas). Gazzinelli é um dos líderes do projeto que usa o influenza como base.

Segundo o cientista, com tantos projetos pelo mundo, é capaz que tenhamos mais de uma vacina contra o coronavírus. Mas não há expectativas para que isso ocorra ainda neste ano. "Provavelmente, só no primeiro semestre de 2021", diz. A seguir, você confere a entrevista completa.

VivaBem: Como uma vacina protegeria o corpo do coronavírus e como funcionaria a de vocês?

Ricardo Gazzinelli: No coronavírus, as proteínas spike, que parecem uma coroa, ligam-se ao receptor da célula que vai infectar e isso faz com que o vírus consiga entrar no corpo. Mas se há um anticorpo que se liga àquela proteína, ele bloqueia a entrada do vírus na célula.

Hoje, grande parte das vacinas estão tentando induzir anticorpos contra a proteína spike ou usam o vírus completo inativado ou enfraquecido ou a própria proteína numa formulação vacinal que induz o anticorpo contra ela mesma —é o que chamam de anticorpo neutralizante.

Na nossa vacina, usamos o influenza e nele inserimos a sequência de ácidos nucleicos que codifica a proteína spike. Esse vírus da gripe é atenuado, então não causa a doença. Ele infecta a célula, mas não sai dela, não causando doença. Esse vírus atenuado então induziria a resposta imune contra o influenza e contra o coronavírus. A nossa ideia é ter uma vacina bivalente, contra a gripe e contra o coronavírus.

Por que escolheram o vírus da gripe?

Escolhemos o influenza porque ele infecta as mesmas vias que o coronavírus. Ele induz a resposta imune que nós acreditamos ser semelhante a que vai proteger do Sars-CoV-2. Obviamente, o influenza naturalmente não tem a especificidade para a proteína spike. Mas como estamos inserindo-a dentro do vírus da gripe, ele agora vai expressar, induzir um anticorpo contra essa proteína e deve proteger.

Uma das vantagens é que o influenza, como ele infecta também mucosas das vias aéreas e nasal, induz o IgA, um anticorpo que deve proteger localmente a entrada do coronavírus.

Em que fase estão os testes?

Estamos na fase final de inserir a proteína spike no vírus. A partir daí são dois testes importantes: o de imunogenicidade (quando faz a vacina, tem que confirmar que ela induz a resposta imune que você espera) e o teste de segurança em animais de laboratório (saber se aquela formulação não tem efeitos colaterais grandes em camundongos e coelhos, por exemplo).

A vacina contra o coronavírus teria que se produzida para milhões de pessoas Imagem: Getty Images
Depois que demonstra a segurança, usa-se um modelo, no caso do coronavírus estão usando o macaco rhesus. Testa-se então nesse modelo para ver se o protege contra a infecção. No caso da pandemia, que temos urgência, enquanto faz-se o ensaio de proteção, paralelamente faz o teste clínico fase 1. Nessa fase, os cientistas checam a imunogenicidade e a segurança em humanos.

A última etapa seriam as fases 2 e 3. No caso das pandemias, tenta-se fazer ambas as fases juntas. É quando você imuniza uma parte da população e outra não e checa se há algum grau de proteção. A fase 2 é controlada, mas tem uma discussão se deve-se fazer com o coronavírus, porque ele causa uma doença grave.

Querem fazer em jovens ou em quem tem acompanhamento médico, para não correr riscos, existem até 10 mil voluntários. Mas a questão é decidir se vai fazer ou não. Acho que a princípio não pode, mas o pessoal está tentando achar argumentos. A fase 3 normalmente demora um pouco porque é expansão natural. Imuniza-se grupos de risco, porque como está exposto mais rapidamente, seria mais rápido.

Quais são os desafios depois de descobrir uma vacina eficaz?

Essa é a parte mais complexa, a produção em escala industrial. Dependendo, se é uma vacina única, que não existe em lugar nenhum, ou constrói uma fábrica ou adapta outra para a produção. Mas vamos precisar de um número muito grande de doses. Se pensar mundialmente, são bilhões, no Brasil, centenas de milhões.

Essa é a vantagem da nossa escolha. O Instituo Butantan já tem a fábrica de vacina de influenza para campanha pública. Eles produzem dezenas de milhões, talvez até cem milhões de doses. Então, se funcionar essa vacina do influenza e passar por todas as etapas, a parte de produção já estamos mais ou menos resolvidos, talvez não vai ter nem que ampliar a fábrica.

Com tantas pesquisas pelo mundo, é capaz que tenhamos mais de uma vacina contra o coronavírus?

Provavelmente, sim. Estamos vendo uma centena de grupos tentando desenvolver a vacina. Acredito que mais de uma vai funcionar. Isso é bom porque talvez tenhamos várias empresas ou governos produzindo vacinas que funcionem bem. Se mais de uma funcionar, ótimo, cada empresa fica com a sua e vende ou distribui. Se uma for muito melhor do que as outras, a tendência é que a que for melhor domine o mercado.

Ideia dos cientistas é fazer uma vacina que proteja contra a gripe e o coronavírus Imagem: Istock
Mas tem tempo até isso acontecer. Se você tiver uma vacina que protege contra a doença e não contra a infecção, já tem um ganho. Teremos que lidar com vacinas com eficiência parcial até chegarmos a uma altamente eficiente. Isso tem que ser determinado empiricamente, não tem como prever. Mas as que estão em fase clínica estão aceleradas e teremos resultados mais rápidos.

Para você, a velocidade das investigações para a criação de uma vacina para o coronavírus é extraordinária?

É uma coisa inédita e espetacular. Normalmente uma vacina demora de 8 a 10 anos. A da caxumba foi a mais rápida e demorou quatro anos e meio. Essas vacinas têm uma motivação muito grande, há uma parceria grande de universidades e setores industriais que vão acelerar o processo.

Acho que para ter distribuição comercial tem que terminar as fases 2 e 3, que levam meses. Acho que esse ano ainda vai ser difícil ter algo concreto, mas, sendo otimista, no primeiro semestre do ano que vem podemos esperar por algo.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

"Ideia é vacina única contra gripe e coronavírus", diz professor da UFMG - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Saúde