Para acalmar filho autista, ela pedala 5 h por dia: "Aprendi o que é amor"
Giulia Granchi
Do VivaBem, em São Paulo
12/03/2020 04h00
Quando Suellen Budenetz tira a bicicleta da garagem para passear com seu filho Adryan Gabriel, 11, o percurso já vem à mente naturalmente, e não só por morarem em Garuva, uma cidade de pequena de cerca de 16 mil habitantes em Santa Catarina.
O mesmo caminho é feito há quatro anos, diariamente, por cerca de cinco horas, com o objetivo de acalmar e entreter o pequeno, que é autista e ainda tem outras síndromes. "Passamos pelos principais pontos da cidade e paramos na prefeitura e na rodoviária, porque ele adora ver os ônibus que ficam por lá", conta Suellen.
Aos 19 anos, quando engravidou, Suellen ouviu dos médicos que seu filho teria hidrocefalia. "Fiquei apavorada. Chorava dia e noite e só orava para que eu não o perdesse. Pedia para Deus deixá-lo comigo, eu daria um jeito", lembra.
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Um mês após o nascimento, os exames diagnosticaram Gabriel com microcefalia, Síndrome de Dubowitz --patologia que causa quadros como atraso mental e de crescimento e imunodepressão-- e, mais tarde, com autismo.
Com o passar dos anos, Gabriel passou a ter crises. Ele teve o acompanhamento de um neurologista até os cinco anos, mas, por falta de recursos da família, precisou interromper as consultas —apenas recentemente, por meio de uma vaquinha, Suellen conseguiu levá-lo para ajustar a quantidade de medicação.
"Durante as crises, ele se agride, quebra copos, fica muito agitado. Já chegou até a quebrar os vidros da porta da casa que alugamos, e precisou fazer pontos no rosto", lembra. Hoje, o lar já não tem vidros nas portas e janelas, e o sonho da mãe é construir a casa própria, de forma adaptada para oferecer uma melhor qualidade de vida para Gabriel.
Para tentar frear os episódios do filho, Suellen usou a criatividade e fez várias tentativas: ofereceu diferentes brinquedos, criou jogos, montou cabaninha com cobertores, deu banho de piscina... "Algumas das alternativas funcionavam, mas tudo era temporário", lembra.
Outra ideia, que se mostrou mais efetiva, surgiu quando o garoto começou a balançar o portão e apontar para a bicicleta. Com o objeto, que é um dos principais meios de transporte da cidade, a mãe descobriu uma forma de entreter o filho e até ajudar a si mesma. "Eu tinha crises de ansiedade muito fortes por conta de toda a situação. Pedalar contribuiu muito para a minha saúde mental, são momentos em que consigo curtir e ajudar meu filho", explica.
A dupla pedalava com a bike do pai de Gabriel, que caminhava até o trabalho para deixar que a esposa e o filho passeassem à tarde. Hoje, Gabriel já tem sua própria bicicleta adaptada, doada por um grupo de ciclistas de Florianópolis. Ela tem a garupa mais alta e apoio para os pés do menino, facilitando o equilíbrio.
A rotina da família
Gabriel fazia tratamento na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), mas por causa das crises, Suellen precisou retirá-lo da turma.
O menino depende de um cuidador para todas as atividades básicas, como comer, tomar banho e trocar as fraldas. Por isso, a mãe assiste-o durante os dias enquanto seu marido trabalha.
"Meu filho me ensinou o que é amor"
Suellen conta que sempre gostou de crianças, mas ter Gabriel como filho, é mais do que a realização de um sonho.
"Com ele eu aprendi o que é o amor. Assistir ele vencendo obstáculos desde pequeno, lutando entre consultas médicas me ensinou a ser forte. Ele é meu companheiro, meu tudo", afirma.