'Valeu a pena cada pedrada'

Ela já foi atacada pela sua aparência, atitudes e falas. Nada abala Preta Gil, que quer ser mãe aos 48

Luiza Souto de Universa, no Rio de Janeiro

Fotos de biquíni são comuns no perfil do Instagram de Preta Gil, 48. E se hoje os comentários dos seguidores são, na maioria, elogiosos — "gostosa", "gata", "autoestima em dia"—, a cantora já recebeu muitas críticas e ataques apenas por não ter vergonha de se mostrar e gostar de quem é. E se antes foi o corpo, agora, ela quer naturalizar a proximidade dos 50 e, logo no começo da pandemia, assumiu os cabelos brancos. "Não precisa dizer 'você não parece ter 48 anos'. Isso não é elogio. Eu tenho e quero parecer que tenho".

A maturidade e muitas sessões de terapia ajudaram Preta a ignorar toda essa gente "estúpida e hipócrita" descrita nas letras do pai, Gilberto Gil, mas isso não impede que, às vezes, sinta as críticas baterem mais forte. As primeiras postagens dos fios grisalhos vieram com frio na barriga."Postava foto e saía correndo até esse processo se tornar natural pra mim. De deixar meu cabelo ficar branco e até odiar, mas não pintar só porque alguém disse pra mim que envelhecer não é bom."

Preta realmente está confortável com sua imagem e mostra isso desde quando, há 20 anos, se lançou na música, e escolheu posar nua na capa do primeiro álbum, "Prêt-à Porter". Na época, ela causou furor e seu próprio pai achou "desnecessário e horrível".

Mas o que ouviu no passar dos anos foi ainda pior, avalia. "Quando eu comecei a minha carreira, era uma mulher fora do padrão, assumidamente bissexual e negra. Mas há 20 anos as pessoas ainda tinham vergonha de se assumirem como elas verdadeiramente são. Hoje está praticamente autorizado você ser gordofóbico, machista, racista", diz a baiana, que arrasta mais de 2 milhões de pessoas no Carnaval do Rio de Janeiro com o Bloco da Preta.

Durante as duas décadas de carreira musical, pessoas sentiram no direito de criticá-la não só no quesito da pressão estética mas também por suas atitudes — desde deixar o filho, o músico Francisco Gil, 27, sob a guarda do pai (o ator Otavio Muller), para que pudesse se dedicar a carreira até casar com um homem 15 anos mais novo - o produtor Rodrigo Godoy, 33, com quem está desde 2015.

Mas Preta está em paz. Gosta de viver o presente, ainda sonha em ser mãe novamente e se prepara para os próximos anos. "Eu vou passar pela menopausa. Não tem como fugir dela. E ela pode ser para mim de um jeito e pra você de outro. O que eu costumo fazer, como em relação a tudo na minha vida, é estudar e ouvir histórias, porque quando chegar a hora vou saber os sintomas e o que fazer."

Uma das estrelas do reality "Em Casa com os Gil" (Amazon Prime Video), projeta ainda chegar ao menos perto da idade do patriarca. Mas sem neuras. "Talvez eu não consiga porque os hábitos dele sempre foram muito mais saudáveis do que os meus. Então eu quero chegar aos 80 anos do meu jeito. Do meu pai seria uma utopia. Seria mais uma forma de me frustrar."

'Há mil formas de ser mãe'

Há dois meses a atriz Cláudia Raia, 55, anunciou a gravidez do terceiro filho, de seu casamento com Jarbas Homem de Mello. Isso bastou para, naquela mesma semana, Preta ouvir de "umas dez pessoas" se ela também não tentaria ter um segundo filho, como se estivessem dizendo: "Se a Cláudia conseguiu com essa idade, você também conseguiria".

Preta rebate as cobranças: "A coisa mais linda de poder olhar uma mulher como a Cláudia é ficar feliz por ela. E isso não criar em mim ou em outra pessoa qualquer tipo de frustração."

Ela, que teve Francisco, 27, aos 21 anos e hoje já é até avó da pequena Sol de Maria, 7, ainda pensa na possibilidade de viver novamente a maternidade.

"Ainda quero muito ser mãe. Existem várias formas para que isso aconteça. Mas acho que a forma dita natural de engravidar está cada dia mais distante. Eu tenho 48 anos."

Para evitar frustrações, Preta prefere não fazer planos. "Mesmo sabendo que o tempo corre um pouco contra mim nesse aspecto, sei que há mil formas de ser mãe sem você necessariamente ter um filho para cuidar. Maternar é um estado de espírito."

'Esse filho tem pai'

Preta brinca que inaugurou a maternidade na roda das amigas. "Não fui da turminha das grávidas, empurrando o carrinho. Eu saí na frente".

Mas mesmo recebendo todo apoio do pai da criança, o ator Otávio Muller, e da família, diz que às vezes nem isso era suficiente para ajudar a encarar dos medos às mudanças no corpo. E depois de muitos "perrengaços" escolheu deixar a criança aos 7 anos morando com o pai para concretizar o sonho de ser cantora. O casal viveu junto por cerca de 4 anos.

"Diziam que abri mão do meu filho, mas alguém questiona o homem quando ele recebe uma proposta de emprego e vai morar fora? O Francisco já tinha 7 anos quando eu comecei a cantar. Tive que vender minha produtora e comecei do zero. Voltei a morar com a minha mãe. Uma hora eu entendi: 'esse menino tem pai e eu estou aqui num perrengão'. E o Otávio, que é um superpai, olhou pra mim e falou: 'você precisa passar por isso? Vá construir a sua carreira. Eu posso ficar com ele.' Era a oportunidade que eu tinha de ser feliz. E meu filho estaria sendo cuidado pelo pai dele. Não fui morar em outro país. Só não estava dando conta daquela rotina de levar pra escola, ajudar a estudar."

Francisco nunca se sentiu abandonado. Acho que isso deu para ele um senso de amor à vida, porque os pais não eram um casal, mas se amavam e estavam fazendo aquilo por ele.

Pactos de relacionamento

Observada a todo instante pelo marido, o seu produtor Rodrigo Godoy, Preta ensina que assim como a vida está em movimento, o relacionamento de quase dez anos também não tem regras e combinados. "Temos que ficar atento para que a gente possa colaborar um com a felicidade do outro. Mas partindo do princípio de que somos um casal, porém seres únicos, com vontades e desejos individuais. E muitas vezes o casamento tira isso, porque você tem convenções a serem reproduzidas pela sociedade. Então, você tem que criar seus pactos."

E o acordo que ela tem com o companheiro é "amor, amor e vontade de viver juntos", um combinado que não sai caro, reflete.

"Não adianta você sentar numa combinação se você mudou. Ele tinha 24 anos quando a gente começou a namorar. São quase dez anos. Eu vi um homem se formar na minha frente. E ele viu uma senhora chegar. A gente está atento um ao outro com muito amor, entendendo que não tem nada combinado. Está tudo em franca transformação."

'Sociedade não quer uma preta, gorda e bissexual livre'

Quando fotografou nua para o seu álbum de estreia, nem a gravadora gostou da ideia —ela queria colocar uma tarja preta, e a artista acabou vindo numa fita do Senhor do Bonfim- muito menos o pai.

Mas Preta bancou. Porque estava, ela justificou na época, " num momento um pouco mais consciente da vida", e foi exatamente ali que percebeu toda pedreira que viria por ser filha de quem é e dentro daquele corpo.

"Quando eu vi aquela repercussão tão distorcida da capa do meu disco, as pessoas criticando o meu corpo, não ouvindo a minha música, falando da reação do meu pai, entendi já muito cedo que a gente vive numa sociedade preconceituosa de várias formas, e que não quer uma mulher preta, gorda, bissexual mostrando a sua liberdade plena".

Mas valeu a pena toda pedra que eu recebi, porque hoje eu vejo um monte de mulheres e de pessoas se libertando de rótulos.

'Precisamos de pessoas não pretas como aliadas'

Era 2011, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL), então deputado federal, disse à Preta Gil, num programa de TV, que "namorar com negra seria promiscuidade". Pela declaração, ele foi condenado a pagar, em 2019, 150 mil reais por danos morais ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), do Ministério da Justiça.

Para Preta, somente os meios legais e o fortalecimento do movimento antirracista mesmo podem parar quem faz comentários criminosos, independentemente de quem seja, já que injúria racial e racismo são crimes.

"Essas pessoas não querem dialogar com a gente. Elas são perversas, foram saindo dos bueiros e se sentindo muito à vontade de pensar como elas são. Tem pessoas que não querem aprender, e o que a gente tem que fazer, na minha opinião, é se fortalecer e ter essa essa visão do coletivo e ir fazendo com que a nossa comunidade saia dessa dita minoria, tendo pessoas não pretas como aliadas."

Eu encaro as coisas como elas são com naturalidade. Por isso a sociedade é tão ansiosa e frustrada, porque se cria tanta expectativa

Preta Gil

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