Na curva do mundo

Ativista dos direitos LGBTQ+, Bruna Linzmeyer fala com a força e a leveza de quem se conhece e se respeita

Bárbara dos Anjos Lima da Universa Julia Rodrigues

Bruna Linzmeyer gosta de dizer que viu o mundo "fazer uma curva". E que tal curva converte a seu favor. Aos 27 anos, ela faz parte de uma geração de jovens mais livres e conectadas com seus desejos: desde questionar a necessidade de se depilar até a coragem de assumir sua sexualidade. Bruna foi uma das primeiras atrizes a falar abertamente sobre sua identidade lésbica-queer.

Com sua visão doce, ela vive com tranquilidade no universo que construiu: o das paredes descascadas do apartamento que virou meme, onde ela abraça suas estranhezas, questiona a necessidade de "caber em caixinhas estéticas" e vive seu amor mesmo que algumas pessoas não considerem "normal" — desde o começo do isolamento social, ela e sua namorada, a DJ Marta Supernova, estão morando juntas. "O mundo fez uma curva muito recentemente. A gente despertou para as questões LGBTQ+, para as questões de gênero e estamos começando a fazer isso na questão de raça", diz.

Bruna tem um discurso afiado. É consciente de seus privilégios de mulher branca e dentro do padrão considerado bonito pela sociedade, mas também está pronta para defender a luta pelos direitos LGBTQ+. Normalizar uso da palavra sapatão é uma delas. "O xingamento que eu mais escuto quando querem falar da minha sexualidade é 'isso que você vive não é normal'. Então, eu sou anormal?", diz.

Julia Rodrigues
Julia Rodrigues/UOL

Sexualidade sem sofrimento

Durante boa parte da sua vida, Bruna namorou homens. Chegou até mesmo a se casar, com o ator Michel Melamed, com quem ficou entre 2010 e 2015. "Eu amava essas pessoas e construí coisas importantes com elas. Sempre foi bom com os homens. Mas aí descobri que era ainda mais legal ficar com as mulheres e que para mim faz ainda mais sentido", conta.

Bruna afirma que o processo aconteceu de forma bem natural. "Um dia eu me apaixonei por uma pessoa, e era uma mulher. Eu não pensei nisso antes, quando estava flertando. Meu corpo tomou a decisão por mim. Depois é que eu fui sacar, "ah é, é uma mulher, tem isso de diferente".

Histórias como a de Bruna, ela mesma reforça, são importantes para termos exemplos positivos de gente lidando com a sua sexualidade. Na tal "curva do mundo", ela gosta de pensar que nem todas as histórias de "sair do armário" precisam ser de sofrimento. "É importante pensar nesse processo como um lugar de descoberta, não de dor" afirma.

Seu otimismo não impede de ver que essa não é da realidade muitas pessoas LGBTQ+. "Sei de atrizes que são proibidas por contrato de falar sobre sua sexualidade", diz. "Mulheres são agredidas, morrem, por ser como eu e amar outra mulher. Elas morrem ouvindo a palavra 'sapatão'. Mas isso não pode ser um xingamento", diz, engrossando o coro de muitas lésbicas que estão resgatando e ressignificando o termo. "Você não vai me xingar com alguma coisa que eu sou. Eu sou sapatão, mesmo! Eu amo uma mulher mesmo. Não tenho nenhuma vergonha disso."

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Mato, afeto, obstinação

Bruna sempre teve o apoio da família. E não foi diferente ao lidar com a sua sexualidade. "Num primeiro momento eles estranharam, mas logo em seguida perguntaram: 'você está feliz?", lembra. O irmão mais velho de Bruna, Helder, de 36 anos, também é gay, e foi ele quem inaugurou a pauta entre os Linzmeyer.

Nascida em Corupá, um município com cerca de 15 mil habitantes no interior de Santa Catarina, Bruna fala com muito carinho da cidade natal. "Volto para lá com bastante frequência. Lá tem muita cachoeira, mato e muito afeto". Ainda assim, desde bem nova sabia que queria sair de lá, desbravar o mundo.

Com o apoio de seus pais — ela é filha de Gerson, projetista de telecomunicações, e de Rosi, terapeuta de Reiki —, bolou um plano, juntou dinheiro. Os olhos azuis, o corpo magro e a beleza, como ela mesma diz, "dentro dos padrões" ajudaram muito. Aos 16 anos, ganhou um concurso de beleza tradicional do Sul do país — o Garota Verão — e tomou coragem para partir para São Paulo para investir na carreira de modelo. Na "cidade grande" passou por todos os perrengues clássicos de quem tenta essa profissão: dividiu apartamento com muitas outras modelos, trabalhou de graça e viu suas economias acabarem. Desesperada, pediu ao seu booker para tentar o teste na Globo. Era um tiro no escuro, mas deu certo. Em dois meses já estava no Rio de Janeiro, gravando a série "O que querem as mulheres?", que estreou na Globo em 2010. Prestes a completar uma década como atriz profissional, acumula nove produções televisivas, 14 personagens no cinema (os últimos cinco, com previsão de estreia nos próximos meses) e mais de 10 indicações a prêmios.

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Quarentener nerd

Muitos cursos, roteiros a quatro mãos, comida e carinho. Assim tem sido os dias de isolamento social de Bruna e Marta. Bruna definitivamente faz parte do time dos hiperativos da quarentena. Cozinha, escreve e virou fã das aulas online. "A cada semana que passa a gente se inscreve em curso novo". Ela já fez aulas de música, aromaterapia, filosofia e cinema.

Grata por poder estar em casa trabalhando em meio a pandemia, ela tem tentado levar os dias da melhor forma possível "O isolamento tem dias mais difíceis, mais angustiantes. Mas tenho conseguido ler, escrever, trocar carinho mesmo que virtual com minha família e amigos." Tem também se permitido alguns mimos. "Tenho me preocupado com a saúde, mas também com o prazer que eu tenho com a comida. Se dá vontade de comer um chocolate, de beber uma cerveja, eu faço"

A pandemia também ajudou a acelerar os processos do relacionamento. Juntas desde o final do ano passado, Marta foi morar com Bruna em março, para passarem juntas esse momento. "Está sendo muito gostoso. A gente conversa, estuda, troca carinho". A parceria virou também profissional: já escreveram dois roteiros de longa-metragem, ambos sobre o tema LGBTQ+.

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Corpo nave

Bruna é do tipo livre que alguns até chamariam de estranha. Tudo bem, ela está em paz com isso. Uma das primeiras famosas a desafiar o padrão estético e aparecer com a axila sem depilar em uma capa de revista, a atriz provoca o debate e filosofa sobre a maior ferramenta de trabalho de uma atriz: seu corpo. "Eu acho importante poder escolher. Se estar depilada é uma obrigação, acho que vale a gente se perguntar o porquê", diz. "Meu corpo é tipo corpo nave. É o corpo que eu tenho para fazer tudo o que quiser: dançar, me divertir, namorar, trabalhar."

Brincando com a imagem, ela aproveita para desconstruir padrões e quebrar regras. "Tenho prazer de experimentar. De um dia ser 'bem mulherão', outro meio andrógina, um dia usar maquiagem, outros não. Deixo esse convite para as pessoas: por que não brincarmos e nos divertirmos com esse instrumento que é nosso?"

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Ensaio à distância

Por causa da quarentena e do distanciamento social, as fotos do ensaio com Bruna Linzmeyer foram feitas remotamente. A fotógrafa Julia Rodrigues foi quem fez as fotos desse ensaio. "Já conhecia a casa dela e por isso ficou mais fácil dirigir locais e luz", diz Julia.

As fotos foram feitas via FaceTime do iPhone. "Acaba virando um papo entre amigos. Na conversa, vamos criando uma afinidade, o que é ótimo para as fotos", conta. O processo é relativamente simples: de um lado, a modelo faz as poses, do outro, a fotógrafa usa uma ferramenta do aparelho que dispara remotamente a câmera da pessoa com quem você está falando.

"Gostei muito do resultado. É um jeito bem interessante de gerar conteúdo quando não há tantas possibilidades. A tendência é que a tecnologia avance nessa direção."

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