Existir, resistir e incluir

No Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, ativistas anticapacitistas compartilham luta por visibilidade

Nathália Geraldo De Universa

À frente da luta por acessibilidade e visibilidade, mulheres com deficiência ocupam espaços na internet e nas ruas. De diferentes etnias, sexualidades e histórias, elas celebram a pluralidade e reafirmam que não dá para reduzir ninguém à deficiência que tem. Cada uma a seu modo, estão na marcha contra o capacitismo — atitudes discriminatórias, conscientes ou não, que subjugam a autonomia de alguém e que revelam o preconceito contra pessoas com deficiência.

Nesse 3 de dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (PCD), data instituída pela ONU em 1992 para promover a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos, essas ativistas do anticapacitismo reforçam que, dentro e fora das redes sociais, a militância é sobre resistência, seja publicando fotos no Instagram sem esconder as deficiências ou lutando por políticas públicas que atendam à população com deficiência — no Brasil, são 17,3 milhões de pessoas com dois anos ou mais que têm alguma deficiência, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgada neste ano pelo IBGE. Esse número representa 8,4% da população total.

Há duas leis que garantem os direitos desse grupo: a Lei de Cotas e a Lei Brasileira de Inclusão, respectivamente, de 1991 e de 2015. Mas, em um país plural e pouco inclusivo como o Brasil é preciso entender as diferentes identidades de pessoas com deficiência. Só assim será possível dar conta da diversidade dentro dessa fatia populacional, aponta Fatine Oliveira, mulher cadeirante de 37 anos.

"Quando uma pessoa com deficiência é uma mulher, negra, pobre, ela pode viver a opressão do capacitismo, mas também pelo racismo e pelo machismo. No Brasil, é impossível deixar de fazer essas relações. E vejo que nos movimentos sociais e nas esferas de poder ainda não há a noção dessa diversidade entre as PCDs", afirma Fatine, que é mestre em Comunicação Social e integrante do Afetos: Grupo de Pesquisa em Comunicação, Acessibilidade e Vulnerabilidades pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A seguir, conheça mulheres que batalham por acessibilidade e respeito, trabalhando autoestima, visibilidade e direitos.

"Blogueira PCD: preta com deficiência"

Quase 34 mil pessoas acompanham a rotina da criadora de conteúdo digital Alessandra Martins, a Lelê Martins, 25 anos, no Instagram. No perfil @blogueirapcd, a jovem compartilha fotos de looks, maquiagem, vídeos virais e as experiências de vida do dia a dia de uma mulher negra, moradora da comunidade do Morro do Santa Marta, no Rio de Janeiro. Ela brinca com o termo PCD, na descrição do Instagram, ao dizer que é "preta com deficiência".

Lelê foi atropelada por um ônibus em 2018, e sofreu uma amputação na perna esquerda. O ativismo na rede social ganhou gás quando Lelê sofreu com um episódio de racismo, em 2019: ao passar por uma blitz, dentro de um táxi, sua muleta foi confundida com uma arma por um policial, voltando de Madureira. Ela precisou mostrar as pernas para que ele entendesse a situação.

"Ali, eu vi que não seria todo mundo que me veria como um 'anjinho'. Precisei levantar a questão da raça naquela contexto, o que até hoje sinto que não tem tanto destaque no debate sobre pessoas com deficiência", conta. "Fui para o Instagram porque queria incentivar as pessoas a falarem sobre isso e por representação. Mas, também tomo o cuidado de não ser reduzida ao papel que a sociedade impõe a pessoas com corpos como o meu".

Para a criadora de conteúdo, o capacitismo é a casca mais dura de se quebrar quando o tema é preconceito. "Socialmente, é a última 'desconstrução' que as pessoas têm. Muitas das nossas pautas ainda são levadas como piada ou como algo que não é tão importante assim. As pessoas não entendem que o capacitismo por vezes aprisiona nossos corpos dentro de casa."

Muitas das nossas pautas ainda são levadas como piada ou como algo que não é tão importante. As pessoas não entendem que o capacitismo por vezes aprisiona nossos corpos dentro de casa.

Lelê Martins, criadora de conteúdo no @blogueirapcd

"Capacitismo é violência estrutural"

O caminho traçado pela ativista trans e cadeirante Leandrinha Du Art, 26 anos, para naturalizar o próprio corpo passa pela sexualidade. Nascida com síndrome de Larsen, uma má formação nos ossos, ela chegou às redes sociais há nove anos falando de desejos e erotismo de pessoas com deficiência. "É um desafio pautar isso no país em que uma mulher falando de sexo é vista como marginalizada, uma travesti é hipersexualizada, e uma mulher com deficiência, como algo bizarro", diz a ativista de Passos (MG).

No seu perfil @leandrinhadu são mais de 73 mil seguidores. Para ela, a internet dá pulsão à pauta dos preconceitos contra PCDs na medida em que põe a imagem dessas pessoas no feed do Instagram. "O capacitismo é algo debatido no nosso meio há muito tempo, mas com a ascensão de influenciadores, blogueiras, isso vai para a rua. A internet cria a possibilidade de mostrá-lo como uma violência estrutural, como são o racismo, a misoginia, a transfobia."

O "sonho de princesa", diz Leandrinha, é um mundo em que a presença de corpos com deficiência seja permanente na cultura. "Não vai ser hoje nem amanhã que a sociedade vai se engajar na luta pelo anticapacitismo, mas mudar as estruturas, educar a nova geração e ter consciência política sobre a potência das políticas públicas para nós pode ser o início de tudo."

"Somos mais do que superação"

"Precisamos tirar a ideia de que pessoas com deficiências são exemplos de superação. A gente é mais do que isso, e todos precisamos dessa certeza para viver com liberdade", afirma a advogada e assessora governamental Aline Juliete de Abreu, 32 anos.

Aline perdeu a audição subitamente no ouvido esquerdo aos 12 anos, devido a uma lesão de nervo auditivo. Como surda unilateral, nos últimos anos, faz questão de evidenciar a deficiência invisível na convivência com os outros. "Quando alguém vem falar comigo, peço para falarem do outro lado, para eu ouvir. Não vejo problema, por que o que é ideal de 'normalidade' que damos aos corpos?", questiona a jovem, que prefere não usar aparelho auditivo.

Nem sempre a bandeira anticapacitista esteve em sua vida. Na adolescência, Aline não sabia lidar com o fato de ser alvo de piadas de outros colegas em sala de aula. "Não era trazido à tona um debate sobre respeito e tudo era visto como engraçado."

Aline tentou ser vereadora nas últimas eleições em Natal (RN) pelo Partido dos Trabalhadores (PT). No seu discurso, leva a pauta do acesso à educação e à mobilidade por pessoas com deficiência. "É preciso permitir que não só tenhamos acesso regular ao ensino, como com as necessidades acolhidas, com professores auxiliares quando preciso, por exemplo. Além disso, a sociedade precisa assimilar que quando se coloca uma rampa em um banheiro ou deixa um local acessível, não é só para PCDs; é para garantir o acesso universal ali, para quem tem dificuldades de locomoção, para idosos."

Não vai ser hoje nem amanhã que a sociedade vai se engajar na luta pelo anticapacitismo, mas mudar as estruturas pode ser um início.

Leandrinha Du Art, criadora de conteúdo e ativista

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