Julia* tinha 34 anos e o emprego dos sonhos: cheio de propósito, com salário razoável. Mas não pensou duas vezes antes de aceitar uma oferta de trabalho em uma big tech. O salário era um pouco melhor, é verdade, mas um dos benefícios foi decisivo para que ela nem mesmo tentasse negociar uma contraproposta: a cobertura de despesas de um possível congelamento de óvulos. Namorando há oito anos e sem filhos, ela topou na hora.

É grande a pressão sobre as mulheres quando o assunto é idade e gestação —mesmo sobre quem não sonha com a maternidade, ou ainda não decidiu se quer ser mãe. Explica-se:

  • As chances de engravidar naturalmente aos 30 anos são em torno de 18% a 20% ao mês. Depois dos 35, as chances caem para 10% a 15%. Aos 40 anos, ficam em torno de 5%.
  • Mulheres ocupam 47% dos cargos de entrada nas empresas; só 38% delas são gerentes; só 28% são CEOs**. Adivinha qual é um dos motivos por que elas não chegam ao topo? Entre os 20 e tantos e os 30 e poucos, enquanto os homens estão voando no trabalho e sendo promovidos, elas estão tendo filhos. E ficando para trás.

Júlia, portanto, resolveu dois problemas de uma só vez: pôde continuar investindo em sua carreira e não precisou abrir mão da maternidade, mesmo que tardia. Mas nem todo o mundo tem a sorte de Júlia. Para mulheres como elas, preparamos esse guia de congelamento de óvulos, com tudo o que é essencial saber sobre o assunto.

* O nome foi alterado a pedido da personagem.

** McKinsey 2020, relatório sobre mulheres no ambiente de trabalho

... tem entre 20 e 30 anos e não pensa em bebês. Agora

... não sabe se quer ter filhos. Mas e se mudar de ideia?

... acha importante ter filhos biológicos

... tem um problema de saúde que pode afetar sua fertilidade, como endometriose, síndrome do ovário policístico, doença inflamatória pélvica, cistos no ovário

... o histórico da sua família registra problemas como câncer, menopausa precoce ou problemas de infertilidade

... você está passando por uma transição de gênero e fazendo tratamento hormonal

... já tem filhos, não vai dar conta de outro agora, mas... Vai que no futuro você sente vontade de ter outro bebê?

Os óvulos, como você deve ter aprendido na escola, são gametas femininos (nada mais do que células!) que moram nos folículos, que por sua vez ficam armazenados nos ovários, parte do sistema reprodutor feminino. Combinados com espermatozoides (os tais gametas masculinos) —tcharam!— dão origem a fetos e, 40 semanas depois, a bebês. Os óvulos não duram a vida toda (veja o gráfico) e, por isso, a medicina desenvolveu técnica para congelá-los.

  • Os óvulos são retirados de dentro dos folículos por meio de uma agulha bem fina e permanecem cerca de duas horas no laboratório para maturação.
  • Depois são mergulhados em uma substância congelante, que vai proteger e diminuir a quantidade de líquido em seu interior para evitar a formação de cristais.
  • Então, começa o processo conhecido como vitrificação. Os óvulos são colocados em cilindros de nitrogênio líquido e mantidos a -196 °C.

Sim. Há dois exames que avaliam a reserva ovariana. Eles podem servir como base para a sua decisão, junto ao seu ginecologista:

  • O HAM ou AMH, um exame de sangue que avalia o hormônio antimülleriano. Essa substância é produzida pelas células que controlam o desenvolvimento dos folículos (onde ficam guardados os óvulos). Pode ser feito em qualquer tempo do ciclo menstrual.
  • O ultrassom transvaginal é um exame de imagem. Realizado nos primeiros dias do ciclo menstrual, mostra o número de folículos com diâmetro entre 2 mm e 10 mm que a mulher ainda possui.

Não há uma idade limite para optar pelo congelamento de óvulos, mas, quanto mais jovem, melhor. A mulher envelhece, os óvulos também. Afinal, após congelados, eles se manterão com a mesma idade que tinham quando foram aspirados.

"O limite é até onde tiver uma reserva folicular, antes da falência ovariana. Mas a partir dos 38 anos a quantidade de óvulos já não é satisfatória e a eficácia de sobrevida, fertilização e gravidez diminui", diz o ginecologista e obstetra João Ricardo Auler, especialista em medicina reprodutiva pela SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida).

Não decida nada sozinha. O ideal é pedir indicação ao seu ginecologista ou a alguma amiga que já tenha passado pelo processo.

  • Os estabelecimentos mais adequados são as clínicas especializadas em infertilidade. Segundo o último levantamento da RedLara (Rede Latino Americana de Reprodução Assistida), em 2019 foram feitos 4.048 ciclos com congelamento de óvulos no Brasil, em 63 clínicas.
  • Verifique se o local tem um minicentro cirúrgico, pois é ali que será feita a sua coleta de óvulos. Esse espaço precisa ser equipado da mesma maneira que um centro tradicional, o que muda são as dimensões.
  • Os óvulos congelados devem ficar em pequenos frascos com um rigoroso sistema de identificação. Alguns tubos levam o nome da paciente e outros têm apenas os números de identificação.
  • Se a clínica fechar, você não perde seus óvulos. Geralmente, há um termo no contrato com a clínica que diz que o material biológico será transferido para outro local em caso de encerramento de serviço do laboratório.
  • Peça a ajuda de um advogado para avaliar o contrato, antes de assiná-lo. Afinal, seus óvulos vão permanecer armazenados lá por tempo indeterminado.

Apesar de ser cada vez mais popular, o tratamento ainda não é acessível a todas as mulheres.
Confira os preços médios de cada fase do tratamento.

Importante: pode haver diferenças dependendo da região do país, dos profissionais envolvidos e das clínicas contratadas.

O congelamento de óvulos não consta na tabela de cirurgias do SUS (Sistema Único de Saúde), mas nove hospitais públicos dispõem do serviço. São eles:

  • HMIB (Hospital Materno Infantil de Brasília)
  • Hospital das Clínicas da UFMG, em Belo Horizonte
  • Hospital Nossa Senhora da Conceição SA - Femina
  • Hospital das Clínicas de Porto Alegre
  • HC da FMUSP - Hospital das Clínicas São Paulo
  • Centro de Referência da Saúde da Mulher São Paulo - Pérola Byington
  • Hospital das Clínicas FAEPA Ribeirão Preto
  • Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP, em Recife
  • Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal

Em alguns, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, qualquer pessoa pode tentar uma vaga, mas a fila é grande —em torno de 300 pessoas—, o que pode demorar anos. Pacientes oncológicas têm prioridade.

Quando a firma paga

Há pelo menos oito anos, empresas como Microsoft, Apple e Meta se ligaram nesse movimento e começaram a oferecer o procedimento no rol de benefícios para as funcionárias. A conta costuma ser dividida: empresas pagam o investimento inicial, e a anuidade é bancada pela funcionária.

No LinkedIn, por exemplo, o benefício está disponível desde janeiro de 2019 para todos os funcionários que atuam em tempo integral. Dentre os itens cobertos pelo valor estão o congelamento de óvulos, os remédios para auxiliar a fertilização, exames, tratamentos e a inseminação artificial em si. A cada tentativa de fertilização, por exemplo, a empresa reembolsará até R$ 22 mil —no limite máximo de três tentativas.

Na Meta o benefício é oferecido por meio de um parceiro global que tem uma rede de clínicas e também uma rede de cuidado e apoio psicológico. "O benefício suporta todo o processo, desde a tomada de decisão", afirma Thais Mingardo, gerente de remuneração e benefícios da Meta para América Latina.

Há cerca de um mês, a PepsiCo adicionou aos seus benefícios o "Minha Hora", projeto que oferece ajuda financeira para pessoas que querem ou precisam passar por congelamento de óvulos, fertilização in vitro ou inseminação artificial. Até mesmo quem já tem contrato vigente e fez antes de o benefício ser implementado pode pedir reembolso dos valores.

Se você já ouviu relatos de mulheres que fizeram fertilização, está no caminho certo das informações. A coleta de óvulos para congelar e para fertilizar é feita da mesma maneira. Mas o procedimento de injeções e estímulos hormonais é o mesmo.

O processo é feito em ciclos, que duram de dez a 12 dias. Prepare seu chefe no escritório: você vai precisar se ausentar com alguma frequência nesse período.

  • Injeções estimulantes

    No primeiro dia da sua menstruação, começam as injeções para estimular os ovários a produzir um número maior de óvulos maduros. A aplicação é diária e são usados medicamentos como hormônio folículo-estimulante e hormônio luteinizante. Você mesma pode aplicar a injeção ou pode pedir ajuda a alguém. A partir de hoje, não pode: álcool, sexo e exercício físico.

  • Retorno ao consultório

    O médico vai checar como vai o crescimento dos folículos. Prepare-se para visitar o médico dia sim, dia não. Se, por acaso, o local das injeções estiver dolorido, ele pode indicar compressas geladas.

  • Efeitos colaterais

    Para algumas mulheres, os efeitos colaterais podem começar a bombar. Entram nessa conta inchaço, náusea e dor de cabeça -- tudo depende da dose de hormônio que será usada. Às vezes, a sensibilidade fica aguçada, como uma superTPM, com crises de choro, impaciência e raiva.

  • Ovulação está próxima

    O seu corpo está próximo da ovulação. Um novo medicamento entra no jogo: um inibidor da liberação de gonadotrofinas, que previne a liberação do folículo.

  • Contagem de óvulos

    É o dia em que o médico vai medir os seus folículos e óvulos. O ideal é ter entre cinco e 20 óvulos. Nesse dia, você injeta gonadotropina coriônica humana, que vai induzir a ovulação.

  • Dia D

    A hora da pulsão (ou colheita dos óvulos) vai depender da decisão do médico e varia de acordo com o tamanho dos folículos, mas costuma acontecer, em média, de 34 a 36 horas depois da aplicação da última injeção. No centro cirúrgico, com equipe adequada, você recebe anestesia (geralmente endovenosa e com sedação) para que não haja desconforto. O médico se guia por um aparelho de ultrassom transvaginal e usa uma agulha bem fininha para sugar esses óvulos maduros. Você vai estar dormindo e não sentirá dor. O resultado do laboratório vai dizer quantos óvulos foram colhidos e se estão viáveis para o congelamento. Esse relatório sai logo que você acorda da sedação. O ideal é congelar de 12 a 15 óvulos por filho que você pretende ter. Quanto mais jovem, maior a taxa de sucesso. Mas, se não conseguir de primeira, sempre há a possibilidade de repetir o ciclo.

  • Vida que segue

    Já pode voltar para sua vida normal no dia seguinte, ou quando o desconforto abdominal passar: está liberado beber, malhar e transar!

  • Vai descer

    A menstruação vem normalmente, já que a captação é feita no meio do ciclo.

A única forma de engravidar a partir do congelamento de óvulos é a fertilização in vitro. Como no congelamento os óvulos ficam com a idade que você tinha quando eles foram retirados de seu corpo, é possível implantá-los até a menopausa. Tudo depende da sua saúde —física e financeira. Considere guardar uma quantia de dinheiro similar ou maior do que a usada no congelamento para esse momento.

Os valores desse tipo de procedimento podem mudar de acordo com a região do Brasil. Por isso, a variação vai de R$ 8.000 a R$ 20 mil. De acordo com especialistas, é necessário guardar ainda um valor 50% maior do que isso caso seja necessário usar mais medicamentos ou fazer novos exames durante o procedimento.

Se a mulher já estiver na menopausa, é possível usar um hormônio que vai estimular o útero para receber o óvulo fecundado, em caso de desejo de gestação.

No entanto, assim como pelos meios naturais, não há garantia de sucesso na gravidez. As chances de engravidar ficam em torno de 5% a 6% por óvulo. E, se você tiver um parceiro, a gravidez também dependerá da qualidade do sêmen que ele produz.

Congelei óvulos porque sou solteira, estou na metade de um doutorado e quero fazer um pós-doutorado. Sem contar que sou mulher negra e preciso me esforçar ainda mais para entrar no mercado de trabalho. Por tudo isso, decidi adiar um pouco a maternidade. Inclusive, falo sobre o assunto em palestras para meninas interessadas em ciência.

O mais difícil durante o procedimento é controlar o nervosismo por não saber quantos óvulos vão ser colhidos. Depois da aspiração dá uma cólica, um incômodo, mas passa rápido. O médico até pede um pouco de repouso nesse pós. Mas, depois da próxima menstruação, é vida normal.

Congelei óvulos porque entendi que posso ser mãe quando eu quiser. Adoro viajar e ainda não quero abrir mão disso.

Conversei com meu médico e perguntei qual seria a idade máxima para eu ser mãe solo. Ele me contou que, na clínica, o máximo foi 52 anos, mas pediu para que eu não esperasse tanto.

Congelei óvulos porque sempre soube que queria ter filhos, mas não me vejo como mãe solo. Acho que demorei para buscar o congelamento de óvulos, porque sempre aparentei ser mais jovem e, por isso, talvez não tenha sentido uma pressão externa tão grande.

Escolhi o laboratório em que a médica me tratou de forma muito séria. No meu primeiro ultrassom, eu tinha apenas dois folículos. Alguns laboratórios me disseram que não fariam meu congelamento, outros falaram que eu já tinha passado da idade.

No primeiro ciclo, foi tudo tranquilo. No segundo, fiquei frágil, tive crises de choro. O corpo dá uma destruída. A barriga fica dura, enorme, você retém muito líquido. Interrompi tudo até o processo terminar.

Decidi congelar óvulos porque fui diagnosticada com endometriose. Sempre quis ser mãe, então resolvi começar o tratamento para preservar minha reserva ovariana logo após a cirurgia.

O mais difícil durante o procedimento foi o uso da medicação e a pressão psicológica. No terceiro dia, minha barriga ficou muito inchada, o que é esperado. Eu trato um quadro de depressão e estou em um processo de diminuição do remédio. Com essa mistura, as injeções me fizeram mal. Tive sintomas de uma TPM muito piorada. Senti que estava violentando meu corpo [depoimento completo aqui].

Seja qual for o motivo por que você tenha decidido não usá-los, você pode considerar doá-los (para outras mulheres ou para a ciência) ou simplesmente autorizar a clínica a destruí-los.

Começar o procedimento não garante seu sucesso. Pode ser que você não tenha óvulos para congelar ou tenha poucos, o que, no segundo caso, criaria a necessidade de fazer mais de um ciclo de coleta, aumentando os gastos com o procedimento. Além disso, seus óvulos podem não ter qualidade para ser congelados, mesmo depois de todos os procedimentos. Por isso, é importante estar preparada e saber que, caso a gestação não aconteça, há outras possibilidades para ser mãe.

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