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Prazer após o expediente: elas se livraram da obrigação de amar o trabalho

Cada vez mais mulheres libertam-se da expectativa pela felicidade no trabalho: "é para pagar as contas" Imagem: Arte/UOL

Luciana Bugni

Colaboração para Universa, em São Paulo

06/03/2023 04h00

Ninguém precisa amar o trabalho. Mas há nuances variadas entre amar e detestar um lugar, pessoas e atividades ligadas a seu emprego. Os tempos atuais são contraditórios: big techs, que são o sonho profissional de muita gente, têm oferecido grandes demissões no lugar de sinuca e geladeira cheia de quitutes gratuitos. O que seria um bom lugar para se trabalhar, como indicam as listas anuais das revistas de negócios, afinal? E mesmo que você esteja em uma dessas empresas, talvez não seja necessário ser completamente feliz lá.

Dá para não amar o trabalho e trabalhar direito? "Não é obrigação da empresa me fazer feliz e, sim, cumprir os acordos. E a minha é cumprir as metas", diz uma das entrevistadas por Universa. "Acho um exagero dizer que nasci para exercer essa profissão."

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É trabalho ou é castigo?

Gostar ou não do trabalho envolve duas áreas do cérebro: uma lida com prazer e recompensa; a outra é chamada de "centro de punição", como explica Ricardo Monezi, especialista em Fisiologia do Comportamento na Universidade Federal de São Paulo. Trabalhar em um lugar que odeia faz com que a pessoa não se sinta trabalhando e, sim, punida, como em um castigo. "É importante buscar um trabalho que não apenas resolva os problemas com dinheiro, mas não atrapalhe o modo de viver. O ideal é que seja compatível com suas habilidades, mas também traga algum prazer", diz. Isso significa amar o cargo exercido? Na maioria das vezes, não.

Quero ser a melhor versão de mim mesma ao me exercitar, comprar plantas, tocar violão. É aí que quero colocar a minha melhor energia e criatividade Carol

"Não sou romântica de achar que sou feliz porque estou trabalhando às 7h18 da manhã, dentro de um escritório em um bairro de prédios espelhados de São Paulo. Mas não vou ser feliz apenas na sexta-feira à noite, quando fizer um churrasco em casa, ou no dia em que tomo um lanche gostoso com meus filhos na padaria. Vou ser feliz no meio de tudo isso também", afirma Ana, 40, advogada. As mulheres entrevistadas pela reportagem preferiram não dar o nome inteiro, por receio de serem mal interpretadas nas empresas onde trabalham.

"Não dá para achar que todos os dias no trabalho são iguais. Há dias em que não gostamos nem da gente. Meu trabalho está longe de ser o dos meus sonhos", diz Carol, 31, especialista em conteúdo em uma empresa americana. Ela diz ser boa no trabalho e afirma que isso é suficiente — mas admite sentir prazer em vários momentos, como quando resolve um problema e recebe o reconhecimento da chefia ou da equipe.

A lógica do prazer, nesses casos, é simples. Uma pessoa reconhecida pelo dom recebe doses extra de serotonina e dopamina. "O centro de prazer vai sendo retroalimentado positivamente. Quanto mais faz aquilo, mais é elogiada e mais reconhece as próprias competências. Sem prazer, trabalhar pode virar um estresse que mina as habilidades subaproveitadas", explica Monezi.

Não precisa amar, ok. Mas também não é indicado odiar. Esse estresse diário reverte negativamente nas defesas corporais — e aí se vê gente ficando doente, com infecção urinária de repetição, depressão ou ansiedade. "É importante aceitar os sinais que o corpo dá: lapsos de memória e burnout não acometem só quem não gosta do que faz. Também é comum em quem ama a profissão", diz Monezi.

Mudar o micro é melhor que culpar o todo

Ana, a advogada, frisa que frequentar um bom ambiente de trabalho é fundamental para que consiga lidar com o cargo não tão amado assim. "Ser advogada não é uma grande realização, mas sou realizada por trabalhar em uma empresa legal", afirma. Segundo conta, quando algo incomoda na rotina corporativa, ela pensa em mudar a situação específica, não o macro — talvez a frustração não seja motivada pelo cargo e, sim, pelo ambiente. "O meu entorno precisa ser saudável e agradável. O que não quer dizer que eu precise olhar todas as minhas funções com paixão. Isso é impossível", diz.

Batalhei para estar aqui porque isso me faz aproveitar outro lado da vida. Mas seria uma boa lavadora de pratos ou gerente de loja, por exemplo. Ana

Mesmo para a influencer Marie Castro, 33, que largou um emprego com carteira assinada 13 anos atrás, há um lado ruim em viver de seu hobby, o crochê. "Transformar hobby em trabalho é perder o hobby. Por isso, sempre busco algo novo. Passeio no parque com o cachorro, toco instrumento, ando de skate", diz. Recentemente, Marie tirou de férias para viajar, sem fazer crochê. "Quero voltar com gás", afirma. E tem um aspecto particularmente desafiador para quem não tem salário fixo: "É preciso se organizar, aprender a administrar a grana".

"Posso ser boa no trabalho, mas isso não precisa ser o meu melhor na vida. Desligo o computador no fim do expediente e vivo a vida que quero viver. É importante encontrar o trabalho que traga felicidade. Mas se me possibilita pagar as contas e não fere meus valores, por que não me faria feliz?", reflete Carol.

Ana afirma tratar o emprego de forma responsável há duas décadas, pois não é herdeira: "Para realizar meus desejos, preciso trabalhar. Mas não dá para ser feliz apenas quando desligo o computador. Busco realizações durante o horário comercial também", diz. "Hoje, vim ao escritório na chuva, dentro do meu carro com ar condicionado. Vejo felicidade em confortos que não tinha há 20 anos, antes de começar a trabalhar", conta.

Há lugares que oferecem frutas picadas para o café da manhã no escritório, outros mantém uma sala de jogos para ajudar os funcionários a relaxar. Isso pode ajudar a sair da rotina, mas não traz felicidade. "As empresas não pagam a gente para ser feliz e é uma libertação descobrir isso. Desligo meu computador no fim do dia, tomo uma taça de vinho e vou curtir a vida. Sinto que a vida vale mais a pena depois que me livrei da expectativa da felicidade no trabalho: gosto de tocar violão e cantar. Posso fazer isso depois do expediente", conta Carol.

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