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Adolescente abusa da irmã de 6 anos e juiz fala em negligência da família

No Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, especialistas apontam como combater os crimes Imagem: René Cardillo/UOL

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

18/05/2022 04h00

Um adolescente de 16 anos foi parar na Justiça da Infância e Juventude por estupro e atentado violento ao pudor contra a própria irmã, de 6. Ele admitiu o que fez, e hoje vive afastado da vítima e da mãe. Na sua decisão, de abril último, o juiz de direito afirmou que casos como esse acontecem por negligência dos responsáveis. A mãe é uma professora do ensino básico que cuida do casal de filhos sozinha. O pai das crianças é alcoólatra.

No Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, especialistas ouvidos por Universa rebatem: todos somos negligentes, inclusive o Estado.

Em audiência virtual realizada pela 4ª Vara Especial da Infância e Juventude e a qual Universa teve acesso, a mãe contou que seus filhos ficam sob os cuidados de seus pais enquanto trabalha. Certo dia, ao assistir televisão com a caçula, a criança lhe contou que em algumas ocasiões, enquanto dormia na casa dos avós, o irmão tirava sua roupa e tocava suas partes íntimas. Falou ainda que ele a beijava e colocava vídeos de conteúdo pornográfico para os dois assistirem. E que não havia contado antes porque o adolescente fez ameaças de agressão.

O adolescente, por direito, nada falou na audiência, e o juiz considerou que "tal atitude é incoerente com a inocência sustentada pela defesa. Quem é inocente e se vê injustamente acusado procura, em todas as oportunidades nas quais é ouvido, clamar por sua inocência e declinar sua versão sobre os fatos ocorridos", ele escreveu na sua decisão, de 13 de abril.

Além disso, um laudo de avaliação psicodiagnóstica somado à defesa do adolescente, paga por uma tia, demonstrou que, mesmo constrangido, ele não se recusou a relatar e dar detalhes de suas ações. Ele está em tratamento psicológico.

Mãe diz que família a abandonou para defender adolescente

Logo após concluir que havia provas do ato infracional cometido pelo adolescente, o juiz sugeriu que seria culpa dos responsáveis pelas crianças. Assim ele escreveu:

"O que se verifica na maioria dos casos desta natureza é que tudo poderia ser evitado se não houvesse a incidência de negligência por parte dos responsáveis do infrator e da vítima. As declarações juntadas pela defesa com as alegações finais retratam que o adolescente provém de um ambiente familiar desestruturado e confirmam a negligência que sofreu."

A menina foi encaminhada para um serviço de atendimento psicológico, mas segundo a mãe, o local é de difícil acesso, e ela preferiu mudar a menina de escola, para uma unidade que atende em tempo integral. Ela segue sem amparo.

"Minha família foi contra a denúncia e me deu as costas para apoiar meu filho. Faço tudo sozinha. O pai dela não está sabendo porque tem problemas sérios com bebida. Hoje não tenho mais sonhos. A única pessoa que me traz essa vontade de fazer algo é a minha filha. É terrível", desabafa a mãe.

Por ser réu primário, ou seja, não ter outra passagem pelas Varas Especiais da Infância e Juventude, o adolescente ficou em medida de liberdade assistida, nas palavras do juiz, para que ele possa compreender a gravidade do ato e receber os encaminhamentos necessários para uma efetiva socialização.

Foi ainda imposta a proibição de contato com a irmã, sob pena de ser internado provisoriamente ou institucionalizado, ou seja: ser encaminhado para uma família substituta e ficar disponível para adoção. Ele hoje mora com os avós maternos.

Ficou determinado ainda que responsáveis estão sujeitos às medidas de advertência, encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de proteção à família e a cursos ou programas de orientação. A mãe dos dois diz que foi apenas uma vez ao Cras (Centro de Referência da Assistência Social) para contar o que aconteceu.

Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou que "os magistrados são impedidos pela lei orgânica da magistratura de conceder entrevista sobre casos em andamento e o processo em questão ainda cabe recurso."

"Negligentes somos todos"

A Constituição Federal determina, no artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado colocar a criança e o adolescente "a salvo de toda forma de violência de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Ou seja: todos são negligentes, concluem os especialistas ouvidos por Universa.

De acordo com o gerente de Advocacy da Childhood Brasil Itamar Gonçalves, casos de abusos contra crianças e adolescentes têm múltiplas causas e envolvem questões culturais, éticas, históricas e socioeconômicas. Além disso, ele complementa, o abuso acontece em situações diversas como no transporte público e na escola, reforçando que nem sempre trata-se de negligência dos responsáveis. E entre as diversas estratégias de combate a essa violência, ele aponta, é preciso que o poder público trabalhe melhor com as famílias.

"A prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes tem de ser realizada em casa, na escola, por organizações que atendem diretamente esse público. Embora tenhamos, desde os anos 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não trabalhamos com a educação para autoproteção para as situações de abuso sexual. Crianças e adolescentes sem informações básicas sobre seus direitos terão dificuldades em buscar ajuda", conclui.

O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, corrobora: "Essa mãe sofreria mais se o jovem fosse encaminhado para uma unidade de internação por estupro de vulnerável, onde inclusive seria ameaçado de morte por outros internos, do que ser citada como negligente na decisão."

Lei da Escuta Protegida

Com orientação da Childhood, há cinco anos o Brasil ganhou a Lei da Escuta Protegida, para que as vítimas menores de idade sejam atendidas em espaços de proteção apenas uma vez, e já na Justiça ou delegacia, para que elas não tenham que repetir a violência sofrida. A orientação é que essa escuta ocorra mais próxima do fato possível, para não perder esse timing e não contaminar a fala da vítima, explica Gonçalves. "Isso vai impactar nessa responsabilização de quem cometeu o crime."

Mas na avaliação do especialista, uma minoria dos municípios se adequou à nova norma. Para isso, ele lista, cada município tem de rever o fluxo do atendimento, para a partir da revelação de uma violência sofrida, construir um protocolo integrado para o atendimento, com a participação do sistema de justiça e segurança pública.

"Se a lei for implementada, damos uma resposta para a criança de que valeu a pena ter revelado, e consequente estaremos protegendo outras crianças desta família/comunidade", ele conclui.

Leia Mais: A colunista de Universa Cris Guterres comenta o movimento #AgoraVcSabe

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